sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 11

À medida que nos vamos detendo com razoável atenção no conteúdo deste modelo de avaliação, verificamos que estamos perante uma inesgotável nascente de surpresas e de perplexidades.
A primeira parte do quarto descritor do nível «Bom», da dimensão «Desenvolvimento do ensino e da Aprendizagem», enuncia: «[O professor] procura adequar as estratégias de ensino às necessidades dos alunos [...]»
«Procurar adequar as estratégias» significa que o professor tenta implementar estratégias adequadas, o que comporta, evidentemente, a possibilidade de não conseguir implementar essas estratégias adequadas. O professor procura, mas, por qualquer razão, pode não conseguir. Apesar disso, o professor deve ser classificado, neste item, com o nível «Bom».
Agora, vamos ler a primeira parte do descritor correspondente, mas relativo a um nível abaixo, o nível «Regular», que, recorde-se, equivale a uma classificação negativa. Esse descritor diz: «[O professor] implementa estratégias de ensino nem sempre adequadas às necessidades dos alunos [...]» 
«Nem sempre», neste contexto, significa: umas vezes sim, outras vezes não. Isto é, este professor às vezes implementa estratégias adequadas às necessidades dos alunos, outras vezes não. Segundo o nível do descritor, o professor que assim proceda obtém uma classificação negativa. 
A perplexidade é óbvia: um professor que efectivamente implemente estratégias de ensino adequadas, ainda que nem sempre o faça, é penalizado e classificado como «Regular»; e um professor que apenas procure implementar estratégias adequadas, mesmo que não o consiga, é classificado de «Bom».
É claro que isto não tem qualquer sustentação, nem para os próprios autores deste disparate. O que isto revela é o modo irreflectido e irresponsável como este sistema de avaliação foi elaborado. É espantoso como um documento que deveria ter sido pensado e trabalhado com o máximo de atenção, com o máximo de ponderação e cuidado foi redigido sem rigor conceptual, sem escrúpulo e sem a mínima consideração por aqueles a quem este documento era dirigido: os professores.
Prosseguindo. A primeira parte do sexto descritor dos níveis «Excelente» e «Muito Bom» refere: «[O professor] concebe e implementa estratégias de avaliação diversificadas e rigorosas». O descritor do nível «Bom» diz: «[O professor] implementa estratégias de avaliação adequadas».
Passando ao lado da diferenciação bizantina entre um professor que concebe e implementa e outro que só implementa (como se, relativamente a estratégias de avaliação, se pudesse implementar sem conceber. A não ser que se esteja a falar de um imaginado mundo etéreo de superlativas e geniais concepções estratégicas de avaliação...), daqui conclui-se que:
1. Para os autores destes documentos, o top das estratégias de avaliação configura-se na diversidade e no rigor, mesmo que não sejam adequadas. Porque a adequação pertence apenas ao nível imediatamente inferior. Quer dizer que, segundo os autores, a diversidade e o rigor são bons em si mesmos, valem por si próprios, independentemente de serem adequados. Todavia, se não são adequados, são bons porquê e em quê?
2. A adequação, exigida no nível «Bom», não implica diversidade nem rigor. O descritor deste nível prevê a existência de estratégias de avaliação adequadas sem qualquer menção à diversidade e ao rigor. Sendo assim, se há estratégias de avaliação adequadas sem serem diversas nem rigorosas, para que serve, então, a diversidade e o rigor nas estratégias de avaliação?
No nível «Regular», a primeira parte do descritor passa a ser assim: [O professor] utiliza processos pouco diversificados de avaliação.» Comparativamente com os descritores anteriores, decorre daqui que o professor,  é classificado de «Regular» apenas porque as sua estratégias não são diversificadas, e não porque as suas estratégias sejam  inadequadas. O descritor não diz: o professor utiliza processos pouco adequados. Diz, somente: utiliza processos pouco diversificados. Assim, de modo incongruente, determina-se que as estratégias podem ser adequadas, mas, se não forem diversificadas, o professor deverá ser penalizado.

A confusão conceptual que o conteúdo deste modelo de avaliação revela é muito grave. Este facto, só por si, deveria constituir condição suficiente para que estes documentos não pudessem manter-se por mais tempo como letra de lei. Mas a seriedade política é algo que, há muito, deixou de existir, nas nossas elites.
Para a semana, iniciarei as observações sobre a terceira dimensão: «Participação na escola e relação com a comunidade educativa.»

Ligações a posts anteriores relativos a este assunto:
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
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