«É sabido que, há já alguns anos, se tende a pôr em discussão a validade da oposição entre direita e esquerda e que no debate sobre a legitimidade da dicotomia estão presentes três posições:
"[...] a primeira é caracterizada pela procura de um critério absoluto de distinção; a segunda considera que, depois das mutações estruturais que caracterizam o mundo contemporâneo, direita e esquerda já não têm sentido; a terceira parte da hipótese, que está em curso, preconiza uma transformação estrutural da dicotomia, devido à qual deixaria de ser possível identificar precisos conteúdos de diferenciação, sendo agora direita e esquerda simplesmente conteúdos extremamente adaptáveis" [Santambrogio 1997, 45].
Por outras palavras, existem há algum tempo três pontos de vista, dois extremos (a distinção entre direita e esquerda é, por si só, sempre válida; no mundo contemporâneo a distinção já não serve) e um intermédio (a dicotomia talvez ainda possa significar alguma coisa, mas o novo significado está em vias de definição, tendo os velhos caracteres constitutivos ficado embaciados).
Negar a distinção, considerá-la obsoleta, própria de um tempo que passou, ir "para além dela" significa, entre outras coisas, dar vida a uma operação que não é neutra, não é destituída de valores nem de efeitos.
"Ao declarar esquerda e direita categorias superadas, obsoletas, ideológicas, oitocentistas, ingénuas, [o cepticismo conservador] avança sub-repticiamente a pretensão de que o mundo tal como é constitui ainda o melhor dos mundos possíveis e candidata-se de imediato a único interprete autorizado da instância realista, a único representante de uma racionalidade desencantada. Com uma vantagem psicológica evidente: que depois da indigestão de mitos o apelo do desencanto é irresistível e ninguém parece estar disposto a apostar um cêntimo na mesa da utopia (ou de qualquer projecto que possa passar por tal)" [Flores d'Arcais 1982, 53].»
Franco Cazzola, O Que Resta da Esquerda?, Cavalo de Ferro