De repente, o país descobriu que precisamos de trabalhar mais horas. Ou melhor: o governo, o PSD, o CDS e as entidades patronais descobriram que trabalhamos poucas horas e que essa é uma das razões porque estamos em crise e porque não saímos dela. Por conseguinte, considera-se uma evidência e uma necessidade acabar com a tolerância de ponto no Carnaval, acabar com quatro feriados, acabar com as pontes entre fins-de-semana e feriados e, até há pouco tempo, considerava-se também uma evidência e uma necessidade ter de se trabalhar mais meia hora por dia (por artes relativamente mágicas, esta última evidência deixou de o ser e a necessidade também deixou de existir).
Este discurso tem, todavia, um problema: a realidade não o confirma; os factos desmentem-no. É verdade que para o governo, para o PSD, para o CDS e para as entidades patronais este problema da realidade desmentir o discurso não passa de uma irrelevância e não constitui o mínimo óbice ao desejo de impor aos portugueses mais horas de trabalho.
Ao governo, ao PSD, ao CDS e às entidade patronais pouco interessa que todos os números divulgados pelas entidade internacionais revelem que os trabalhadores portugueses são dos que mais trabalham na Europa. Segundo a OCDE, por cá, trabalha-se, em média, 32 horas por semana, enquanto, por exemplo, na Finlândia se trabalha 30 horas, na França, 28,24 horas, e na nossa amiga Alemanha a média semanal de horas de trabalho fica-se pelas modestíssimas 25,18 horas.
Toda a gente sabe isto, mas faz-se de conta que não se sabe. Toda a gente também sabe que o nosso problema não está no número de horas de trabalho, mas na produtividade que essas horas de trabalho originam. E se a produtividade em Portugal é baixa, e sem dúvida que o é, ela deve-se em primeiro lugar à incompetente gestão e organização das empresas. São os gestores e os patrões que temos os primeiros responsáveis pela nossa baixa produtividade. É quem organiza, orienta e controla o trabalho que o faz mal, com os consequentes fracos índices de produção. Mas, ao contrário do mundo do futebol — em que, quando a equipa não produz, se despede o treinador e se preservam os jogadores —, no mundo empresarial, despedem-se os trabalhadores e preservam-se os gestores. E acrescenta-se a isto a acusação de que os trabalhadores portugueses são ociosos, ou malandros, se utilizarmos a linguagem carroceira de muitos patrões.
Portugal está em crise, mas a causa primeira desta crise reside na incompetente elite empresarial que temos, a que se junta a incompetente elite política que tem governado e continua a governar o país e a elite financeira que é co-responsável pela dívida gigantesca contraída.
O problema não está nem nunca esteve nas horas de trabalho, e toda a gente sabe isso.