«A governação continuava a consolidar o "homem" e o "líder", ao mesmo tempo que cristalizava alguns ódios de estimação. Nunca os sindicatos foram tão perseguidos e atacados, nunca a oposição foi tão menorizada, nunca o autismo e a arrogância políticas foram tão evidentes. E mais, nunca os direitos individuais e adquiridos ao longo das três décadas de Democracia foram tão atacados, e nalguns casos espezinhados.
Sob uma batuta implacável, e por que não dizer de acordo com os seus princípios, a maioria não perdeu um segundo e entrou a matar. Em diversos sectores de actividade, desde muito cedo se começou a perceber uma enorme hostilidade, uma espécie de acerto de contas com o passado. Não surpreendeu. José Sócrates é assim. Quando está numa posição de força, gosta de esmagar. Por sua vez, quando existe um equilíbrio de forças, então prefere a negociação. Por último, quando está em posição de desvantagem, então até é capaz de falar num tom de voz razoável e mudar de imagem. Esta versatilidade está bem patente nos dias que correm, dando a exacta dimensão do seu sentido de Estado. [...]
Com pressa de mostrar trabalho, sempre com pressa para mostrar que era capaz de fazer mais e num espaço de tempo menor, foi afrontando, um a um, os que o tinham incomodado ou que ainda o poderiam incomodar. Manifestamente, quem se atravessava no caminho da sua 'obra', virou um potencial inimigo, a quem era preciso mostrar permanentemente, quem mandava. Como se ampla legitimidade de uma maioria permitisse vergar cada um dos críticos, a bem ou a mal. Foi assim com as associações, sindicatos, professores, médicos, jornalistas e até com juízes, classificados como castas privilegiadas e absentistas, resistentes à modernidade.
Este estado de êxtase foi a melhor prova de que não estava preparado para tão altas funções, nem para o amplo poder que um primeiro-ministro tem em Portugal. Ao longo de quatro anos de governação, e a pretexto de reformas vitais para o país, foi tentando esmagar quem, por natureza e actividade, é menos sensível ao arbítrio e prepotência. A perseguição política foi evidente. [...]
Este estilo aparentemente musculado, e que inicialmente caiu bem na generalidade da população, fez um caminho surpreendente em 2005 e 2006. Aliado a uma propaganda eficaz, digna de um grupo operacional com uma organização de tipo militar, foi marcando presença no terreno mediático, ganhando a imagem de um decisor que corta a direito.
Com os dois principais partidos à direita consumidos por lutas internas [...] passeou o seu projecto sem qualquer travão. Numa espécie de visão aristotélica do poder, em que os governantes iluminados tratam da 'coisa' pública, enquanto os outros obedecem, o "homem" e o "líder" convenceram-se que tudo lhes seria permitido, até a exibição dos seus maus fígados. Nada os perturbava. Nem as queixas cada vez mais presentes por causa de uma reestruturação incompetente e desumana na Saúde, nem os protestos de professores e alunos, nem tão pouco o caos que se instalara na justiça.
Indiferente a qualquer assunto terreno, os ventos continuaram a sorrir no início de 2006. A aproximação da eleição do presidente da República, que se realizou em 22 de Janeiro de 2006, retirou-lhe algum protagonismo imediato, mas desde logo conseguiu recuperar a iniciativa, ao conceder o apoio oficial do PS a Mário Soares [...].
A este propósito, não resisto a contar uma situação que presenciei no último comício da campanha presidencial de Mário Soares, na FIL, em Lisboa. O discurso foi longo e vigoroso, mas não foi suficiente para incendiar uma casa cheia conhecedora das sondagens desfavoráveis em relação ao candidato. E até não faltaram os 'barões' socialistas, entre os quais o primeiro-ministro e secretário-geral do PS, que estiveram presentes e ocuparam o palco no final do discurso. Mas no último minuto, quando Mário Soares avançou para agradecer o apoio da multidão, José Sócrates deu um passo atrás, deixando sozinho o velho político, antecipadamente ferido no seu orgulho.»
Sob uma batuta implacável, e por que não dizer de acordo com os seus princípios, a maioria não perdeu um segundo e entrou a matar. Em diversos sectores de actividade, desde muito cedo se começou a perceber uma enorme hostilidade, uma espécie de acerto de contas com o passado. Não surpreendeu. José Sócrates é assim. Quando está numa posição de força, gosta de esmagar. Por sua vez, quando existe um equilíbrio de forças, então prefere a negociação. Por último, quando está em posição de desvantagem, então até é capaz de falar num tom de voz razoável e mudar de imagem. Esta versatilidade está bem patente nos dias que correm, dando a exacta dimensão do seu sentido de Estado. [...]
Com pressa de mostrar trabalho, sempre com pressa para mostrar que era capaz de fazer mais e num espaço de tempo menor, foi afrontando, um a um, os que o tinham incomodado ou que ainda o poderiam incomodar. Manifestamente, quem se atravessava no caminho da sua 'obra', virou um potencial inimigo, a quem era preciso mostrar permanentemente, quem mandava. Como se ampla legitimidade de uma maioria permitisse vergar cada um dos críticos, a bem ou a mal. Foi assim com as associações, sindicatos, professores, médicos, jornalistas e até com juízes, classificados como castas privilegiadas e absentistas, resistentes à modernidade.
Este estado de êxtase foi a melhor prova de que não estava preparado para tão altas funções, nem para o amplo poder que um primeiro-ministro tem em Portugal. Ao longo de quatro anos de governação, e a pretexto de reformas vitais para o país, foi tentando esmagar quem, por natureza e actividade, é menos sensível ao arbítrio e prepotência. A perseguição política foi evidente. [...]
Este estilo aparentemente musculado, e que inicialmente caiu bem na generalidade da população, fez um caminho surpreendente em 2005 e 2006. Aliado a uma propaganda eficaz, digna de um grupo operacional com uma organização de tipo militar, foi marcando presença no terreno mediático, ganhando a imagem de um decisor que corta a direito.
Com os dois principais partidos à direita consumidos por lutas internas [...] passeou o seu projecto sem qualquer travão. Numa espécie de visão aristotélica do poder, em que os governantes iluminados tratam da 'coisa' pública, enquanto os outros obedecem, o "homem" e o "líder" convenceram-se que tudo lhes seria permitido, até a exibição dos seus maus fígados. Nada os perturbava. Nem as queixas cada vez mais presentes por causa de uma reestruturação incompetente e desumana na Saúde, nem os protestos de professores e alunos, nem tão pouco o caos que se instalara na justiça.
Indiferente a qualquer assunto terreno, os ventos continuaram a sorrir no início de 2006. A aproximação da eleição do presidente da República, que se realizou em 22 de Janeiro de 2006, retirou-lhe algum protagonismo imediato, mas desde logo conseguiu recuperar a iniciativa, ao conceder o apoio oficial do PS a Mário Soares [...].
A este propósito, não resisto a contar uma situação que presenciei no último comício da campanha presidencial de Mário Soares, na FIL, em Lisboa. O discurso foi longo e vigoroso, mas não foi suficiente para incendiar uma casa cheia conhecedora das sondagens desfavoráveis em relação ao candidato. E até não faltaram os 'barões' socialistas, entre os quais o primeiro-ministro e secretário-geral do PS, que estiveram presentes e ocuparam o palco no final do discurso. Mas no último minuto, quando Mário Soares avançou para agradecer o apoio da multidão, José Sócrates deu um passo atrás, deixando sozinho o velho político, antecipadamente ferido no seu orgulho.»
Rui Costa Pinto, José Sócrates - o Homem e o Líder, Exclusivo Edições, pp. 121-124.