1. Na introdução do designado Guia de Operacionalização de Cursos de Educação e Formação de Adultos, editado pela Agência Nacional para a Qualificação (1.ª edição, Maio de 2009), afirma-se que os pressupostos conceptuais dos Referenciais de Competências-Chave, que serviram de base para a organização dos referenciais da formação do Catálogo Nacional de Qualificação, «impulsionaram a criação de uma oferta formativa que tem sabido valorizar e promover uma cidadania activa, de inclusão social e profissional, (re)criando dinâmicas de intervenção nas comunidades regionais e locais que têm contribuído para a concepção de uma metodologia de trabalho diferente e única no panorama da formação, quer escolar quer profissional» (o sublinhado é meu).
Uma afirmação deste teor teria certamente relevância se tivesse sido escrita por uma equipa de avaliação externa independente, a quem tivessem sido proporcionadas condições de acompanhamento, no terreno, da implementação e do desenvolvimento dos cursos de educação e formação de adultos (cursos EFA). Mas, na verdade, esta afirmação não resulta de um trabalho sério de avaliação externa. Esta afirmação é somente um auto-elogio.
Avaliação externa, de que eu tenha conhecimento, só tivemos aquela que se debruçou sobre a satisfação dos alunos (formandos, na terminologia oficial das Novas Oportunidades), cuja fiabilidade é, na minha opinião, francamente questionável, atendendo ao especialíssimo contexto desta formação (quer quanto à rápida obtenção de resultados que naturalmente satisfez muitos dos interessados, quer quanto à gigantesca máquina de propaganda política que a envolveu e que teve a participação directa e constante dos mais altos responsáveis do Governo de então, em regulares e mediáticas cerimónias de entrega de prémios, em inflamados discursos públicos, etc. etc.). Uma avaliação independente realizada de modo sóbrio, sem espalhafato mediático, dirigida à qualidade da formação ministrada e à qualidade da formação efectivamente adquirida, realizada nas escolas e centros de formação durante um prolongado período de tempo nunca foi realizada.
Por isso, o auto-elogio vale o que vale. Pessoalmente, tenho as mais sérias reservas sobre a factualidade da afirmação. Do meu conhecimento pessoal e do conhecimento partilhado por muitos colegas, não obtive quaisquer dados que se possam considerar próximos do cenário descrito pelo auto-elogio. Mas os meus dados também valem o que valem. O que se exige mesmo é uma avaliação independente e séria sobre o trabalho realizado e os resultados obtidos. Essa avaliação já devia ter sido feita e não se compreende que não o tenha sido.
2. Do ponto de vista conceptual, os cursos EFA, assim como os processos de RVCC, partem de um arquétipo que se pode definir deste modo: «Valorização e validação das aprendizagens adquiridas em diversos contextos, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida» de modo a que «qualquer aprendizagem realizada em contexto formal ou informal, possa ser validada e capitalizável, no respeito pela condução que cada formando faz do seu percurso pessoal de educação e formação.» (in Guia de Operacionalização de Cursos EFA). Eu estou de acordo com este pressuposto. Contudo, o problema não está no princípio da valorização e da validação dessas aprendizagens, o problema está nos três pontos seguintes:
i) Que valorização deve ser dada às aprendizagens adquiridas em diversos contextos?
O problema da valorização destas aprendizagens tem ligado a si o problema do valor que a sociedade atribui ou deve atribuir ao saber e ao saber-fazer (e, já agora, um outro problema anterior a este, que é o da natureza da relação entre um e outro).
ii) Quais são os critérios adequados para a validação dessas aprendizagens?
Este é um problema técnico — particularmente pertinente nos cursos EFA e directamente relacionado com o ponto seguinte.
iii) Conforme estão estruturados, os cursos EFA visam e/ou possibilitam, de facto, uma validação séria e fiável?
Na verdade, uma coisa são os processos de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências), outra são os cursos EFA. Conceptualmente, os segundos podem ser um complemento dos primeiros ou podem ser uma via autónoma. A questão está em saber se, num caso e no outro, os cursos EFA cumprem ou podem cumprir a sua função.
É sobre estes três aspectos que procurarei deixar algumas observações, no texto da próxima semana.