O problema do desemprego da sra. morte e outras considerações
Entre as questões mais práticas suscitadas pela possibilidade realista de imortalidade estão as considerações morais da ética ambiental, uma subdivisão recente da ética aplicada. A pergunta mais premente: Onde raio vamos meter todos estes imortais? Num mundo já pressionado por recursos escassos para uma população em crescimento, que faremos quando o nosso estabilizador básico da população — a Morte — pendurar a foice?
A solução óbvia é cortar na outra extremidade — reduzir ou até acabar com a produção de novos corpos a fim de arranjar espaço para corpos muito velhos. [...]
O judaísmo reformista ataca a solução de imortalidade sem reprodução [da seguinte] forma (numa meditação comovente do serviço fúnebre Yom Kippur — Dia da Expiação):
"Se algum mensageiro nos abordasse com a proposta de a morte ser anulada com a condição inseparável de o nascimento também cessar; se a geração existente tivesse a oportunidade de viver eternamente mas com plena consciência de que nunca mais haveria uma criança, ou um adolescente, ou um primeiro amor, nunca mais pessoas novas com esperanças novas, novas ideias, novos empreendimentos, nós para sempre e nunca outros — poderia a resposta suscitar dúvidas?"
Claro que mesmo que mesmo que a perspectiva de imortalidade biológica fosse inteiramente realista, a perspectiva de que estaria à disposição de todos sem excepção é totalmente improvável. A maioria da população mundial não tem poder económico para pagar cuidados médicos básicos, por isso a possibilidade de haver nanorrobôs de "busca e reparação" para quem pedir é bastante incredível. A maior probabilidade é que a terapia de nanorrobôs ou a telomerase estejam reservadas para homens como Warren Buffet, Bill Gates e Tiger Woods, homens que podem dar-se ao luxo de financiar um passatempo dispendioso como a Existência Eterna.
Se isto parece patentemente injusto é porque notoriamente o é. Confere ao conceito de "sobrevivência dos mais fortes" um significado inteiramente novo — sobrevivência eterna dos mais fortes. [...]
[Mas] digamos que temos nanorrobôs a reparar atarefadamente todas as partes decadentes do nosso genoma para que a doença e o desgaste normal deixem de ter como desfecho o Grande Sono. Mesmo assim, esses pequenos robôs atarefados têm os seus limites; não servirão para nada se formos obliterados por um piano de cauda que caiu de um prédio ou se apanharmos boleia com Thelma e Louise na sua viagem para o Grand Canyon. A partir de então só morreremos se ocorrer uma catástrofe desse género. Em que medida é que isto afectará a nossa maneira de pensar? A questão deixa de ser se vamos morrer agora ou mais tarde; passa a ser se vamos morrer. Poderemos dizer que as probabilidades se limitaram a aumentar — a aumentar muito. Nesse novo contexto, não estaremos propensos a [tentar] viver vidas que sejam totalmente desprovidas de risco — por exemplo, enclausurados numa caixa à prova de bomba enterrada no solo?
Thomas Cathcart, Daniel Klein, Heidegger e um Hipopótamo Chegam às Portas do Paraíso, pp.217-220 (adaptado).