O discurso que ontem dirigiu ao país é certamente o discurso mais reaccionário da história dos discursos dos Presidentes da República eleitos depois do 25 de Abril de 1974. É um discurso que revela um incontido desprezo pela República e pela Democracia.
Cavaco poderá mesmo ser considerado um déspota, se concretizar as ameaças que deixou implícitas nesse discurso.
Cavaco poderá mesmo ser considerado um déspota, se concretizar as ameaças que deixou implícitas nesse discurso.
No arrazoado que apresentou ao país, o facto mais irrelevante é a indigitação de Passos Coelho como primeiro-ministro, que, do ponto de vista estritamente democrático, não levanta sequer objecções. O que é gravíssimo é tudo o resto que foi dito.
É gravíssimo um Presidente da República considerar ser ele quem define o que é «o superior interesse nacional». Cavaco outorga a si mesmo esse direito em exclusividade, retirando-o ao povo que vota.
É gravíssimo um Presidente da República considerar que pode fazer o juízo que entender sobre os resultados eleitorais. Cavaco outorga a si mesmo o direito de determinar o real significado dos resultados eleitorais, sentindo-se livre de os subverter.
É gravíssimo um Presidente da República considerar que pode substituir-se ao povo e determinar que um governo de esquerda é mais pernicioso para o país do que um governo de direita, mesmo que este, como afirmou: «não consiga assegurar inteiramente a estabilidade política de que o País precisa». Cavaco outorga a si mesmo o direito de determinar que certos votos são politicamente lixo, que podem ser colocados no esgoto da Democracia, que não servem para nada.
É gravíssimo um Presidente da República considerar que pode determinar a natureza do voto dos deputados do Parlamento. Cavaco outorga a si mesmo o direito de condicionar o voto dos deputados, ao definir que aquilo que votarão não é se o Governo, que se apresentar na Assembleia da República, deve ou não assumir funções, mas se «o Governo deve ou não assumir em plenitude as funções que lhe cabem». Cavaco já determinou que o governo continuará em funções, independentemente de ser ou não derrubado pelo Parlamento. Cavaco quer apenas saber se será na plenitude das suas funções ou se será com funções limitadas, enquanto governo de gestão, até à eleição do novo Presidente.
Se, após a queda do novo Governo de Passos Coelho, Cavaco recusar dar posse a um Governo sustentado por uma maioria de esquerda no Parlamento, não só violará a Constituição como terminará como um déspota.
O seu desgraçado percurso político chegará ao fim como merece. De forma indigna.