quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O esplendor da nossa mediocridade

1. Um governante de um qualquer país deveria sentir-se proibido de pronunciar frases como esta: «antes ser celta do que grego». Porque é uma frase, em si mesma, estúpida, porque politicamente é uma frase sem dignidade, porque eticamente é uma frase inaceitável entre membros de uma mesma União. Um qualquer governante de um qualquer país deveria sentir esta auto-proibição, mas o governante Portas, do governo de Portugal, não sente essa inibição. Não sente essa inibição como não sente inibição de qualquer outra natureza. Pelo contrário, sente que tudo lhe é permitido dizer e fazer. Entrou há bastante tempo no grupo dos inimputáveis. O problema é que esta personagem descredibilizada e descredibilizante, que ninguém leva a sério, é vice-primeiro-ministro, e é pago, como agora se diz, pelo dinheiro dos contribuintes.

2. Somos ridicularizados em privado e em público em vários países do Norte da Europa; colocam-nos como membros de pleno direito do grupo dos PIIGS; temos ministros que vão a rádios locais estrangeiras pedir publicamente desculpas diplomáticas; batem-nos a porta na cara, e nós, curvilínea e sorrateiramente, fazemos toc-toc; mendigamos pão e clemência aos credores; mas... atenção, apesar desta imensa subserviência em relação ao que é importante, imediatamente nos levantamos indignados, vociferamos, gritamos, ameaçamos que fazemos e acontecemos, porque um senhor, de uma certa idade e que manda na coisa do futebol, resolveu meter-se com o cabelo empastado de um jogador de futebol português. O próprio governo da nação emite um comunicado e toma posição formal sobre o assunto. Afinal a linha vermelha do governo e a nossa linha vermelha é o gel de cabelo de um futebolista. E quando essa linha é pisada, aí, sim, «às armas, às armas, contra os canhões marchar, marchar».

3. As pensões reduzem-se a pó, os salários e as reformas a metade, os impostos duplicam, o empobrecimento alastra como uma peste, mas para muita da nossa imprensa e para muito boa gente, com ou sem verbo fácil, o que é realmente importante é a reles coscuvilhice sobre um divórcio entre uma locutora de tv e um ex-ministro.

O esplendor da nossa mediocridade é inigualável.