Ainda sobre o segundo descritor do nível «Excelente», da segunda dimensão: «Desenvolvimento do ensino e da aprendizagem». Recordemos o conteúdo desse descritor: «[O professor] planifica com rigor, integrando de forma coerente e inovadora propostas de actividades, meios, recursos e tipos de avaliação das aprendizagens.»
Na semana passada, analisámos a expressão «planifica com rigor», hoje tentarei deixar uma nota sobre o conceito «inovador», presente na restante parte do enunciado, e a importância subjacente que lhe é atribuído.
Há o pressuposto, mais ou menos difundido, de que um professor «excelente» tem de ser um professor «inovador». Este pressuposto é evidente em todo o articulado do modelo de avaliação e em algumas teorizações pedagógicas. Proponho que se submeta a escrutínio este pressuposto.
Considerar que «ser inovador» é uma condição necessária para ser um professor «excelente» deriva do postulado que considera a «inovação» como o estádio de desenvolvimento mais elevado de qualquer actividade. Criar, inventar, fazer diferente tornaram-se termos de elevada consideração social que, de diferentes modos, expressam verbalmente o conceito «inovação». A «inovação» passou a ser, para muitos, um fim em si mesmo, porque, supostamente, é uma coisa boa em si mesma. Sendo uma coisa boa em si mesma deveria ser generalizada a todos os ramos de actividade e a todas as situações, incluindo, naturalmente, o ensino.
Ora o problema reside aqui: a inovação não é um fim em si mesmo. A «inovação», a ser alguma coisa, é sempre um meio, não é um fim. Pode ser um meio de resolver problemas, pode ser um meio de satisfazer ou de criar necessidades ou pode ser um meio de proporcionar prazer. Excluindo esta última vertente estética, a inovação está directamente ligada, como meio, à resolução de problemas/satisfação de necessidades (inerentes, por exemplo, à produção de conhecimentos ou de materiais) ou à criação de necessidades e à consequente venda de produtos (inerentes, por exemplo, ao comércio e ao marketing).
Todavia, em contexto pedagógico, a questão adquire ainda contornos mais particulares, porque o professor nada vende, nada fabrica e os problemas que resolve são problemas de ensino-aprendizagem — problemas de natureza completamente diversa dos problemas da ciência, da indústria, do comércio ou do marketing. Por isso, para o professor, a «inovação» pode não ser sequer um meio. Os problemas pedagógicos, pela sua natureza específica, não podem nem devem ter como forma superior de resolução a «inovação» (ao contrário do que acontece com outras actividades que só pela inovação podem resolver os seus problemas). Pelo contrário, em pedagogia, não só não têm que ser resolvidos de modo «inovador» como, em muitos casos, não devem ser resolvidos de modo inovador. Devem ser resolvidos de modo adequado a cada aluno, e esse modo adequado pode não ter nada de inovador. Assim, um professor «excelente» não deve andar à procura da «inovação», deve andar, sim, à procura da adequação. A «inovação» poderá resultar da procura da adequação, não o contrário. A inovação, a surgir, virá sempre por acréscimo, como adjacência, não mais do que isso. Lamentavelmente, já todos nós tropeçámos com colegas «altamente inovadores» em estratégias e, em simultâneo, «altamente incompetentes» em tudo o resto. E não esqueçamos: quem sempre paga essas «inovações» são os alunos.
A «inovação» não é, pois, um fim e, em pedagogia, na maioria dos casos, como vimos, não é sequer um meio. Por isso, não deve constar dos padrões do desempenho docente e, consequentemente, não deve constar do conteúdo de um descritor. Uma determinada estratégia ou actividade pode ser muito inovadora e revelar-se, do ponto de vista pedagógico (isto é, do ponto de vista da adequação às necessidades do aluno, para atingir determinado objectivo) um verdadeiro desastre.
Deste modo, a institucionalização da «inovação» como patamar superior do desempenho de um professor, para além de ser uma importação injustificada de outros domínios, revela-se perniciosa, enquanto elemento modelador do exercício da docência, e inaceitável, do ponto de vista avaliativo.
Ligações a posts anteriores relativos a este assunto:
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8
. Sub-repticiamente
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