sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Novas Oportunidades (3)

No texto da semana passada, procurando fazer o enquadramento da Iniciativa Novas Oportunidades, enunciei três questões que, na minha opinião, merecem algumas notas reflexivas. São essas notas que passo a expor, conforme o prometido.
A propósito do que é declarado no Guia de Operacionalização de Cursos de Educação e Formação de Adultos («Deve ser feita a valorização e validação das aprendizagens adquiridas em diversos contextos, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida» de modo a que «qualquer aprendizagem realizada em contexto formal ou informal, possa ser validada e capitalizável, no respeito pela condução que cada formando faz do seu percurso pessoal de educação e formação»), a primeira questão que formulei foi:
 — Que valorização deve ser dada às «aprendizagens adquiridas em diferentes contextos»?
Referi, em seguida, que o problema da valorização destas aprendizagens tem ligado a si o problema do valor que a sociedade atribui ou deve atribuir ao saber e ao saber-fazer

O paradigma que enforma toda a Iniciativa Novas Oportunidades faz uma declarada profissão de fé no saber-fazer. O Guia de Operacionalização de Cursos de Educação e Formação de Adultos afirma esta ideia com muita clareza: «As competências a desenvolver devem ser sempre entendidas como competências em e para a acção, trabalhadas com vista ao saber em uso» (o sublinhado é meu). Esta concepção é repetida e está subjacente ao longo de dezenas de páginas do referido guia. 
O desígnio do desenvolvimento das competências para a acção não vigora apenas no domínio da formação de adultos. Existe, há vários anos, um movimento ascendente que tem conseguido direccionar o ensino nesse sentido. A utilidade do ensino tem sido, desde há uns anos, o nó górdio da Educação para alguns teóricos — alguns deles seduzidos pelos apelos oriundos do mundo empresarial, outros, por (de)formação, rendidos à quantificação e à tecnologização da vida e da realidade. Um neopragmatismo pedagógico tem-se imposto e condicionado a Educação. Assente na presumida evidência de que o sentido de tudo se constrói e afere pela eficácia da acção, este neopragmatismo não vislumbra sequer a necessidade de se proceder a uma avaliação dos resultados que, nos últimos anos, uma Educação organizada e desenvolvida a partir destes pressupostos tem produzido.  Não se pensa nem se escrutina as consequências da quantificação e da tecnologização do ensino. Não se pensa nem se escrutina a ideia que defende que a utilidade do que se ensina é o critério de verdade, no domínio da Educação.
O saber-fazer substituiu o saber, a partir da crença naïf de que o saber-fazer se sustenta a si próprio, tem sentido por si próprio, desvalorizando-se o facto de que, deste modo, se está a sobrepor a técnica ao conhecimento e ao pensamento, ou, se se preferir, desvalorizando-se o facto de que a redução ao saber-fazer significa a menorização do saber.
Ora a Iniciativa Novas Oportunidades padece deste erro que, na minha opinião, se torna ainda mais grave quando aplicado na educação e formação de adultos. Ao contrário do que é dado como óbvio, na educação e formação de adultos (indivíduos que não tiveram, por diferentes razões, acesso à educação formal, na altura própria) menos sentido faz o afunilamento da educação e da formação no saber-fazer ou, nas palavras do guia, no saber em uso. Por duas razões, que julgo decisivas:

a) Porque é precisamente o saber-fazer aquilo que a experiência de vida e profissional mais facultou aos adultos. Adultos com 30, 40, 50 ou mais anos de idade e, vários deles, com significativa experiência em uma ou várias profissões, foram adquirindo, pela via empírica, um relevante saber-fazer. Consequentemente, não é do saber-fazer que estes adultos estão mais carenciados, estão, sim, precisados, e muito, do saber. O saber que, directa ou indirectamente, lhes possibilitará iluminar, esclarecer, enriquecer o próprio saber-fazer.

b) Porque é precisamente na idade adulta que, muitas vezes, nos encontramos nas melhores condições para apreender com mais fecundidade certos saberes — é a própria maturidade etária e a experiência de vida que o possibilitam e, em muitas situações, que o desejam com relevante intensidade. E não é apenas com mais fecundidade, é também, em muitos casos, com mais facilidade, se compararmos com os processos de aprendizagem dos jovens com 15 ou 16 anos de idade. Os estudos psicológicos mostram-no e a prática docente confirma-o.

Não há pois razões para se passar um atestado de menoridade intelectual aos adultos e, muito menos, prestar-lhes um deficiente serviço educativo e formativo, porque centrado ou limitado ao saber em uso.

As outras duas questões que formulei no texto anterior, começarei a abordar a partir da próxima semana.