quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Às quartas

POEMA BARROCO

Os cavalos da aurora derrubando pianos
Avançam furiosamente pelas portas da noite.
Dormem na penumbra antigos santos com os pés feridos,
Dormem relógios e cristais de outro tempo, esqueletos de atrizes.

O poeta calça nuvens ornadas de cabeças gregas
E ajoelha-se ante a imagem da Nossa Senhora das Vitórias
Enquanto os primeiros ruídos de carrocinhas de leiteiros
Atravessam o céu de açucenas e bronze.

Preciso conhecer meu sistema de artérias
E saber até que ponto me sinto limitado
Pelos sonhos a galope, pelas últimas notícias de massacres,
Pelo caminhar das constelações, pela coreografia dos pássaros,
Pelo labirinto da esperança, pela respiração das plantas,
E pelos vagidos da criança recém-parida na Maternidade.

Preciso conhecer os porões da minha miséria,
Tocar fogo nas ervas que crescem pelo corpo acima,
Ameaçando tapar meus olhos, meus ouvidos,
E amordaçar a indefesa e nua castidade.

É então que viro a bela imagem azul-vermelha:
Apresentando-me o outro lado coberto de punhais,
Nossa Senhora das Derrotas, coroada de goivos,
Aponta seu coração e também pede auxílio.

Murilo Mendes