quarta-feira, 3 de abril de 2013

A propósito de uma moção de censura e da alternativa

Sabemos que a moção de censura do PS não foi apresentada para o governo cair de imediato. Foi apresentada para marcar uma ruptura definitiva (ou, talvez melhor dito, um distanciamento mais acentuado) entre o maior partido da oposição e o executivo PSD/CDS. Uma outra razão que também conduziu à apresentação desta moção de censura está directamente relacionada com o número cada vez maior de indícios que apontam para o surgimento de uma crise política. Este governo é cansativamente incompetente e acumula essa incompetência com falta de legitimidade para prosseguir a política que tem levado a cabo, nos dois anos que leva de vida.
A questão que agora se coloca é a questão da alternativa.
As movimentações, inicialmente nos bastidores e agora a céu aberto, que se desenvolvem dentro do PS indiciam o pior. Refiro-me concretamente às movimentações dos correligionários de Sócrates, no sentido do branqueamento da imagem e da acção do seu ex-líder e no sentido da tomada de posições e de lugares estratégicos, por exemplo: nos órgãos de comunicação social, cuja rede de influências foi paulatinamente construída durante os seis anos de governação socialista. E que perdura. 
A falta de pudor político de Sócrates e dos seus seguidores, a manifesta incapacidade de Seguro para lhes barrar o caminho, a falta de memória dos portugueses e a aparente não incomodidade do BE e do PCP pelo regresso à ribalta dessa desgraçada ala do PS podem conduzir à ilusão de que é possível organizar uma alternativa com esse pessoal político. 
A ética política deveria só por si impedir que tal hipótese se colocasse. Sócrates e os seus prosélitos foram os protagonistas que, do ponto de vista da ética republicana, levaram o exercício da política ao nível mais baixo a que pudemos assistir nas últimas décadas. Nunca, desde o 25 de Abril, existiu um grupo de gente como este, que fez da arrogância, da hipocrisia, do conluio e da mentira as suas principais armas políticas. Uma qualquer aliança com este grupo deveria ser, pois, impensável.
Contudo, a impossibilidade dessa aliança deveria ter igualmente como fundamento as concepções e a prática política dos socratistas. Filhos ideológicos de uma incongruente terceira via, foram eles que lançaram as bases e construíram os alicerces para as políticas que o actual governo desenvolve. Entre os socratistas e o PSD a diferença está no grau de aprofundamento das políticas, não está na direcção que essas políticas seguem. Na política educativa, na política da saúde, na política agrícola, no código do trabalho, na Função Pública, na Segurança Social as diferenças entre as ideias dos socratistas e as do PSD está nos pormenores e no maior ou menor grau de liberalização. No essencial há acordo. A assinatura tripartida do memorando da troika é o exemplo mais recente deste acordo de fundo. A preservação intacta, por parte deste Governo, dos pilares do sistema educativo deixados pelos socratistas é outro exemplo. E o mesmo se passa na saúde, na agricultura e em muitos outros domínios.
A esquerda vai mal, se aceitar a possibilidade de incorporar na eventual construção de uma alternativa política pós Passos Coelho aqueles que rodearam e sustentaram Sócrates e as suas políticas durante seis longos anos.