terça-feira, 6 de outubro de 2015

Sobressaltos

A coligação de direita «venceu» as eleições, apesar de ter perdido em tudo: perdeu milhares de votos, perdeu deputados, perdeu a maioria absoluta e perdeu a capacidade de depender de si própria para governar.
O PS perdeu as eleições, ao mesmo tempo que ganhou mais deputados e mais votos, mas, acima de tudo, ganhou o agudizar de um problema antigo que até hoje nunca foi capaz de resolver: o PS quer continuar a ser o partido-irmão do PSD ou assume-se como um partido de esquerda, realizando políticas coerentes com esse posicionamento?
O Bloco de Esquerda subiu de forma muito acentuada e a CDU também subiu, mas moderadamente. Ambos tiveram mais votos e mais deputados. Este duplo crescimento parece mostrar que há um cada vez maior número de portugueses que, no mínimo, rejeita o modelo económico que nos domina e que pretende construir uma sociedade assente em valores mais solidários que garantam um rigoroso combate às obscenas desigualdades que nos envolvem.
A eleição de um deputado do PAN é sinal de que começa a existir um número significativo de portugueses que coloca na primeira ordem das prioridades valores não exclusivamente centrados nos seres humanos.
Comparando a composição do novo parlamento com a composição de há quatro anos, há um aspecto relevante: a coligação perdeu poder e os partidos que têm afirmado a sua oposição à política de empobrecimento e de agravamento das desigualdades ganharam poder, dependendo a dimensão desse ganho da definição que o PS vier a fazer de si próprio.
Seja como for, é desde já interessante observar a inquietude que os porta-vozes dos interesses bem instalados revelam com esta mudança. A perda do poder absoluto, que lhes garantia a tranquilidade absoluta de preservação do seu domínio económico e social, trouxe-lhes um evidente nervosismo, ao mesmo tempo que investem na esperança de que o PS não os atraiçoe na manutenção do statu quo.
Provavelmente essa esperança tem fundamento, porque, apesar de soaristas, gamistas, guterristas, socratistas, seguristas e costistas se esfaquearem reciprocamente (o que muito diz sobre a qualidade política destes protagonistas) há algo de comum entre muitos deles e entre eles e o PSD: a idêntica defesa dos seus interesses bem instalados.
A irmandade entre PS e PSD dificilmente será desfeita, por muito que publicamente façam questão de aparentar o contrário.