No texto anterior, tentámos precisar aquilo que o Ministério da Educação pretende que venha a ser avaliado pelo avaliador externo, quando este for chamado a entrar numa escola que desconhece, quando entrar numa turma que nunca viu e quando observar duas aulas de um professor que também não sabe quem é.
Hoje, procuraremos perscrutar o modo como o mesmo ministério prevê que isso aconteça. Na semana passada, vimos o que supostamente vai ser avaliado e agora veremos como se pretende que isso seja avaliado.
Presumivelmente para esclarecer o como fazer a avaliação, o secretário de Estado da Educação e Administração Escolar fez publicar três anexos ao Despacho n.º 13981/2012.
O Anexo I designa-se «Guia de observação da dimensão científica e pedagógica». A designação «guia» é manifestamente presunçosa. Na realidade, este «guia» não passa de uma tabela com quatro colunas e cinco linhas, que se limita a repetir artigos do despacho. É até caricato que um secretário de Estado consuma o seu tempo, ou dos seus assessores, a construir tabelas em Word, que qualquer aluno do ensino básico saberia elaborar, e as mande publicar no Diário da República.
Mas vejamos a tabela.
Mas vejamos a tabela.
Na primeira coluna está escrito: «parâmetro científico» e «parâmetro pedagógico».
Na segunda coluna estão escritas as especificações desses parâmetros, ou melhor, foram copiadas e coladas as especificações que estão escritas no articulado do despacho. Assim, para o «domínio científico», temos: na primeira linha, «conteúdos disciplinares»; na segunda linha, «conhecimentos da língua portuguesa que enquadram e agilizam a aprendizagem dos conteúdos disciplinares». Para o parâmetro «segurança [!] pedagógica», repete-se, na primeira linha, a catrefada de especificações – numa só linha e de um só fôlego: «aspectos didácticos que permitam estruturar a aula para tratar os conteúdos previstos nos documentos curriculares e alcançar os objectivos selecionados, verificar a evolução da aprendizagem, orientando as actividades em função dessa verificação e acompanhar a prestação dos alunos e proporcionar-lhes informação sobre a sua evolução». Na outra linha, e com uma sintaxe que envergonharia o mais cábula dos alunos: «aspectos relacionais que permitam assegurar o funcionamento da aula com base em regras que acautelem a disciplina; envolver os alunos e proporcionar a sua participação nas actividades; estimulá-los a melhorar a aprendizagem».
A terceira coluna é dedicada ao registo dos aspectos «positivos» relativos a cada uma das especificações e a quarta coluna é dedicada ao registo dos aspectos «negativos» para as mesmas especificações.
E pronto, o avaliador externo, munido deste «guia de observação», discriminará o que de positivo e de negativo supostamente conseguiu detectar, através da sua lupa avaliativa, durante duas aulas. Preenchido o sui generis «guia», o avaliador externo deve passar ao preenchimento do Anexo II – mais uma tabela, desta vez com menos uma linha. Isto é, o avaliador externo, depois de dizer o que de positivo e de negativo viu na aula a que assistiu (Anexo I), vai classificar o que viu, numa escala de um a dez. Para o fazer, deve pôr o olho no Anexo III – anexo que (também) se limita repetir, (também) em forma de tabela, os cinco níveis de desempenho previstos no articulado, para cada um dos dois parâmetros (científico e pedagógico).
Por outras palavras: o avaliador externo determina – não se sabe segundo que critérios – o que de positivo e de negativo houve no desempenho do professor avaliado. De imediato, o avaliador externo salta para o acto classificativo, determinando — não se sabe segundo que critérios – se, no parâmetro científico, o colega avaliado tem um domínio pleno, muito bom, bom, regular ou com falhas graves; e se, no parâmetro pedagógico, tem uma segurança inequívoca, muito boa, boa, regular ou com falhas graves.
Agora, a que realidade os termos «pleno», «muito bom», «bom», «regular» e com «falhas graves» nos reportam isso é coisa que ninguém sabe. A que realidade os termos «segurança inequívoca», «muito boa», «boa», «regular» ou com «falhas graves» nos reportam é coisa que também ninguém sabe. E não se sabendo a que realidade estes termos se referem, não é possível avaliar coisa alguma. Como também não é possível classificar de positivo ou de negativo, sem critérios definidos. Igualmente não é possível passar de uma classificação de positivo e negativo, sem critérios, para uma classificação de cinco níveis, cuja realidade de cada nível é desconhecida.
E assim se vai conhecendo o conceito de rigor de que Nuno Crato nos fala. E assim se continua a brincar às avaliações e com a dignidade profissional dos docentes.
(Continua)