segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Enquanto o formos permitindo...

Vivemos uma época medonha. Estilhaçam-se referenciais políticos, éticos e sociais com uma facilidade inimaginável. Implanta-se a lei da savana e os predadores atiram-se às presas com uma voracidade que já há muito não se via. Encobre-se a selvajaria dominante com um manto discursivo assente numa (pseudo) moralidade repleta de hipocrisia e de mentiras. Mantém-se intocável um sistema económico injusto, que garante a uma minoria a manutenção de privilégios escandalosos, enquanto milhares de homens e mulheres são atirados para o desemprego e milhares de crianças, idosos e doentes são arrastados para a miséria. É este quadro, fanaticamente mantido e fortalecido pelo governo, que sustenta a proliferação de múltiplas situações como a que foi noticiada na semana passada: apesar da alegada «profundíssima crise» que vivemos — à luz da qual é justificada a política de destruição maciça dos direitos de quem trabalha — as maiores fortunas nacionais continuam em acelerado desenvolvimento. Só em 2012, os 25 mais ricos de Portugal valorizaram as fortunas em 16%, e Américo Amorim, apenas à sua conta, conseguiu elevar para o dobro a sua riqueza. 
Para além de indigna, esta realidade é insuportável. Na verdade, de nenhum ponto de vista uma situação destas pode ser considerada aceitável, e só uma sociedade doente poderá ver isto com indiferença. É o nosso caso. Estamos anémicos, ou anestesiados, ou embrutecidos, ou outra coisa qualquer, o certo é que não estamos bem. Os limites da decência social já foram ultrapassados há muito e, contudo, nós mantemo-nos incrivelmente ineptos na oposição à barbárie.
E a barbárie prossegue e aprofunda-se em todas os domínios. O que se está a passar na empresa Estaleiros Navais de Viana do Castelo reveste-se de uma tão elevada gravidade que deveria exigir uma rigorosa investigação, quer parlamentar quer da Procuradoria-Geral da República. Entretanto, o governo vai despedir todos os trabalhadores da empresa, mais de seiscentos, e mostra-se satisfeito com o desfecho a que chegou.
Num outro domínio, o a Educação, uma outra forma de barbárie está prestes a ser levada a cabo: o governo, sem uma única justificação séria, pretende realizar exames a professores contratados, professores que (e estamos a falar de muitos milhares) há muito anos já deveriam estar no quadro, se a lei fosse cumprida. Sem respeito nem escrúpulo, nem a voz do Provedor de Justiça, o governo atende.
O fanatismo que alimenta estes governantes ensurdece-os e cega-os. Enquanto nós o formos permitindo...