«Alto, com uma bela figura, rosto pensativo e fino de longos bigodes loiros, de olhar azul desencantado, de uma delicadeza refinada, um conversador como nunca tínhamos ouvido, era aos olhos da minha família, que o citava sempre como exemplo, o tipo de homem de escol, que encarava a vida da maneira mais nobre e mais delicada. A minha avó só lhe censurava o falar um pouco bem de mais, um pouco como um livro, o não ter na sua linguagem a naturalidade que existia nos seus laços lavallière sempre flutuantes, no seu jaquetão direito, quase de estudante. Também se espantava com as tiradas inflamadas em que ele muitas vezes se lançava contra a aristocracia, a vida mundana, o snobismo, "certamente o pecado em que São Paulo está a pensar quando fala do pecado para o qual não há remissão".
A ambição mundana era um sentimento que a minha avó era tão incapaz de sentir e quase de compreender que lhe parecia bem inútil pôr tanto ardor em aviltá-la. Para mais, não achava de muito gosto que o senhor Legrandin, cuja irmã estava casada perto de Balbec com um fidalgo da Baixa Normandia, se entregasse a ataques tão violentos contra os nobres, indo ao ponto de censurar a Revolução por não os ter guilhotinado a todos.»
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido — Do lado de Swann, Relógio D'Água.