1. É curioso verificar a objectiva incoerência teórica existente no Ministério da Educação relativamente ao número máximo de alunos/formandos por turma/grupo de formação.
Nos últimos anos tem-se assistido à defesa da tese de que o número de alunos por turma não é um factor relevante no nível de sucesso dos alunos. Deste modo, o discurso oficial afirma não existir problema algum em aumentar o limite de alunos por turma para 28 ou 30 (e mais, em alguns casos).
Foram e são porta-vozes deste posição: Rodrigues, Alçada e Crato (também aqui existe comunhão de ideias). A fundamentação que apresentam é de uma fragilidade confrangedora, socorrendo-se, não poucas vezes, de comparações intelectualmente desonestas e desprezando irresponsavelmente o que a prática lectiva revela.
Todavia, esta tese é esquecida logo que outras conveniências e outros interesses o exigem. No Guia de Operacionalização de Cursos de Educação e Formação de Adultos é afirmado peremptoriamente o seguinte: «Independentemente do nível ou tipologia aplicáveis aos grupos de formação [turmas], estes não podem, em nenhum momento, ultrapassar os 25 formandos» (o sublinhado é meu). Isto é, uma turma constituída por adultos não pode, em nenhum momento, ultrapassar os 25 elementos, contudo, uma turma constituída por crianças ou adolescentes pode, em qualquer momento, ultrapassar os 30 elementos.
Se nos mantivermos nos estritos limites que uma análise pedagógica/andragógica séria impõe, não se encontram argumentos sólidos que sustentem esta discrepância de critérios.
2. Na Iniciativa Novas Oportunidades (INO), procedeu-se à extinção dos alunos e dos professores. Na INO não há alunos e não há professores. Na INO há formandos e há formadores. O interessante é verificar que os pressupostos que estão na base desta distinção (aluno/formando e, por arrastamento, professor/formador) são considerados pelos próprios que a utilizam como irrelevantes. São irrelevantes, mas não abdicam delas. É a ideologia a sobrepor-se ao conhecimento.
Na verdade, as teorias do fundador da andragogia (das quais deriva a distinção entre aluno e formando), Malcolm Knowles, estão ultrapassadas e isso mesmo é reconhecido pelo próprio Ministério da Educação (cf. Helena Luísa Martins Quintas, Educação de Adultos — Vida no Currículo, Currículo na Vida, Agência Nacional para a Qualificação, 2008, pp. 52-53). A dicotomia entre adulto e criança, em situação de aprendizagem, desenvolvida por Knowles está muito longe de corresponder à realidade. Considerar que o adulto tem como traço padrão a capacidade de se auto-dirigir, responsabilizando-se pela sua aprendizagem, considerar que o adulto tem sempre uma motivação para aprender superior à da criança (por razões profissionais, pessoais ou de circunstâncias da vida) e que também tem sempre no seu processo de aprendizagem uma orientação pragmática constitui um conjunto de considerações que se aplica apenas a um número restrito de adultos. A sua generalização é claramente indevida. Por outro lado, a análise que Knowles faz das capacidades cognitivas e das características psicológicas da criança já pode ser considerada arcaica e de reduzida pertinência, em particular depois do que a realidade das novas tecnologias tem revelado sobre essas capacidades e características das crianças.
Contudo, foi este quadro de pressupostos que conduziu Knowles à defesa de metodologias de ensino para adultos e para crianças completamente divergentes (e, em alguns casos, opostas) e que o conduziu à distinção entre aluno e formando e que o conduziu à distinção entre professor e formador, cuja primeira função é a de ser um designer ou, se se preferir, um gestor de processos ou, ainda dito de outro modo, um facilitador de aprendizagens.
O Ministério da Educação sabe e assume a inconsistência desta teorização. Em Educação de Adultos — Vida no Currículo, Currículo na Vida, é dito, a este respeito: «muitos destes pressupostos de diferenciação podem ser rebatidos», e referem-se diversos estudos (Courtney et al. 1999, Johnson-Bailey e Cervero 1997, Betler 1999, Canário 1999) que exaustivamente contrariaram a teoria de Knowles. Igualmente, a conclusão que naquele texto é apresentada não deixa lugar a dúvidas: «Os processos de ensino para pessoas adultas não parecem, pois, dever ser diferentes de outros processos de ensino destinados a outros públicos noutras faixas etárias. O que deverá fazer a diferença é, como em qualquer outra situação educativa, a qualidade do ensino que é desenvolvido» (p. 53).
Não se compreende pois que, reconhecendo-se que este quadro conceptual está ultrapassado e, consequentemente, as diferenciações nele contidas, se persista na mesma nomenclatura e no que ela representa. Só inconfessadas razões ideológicas podem explicar esta incongruência.