quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (14)

«Os sistemas autárquicos locais estão tomados pelos negócios, em particular os do urbanismo, e afastam todos os que possam pôr em causa a ordem desde há muito estabelecida: conluio, conúbio entre promotores imobiliários, chefes partidários locais e autarcas. [...]
Os pelouros do urbanismo das Câmaras municipais passaram a ser, muitas vezes, locais de troca de favores entre autarcas, dirigentes partidários e promotores imobiliários. Nesses espaços, todas as práticas acontecem, desde a valorização ilegítima de terrenos ao tráfico de influências generalizado — todas, excepto as que conduziriam à estruturação apropriada do território e à promoção de qualidade de vida para os cidadãos. [...]
Em quase todas as autarquias, quase metade [dos recursos] vai para pagar salários, ou seja, para alimentar uma máquina de pessoal gigantesca. Máquina desproporcionada face ao serviços prestados porque, muitas vezes, foi sendo engordada com a entrada em catadupa de "boys" partidários, cuja contratação não resulta da necessidade de suprir a falta de pessoal qualificado para as missões das autarquias, mas sim garantir "tachos".
Esta situação agravou-se ainda mais nos últimos tempos devido à proliferação das empresas municipais, cujo regime de funcionamento facilitou estas práticas. Na última década, as empresas municipais foram nascendo como cogumelos em todo o país.. Na grande parte dos casos, têm servido apenas para distribuir empregos a "boys" dos partidos e a favorecer negociatas. A maioria dessas empresas não tem nem nunca teve razão de existir: não atingem um volume de negócio mínimo, não pagam regularmente a fornecedores, não geram emprego. [...] A sua sobrevivência é apenas garantida por subsídios e indemnizações compensatórias atribuídas pelas autarquias. Em grande parte dos casos, não têm sequer um proveito social claro e apenas servem para absorver o dinheiro dos nossos impostos. Haverá, com certeza, algumas excepções e empresas municipais com razão de existir e um funcionamento regular. Essas devem ser preservadas se apresentarem uma utilidade social evidente, uma actividade empresarial salutar que crie trabalho e bem-estar social. As restantes deveriam encerrar portas rapidamente.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que Fazer?, Gradiva.