Alfabeto do Mundo
Em vão me demoro a soletrar
o alfabeto do mundo.
Leio nas pedras um escuro soluço,
ecos afogados em torres e edifícios,
indago a terra com o tacto
cheia de rios, de paisagens e cores,
mas engano-me sempre a copiá-los.
Preciso de escrever cingindo-me a um risco
sobre o livro do horizonte.
Desenhar o milagre desses dias
que flutuam envoltos na luz
e se desprendem em cantos de pássaros.
Quando na rua os homens que vagueiam
do seu rancor à sua fadiga, matutando,
se me revelam inocentes mais que nunca.
Quando o batoteiro, a adúltera, o malandro,
os mártires do ouro ou do amor
são só signos que nunca li bem,
que ainda não consigo anotar em meu caderno.
Quanto eu queria ao menos um instante
que esta página febril de poesia
gravasse em sua transparência cada letra:
o o do ladrão o t do santo,
o gótico ditongo do corpo e seu desejo,
com a mesma escrita do mar nos areais,
a mesma cósmica piedade
que a vida desdobra ante meus olhos.
Eugenio Montejo
(Trad.: José Bento)