A proposta de «Alteração ao Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-escolar e dos Ensinos Básico e Secundário» apresentada pelo Ministério da Educação é, desgraçadamente, mais um exemplo da pobreza política que nos governa. Na verdade, a política educativa do actual governo resume-se, no essencial, a dar continuidade ao que de medíocre foi feito por Sócrates e Rodrigues.
A proposta apresentada por Crato mantém, na íntegra, com ligeiros remendos, o modelo de gestão das escolas imposto por Rodrigues. Só concebendo o exercício da política como uma repugnante encenação se compreende que, após tão exacerbadas críticas feitas por Coelho e Crato à política educativa do governo anterior, se mantenham agora intactos os pilares dessa mesma política. Estes governantes, como os anteriores, não merecem o respeito de quem os elegeu, porque eles próprios não respeitam a sua palavra e não cumprem os compromissos que publicamente assumem. Assim se denigre o exercício da Política, se denigre o conceito de República e se denigre a ética inerente à ideia de Democracia.
Este governo mantém intactos todos os absurdos do modelo de gestão de Rodrigues, à excepção de um: termina a norma estúpida que amontoava os grupos disciplinares em quatro departamentos — agora passam a ser as escolas a decidir em quantos departamentos devem os grupos disciplinares ser organizados. Este constitui o único caso de lucidez do ministro da Educação. No resto, dá continuidade ou piora o que de mau já existia. Três exemplos.
1. A proposta mantém intocável o órgão mais mal pensado, e que pior funciona, na história da gestão escolar, depois do 25 de Abril: o Conselho Geral. Com que fundamento? Não se sabe. Crato não só mantém este órgão intocável, como lhe acrescenta mais uma competência: a de «intervir, nos termos definidos em diploma próprio, no processo de avaliação do desempenho do diretor». Isto é: o representante do grupo colombófilo da freguesia (que, em muitos casos, foi parar ao Conselho Geral por indicação partidária, e que ou falta ou adormece nas reuniões) vai intervir na avaliação do director da escola; os professores membros do conselho geral vão intervir na avaliação do director que, por sua vez, avalia esses professores; os funcionários membros do conselho geral vão intervir na avaliação do director que, por sua vez, avalia esses funcionários. Sobre os múltiplos aspectos profundamente negativos de que este órgão padece, já tive oportunidade de deixar nota aqui, aqui, aqui e aqui. É incompreensível que se consiga piorar o que já era mau.
2. A proposta mantém intacta a forma de escolha do director, isto é, mantém intacto um outro absurdo: a simultaneidade de dois processos que se contradizem e anulam, o concursal e o eleitoral (v. aqui).
Não sendo suficiente este absurdo, propõe-se um outro: introduz-se, no n.º 4, do Art.º 21.º, uma alínea cujo espírito é contraditório com o conteúdo de um novo n.º 5, do mesmo Artigo.
Vejamos: na alínea, consagra-se que o Conselho Geral pode admitir qualquer candidato a concurso/eleição, desde que considere, por voto secreto, o seu currículo relevante; no n.º 5, afirma-se que só se admitem candidaturas de quem não seja detentor de habilitação específica para o cargo de director, no caso de não existirem candidatos com a referida habilitação específica ou existam mas de forma «insuficiente». O absurdo compõe-se de três partes:
i) Por um lado, admite-se que qualquer um pode ser candidato, desde que o Conselho Geral ache quem tem currículo relevante;
ii) Por outro lado, afirma-se que só podem ser candidatos os que têm habilitação específica para o cargo. Os outros (e nos outros estão incluídos aqueles que já foram directores, subdirectores, adjuntos de directores, presidentes ou vice-presidentes de conselhos executivos e membros de conselhos directivos) só poderão concorrer no caso de «inexistência» ou de «insuficiência» dos candidatos com habilitação específica;
iii) Finalmente, «inexistência» de candidatos sabemos o que é; suponho, todavia, que seja mais difícil alguém saber o que é «insuficiência» de candidatos. O que conviria saber, atendendo a que os putativos candidatos que não possuam habilitação específica, só poderão ser candidatos efectivos no caso de existência da referida «insuficiência»...
3. A proposta mantém (semi-)intacta a nomeação dos coordenadores de departamento. A forma de nomear passa a ter uma nuance: em lugar de o director nomear um coordenador por departamento, passa a nomear três, para que os colegas escolham um deles. O princípio da nomeação mantém-se, mas agora imbuído de um perfume democrático.
O restante é mais do mesmo e é uma evidente e confrangedora falta de conhecimentos da realidade e de capacidade de conceber e de construir uma escola melhor.