1. Curiosamente, algumas das personalidades mediaticamente mais indignadas, pelo menos na aparência, que hoje em dia se fazem ouvir, contra as políticas de austeridade e contra a perda de direitos adquiridos são aquelas vozes que, precisamente, há cerca de três décadas iniciaram e/ou apoiaram políticas de austeridade, de enfraquecimento dos direitos de quem vivia somente do seu salário, de marginalização de quem defendia caminhos de aprofundamento da justiça e da solidariedade sociais e, ao mesmo tempo, fizeram renascer políticas de progressivo e irreversível fortalecimento dos interesses dos grandes detentores de capital.
Quem, em Portugal, iniciou essa viragem histórica foi Mário Soares, quando, exercendo as funções de primeiro-ministro, anunciou que era tempo de se meter o socialismo na gaveta. Mário Soares, com o apoio de muito socialistas, iniciou, de facto, o trilho político que veio a ser seguido ao longo dos últimos 30 anos e que atingiu, pelo menos até este momento, o ponto mais alto do seu desenvolvimento: perda brutal de direitos por parte de quem é assalariado e simétrico aumento dos direitos de quem é empregador ou de quem é financeiro. Ainda não ouvi Mário Soares fazer mea culpa, assim como a nenhum dos seus companheiros de partido. É verdade que, se o fizessem, seria demasiado tarde, todavia, essa assunção daria certamente maior credibilidade às afirmações que agora proferem e torná-las-ia, sem dúvida, mais úteis ao combate contra a gravíssima regressão histórica que o objectivo de mais justiça e de mais bem-estar sociais está a sofrer.
2. O principal problema de quase todos os políticos é mesmo o da falta de credibilidade, e junto com a falta de credibilidade vem a falta de autoridade. Passo Coelho há muito tempo que já perdeu uma coisa e outra — julgo não me enganar se disser que o actual primeiro-ministro é visto, por grande parte dos portugueses, como um rapaz bem-parecido que, não sabendo muito bem como, chegou a chefe de Governo, sem ter feito a mais elementar preparação para o exercício dessa função —, mas, agora, depois do episódio carnavalesco da tentativa de terminar com a tolerância de ponta, a sua autoridade tornou-se, provavelmente, irrecuperável.
Na realidade, é confrangedor constatar que o país não liga nenhuma a quem o lidera, ainda que isso seja compreensível, pois quem o lidera também não faz a mais pequena ideia do que é liderar um país. Passos Coelho não compreende que não chega apresentar circunstancialmente um ar grave e sério ou procurar falar em tom de baixo-barítono, para ser respeitado. Passos Coelho não o compreende. Por isso, não compreende que, tendo apresentado o ar mais grave e sério de que foi capaz, mesmo assim, praticamente ninguém lhe tenha prestado atenção.
Passos Coelho não tem credibilidade nem autoridade. Passos Coelho apenas vai sendo (incompreensivelmente) tolerado...