Os graves problemas de que este modelo de avaliação enferma são de diversa natureza, como, semanalmente, tenho procurado apresentar.
Um desses problemas, que origina a maior perplexidade, reside na objectiva ausência de um critério comum na elaboração dos documentos, de modo a garanti-lhes unidade conceptual e formal. Já escrevi num post anterior que é legítima a suspeita de que os autores das diferentes partes destes textos reuniram poucas vezes, ou nem sequer chegaram a reunir. Não se compreende, por exemplo, que, em relação aos descritores, o critério de diferenciação dos níveis a que cada descritor pertence se altere de uma dimensão para outra ou que se altere dentro da própria dimensão. Isto é, em alguns casos, o critério para distinguir descritores (de modo a serem inseridos nos diferentes níveis — «Excelente», «Muito Bom», «Bom», etc.) é manter o verbo e alterar ou suprimir o advérbio, noutros casos, inexplicavelmente, é o verbo que é alterado e já nem ao advérbio se presta atenção.
Das duas uma: se o verbo que se altera deve ser entendido como sinónimo do verbo padrão, com o qual se compara, não se justifica a sua alteração, se não é sinónimo, o resultado dessa alteração é contraproducente, porque o que daí se obtém é apenas ruído. Ou seja, obtém-se um elemento dissonante, que obriga a mais um esforço interpretativo do qual resulta mais uma dúvida, mais uma incerteza, em suma, mais um «berbicacho» a somar a todos os outros.
Vejamos um exemplo, e com isto inicío um breve escrutínio à terceira dimensão: «Participação na Escola e Relação com a Comunidade Educativa».
O primeiro descritor do nível Excelente enuncia: «O docente envolve-se activamente na concepção, desenvolvimento e avaliação dos documentos institucionais e orientadores da vida da escola.» Por sua vez, o descritor do nível «Muito Bom» enuncia: «O docente colabora na concepção, desenvolvimento e avaliação dos documentos institucionais e orientadores da vida da escola.»
O que distingue o nível «Excelente» do «Muito Bom» é: o primeiro «envolve-se activamente» e o segundo «colabora».
O que distingue o nível «Excelente» do «Muito Bom» é: o primeiro «envolve-se activamente» e o segundo «colabora».
À primeira vista, esta alteração do verbo parece facilitadora do trabalho de quem avalia, todavia, se atentarmos um pouco nas consequências dessa alteração a conclusão é diferente. Como estas avaliações não podem ser da ordem do «palpite» ou do «parece que» ou do «olha que simpático que ele é e, por isso, vou dar-lhe boa nota», o avaliador tem obrigação de saber o que está a fazer e o avaliado tem o direito de saber os critérios segundo os quais vai ser avaliado.
Assim, ambos, relator e avaliado, têm, neste caso, de se interrogar sobre o significado, em termos comportamentais, da alteração do verbo: «Colaborar» quer dizer o quê? «Colaborar» deve ser entendido como um «envolvimento» não activo? O professor que colabora é aquele que se envolve, mas de modo não activo? A ser assim, teríamos de concluir que uma «colaboração activa» seria o mesmo que um «envolvimento activo». Mas, se assim fosse, não tinha tido qualquer sentido a opção de alterar o verbo «envolver» pelo verbo «colaborar»? E a alteração do verbo não foi certamente arbitrária, feita à toa, deve ter alguma razão substantiva que a sustente.
Deste modo, temos de assentar que «colaborar» não pode ser entendido como um sinónimo de «envolvimento» não activo. Mas se não é sinónimo, a que comportamento, então, o acto de «colaborar» se reporta? Reporta-se a uma «cooperação sem envolvência»? Provavelmente sim, não vejo outra possibilidade. Mas é possível uma «cooperação sem envolvência»? Vamos admitir que sim. E será que é possível observar e avaliar com fiabilidade essa filigrana que é a fronteira entre uma «cooperação envolvente» e uma «cooperação não envolvente»? Vamos, também, admitir que sim.
Mas isto tem uma consequência: admitir que «colaborar» significa «cooperar sem envolvência», implica que estamos perante três graduações comportamentais — «envolvimento activo», «envolvimento não activo» e «colaboração» — quando só existem dois níveis que se reportam a este comportamento (pois o nível «Bom» já não fala em «envolvência» nem em «colaboração», fala apenas em «conhecimento»). Ficamos, então, com um problema nas mãos: em que nível colocamos um professor que se «envolva», sem ser activamente? Não pode ser no nível «Muito Bom» porque esse é, como vimos, para os professores que «cooperam sem envolvência»; e não pode ser no nível «Excelente» porque esse é para os professores que se «envolvem activamente». Teríamos de o colocar num nível intermédio, entre o «Excelente» e o «Muito Bom». Ora, esse nível não existe, e seria absurdo se existisse.
Deste modo, temos de assentar que «colaborar» não pode ser entendido como um sinónimo de «envolvimento» não activo. Mas se não é sinónimo, a que comportamento, então, o acto de «colaborar» se reporta? Reporta-se a uma «cooperação sem envolvência»? Provavelmente sim, não vejo outra possibilidade. Mas é possível uma «cooperação sem envolvência»? Vamos admitir que sim. E será que é possível observar e avaliar com fiabilidade essa filigrana que é a fronteira entre uma «cooperação envolvente» e uma «cooperação não envolvente»? Vamos, também, admitir que sim.
Mas isto tem uma consequência: admitir que «colaborar» significa «cooperar sem envolvência», implica que estamos perante três graduações comportamentais — «envolvimento activo», «envolvimento não activo» e «colaboração» — quando só existem dois níveis que se reportam a este comportamento (pois o nível «Bom» já não fala em «envolvência» nem em «colaboração», fala apenas em «conhecimento»). Ficamos, então, com um problema nas mãos: em que nível colocamos um professor que se «envolva», sem ser activamente? Não pode ser no nível «Muito Bom» porque esse é, como vimos, para os professores que «cooperam sem envolvência»; e não pode ser no nível «Excelente» porque esse é para os professores que se «envolvem activamente». Teríamos de o colocar num nível intermédio, entre o «Excelente» e o «Muito Bom». Ora, esse nível não existe, e seria absurdo se existisse.
O que é que tudo isto revela?
Revela que, respeitando a lógica interna deste modelo, somos inevitavelmente confrontados com incongruências atrás de incongruências e com um mundo labiríntico do qual não se encontra saída.
Revela que não pode ser este o caminho, que teimosa e estupidamente, tem sido seguido para se construir um modelo de avaliação do desempenho docente.
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8
. Requerimento do Dep. C.S.H. da Escola Secundária de Amora
Ligações a posts relacionados com a ADD:
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 9
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 10
. Sub-repticiamente . Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 10
. Requerimento do Dep. C.S.H. da Escola Secundária de Amora