O instalado debate sobre a justeza ou não justeza do Acordo assinado por alguns sindicatos com o ME tem estado centrado, sobretudo, em contas de somar e de subtrair e na tentativa de apuramento do respectivo saldo. Não digo isto em tom irónico nem para menorizar essa discussão. Penso, todavia, que esse debate não é o mais importante, e penso isso por duas razões:
1. Este género de balanço entre o deve e o haver permite sempre múltiplas conclusões moldáveis aos pressupostos de que se parte. Permite, por exemplo, que o termo de comparação seja aquele que mais convém: já li que o conteúdo do Acordo deve ser comparado com a situação que Maria de Lurdes Rodrigues deixou, e que não deve ser comparado com a situação existente antes de Maria de Lurdes Rodrigues. É claro que se a lógica argumentativa for esta teremos sempre de concluir que o medíocre, por mais medíocre que seja, se transforma em bom, se comparado com o mau ou com o péssimo. Se a lógica for esta, percebe-se, então, a satisfação de alguns, pois como o que existia era o pior possível, a «vitória» era garantida, por mais medíocre que fosse o resultado alcançado ou a alcançar;
2. Mas, na minha opinião, a razão determinante porque não devemos ficar centrados na contabilidade é esta: o que estava em jogo era demasiado grande, era demasiado importante para poder ser reduzido a saldos de somas e de subtracções ou para poder ser reduzido a comparações esdrúxulas.
O que estava, verdadeiramente, em jogo era a dignidade de uma classe profissional, era a dignidade de milhares de profissionais. Que ou era recuperada ou não era recuperada. A dignidade profissional não é susceptível de ser trinta por cento recuperada ou dois terços ou quatro quintos recuperada. Ou a recuperamos por inteiro ou não a recuperamos.
Os professores foram, durante quatro anos, objecto de enxovalho público intencional. Nenhuma profissão, até hoje, em Portugal, tinha sido alvo directo de um ataque tão desvairado à sua dignidade profissional, como foi a dos professores. Nenhuma profissão, até hoje, em Portugal, tinha ficado à mercê da mais absoluta incompetência técnica e política de que há memória na governação portuguesa. Os professores foram cobaias de um incontido aventureirismo e da total irresponsabilidade de políticos que assumiram funções sem terem a mínima preparação para as assumir.
Usufruindo da inimputabilidade exclusiva dos políticos e dos loucos, o Governo anterior quis, por um lado, desqualificar, junto da opinião pública, os docentes portugueses e, por outro lado, dividir os professores para melhor os dominar. Para isto, socorreu-se de todas as armas que tinha à disposição e:
a) Criou um estúpida, inútil e arbitrária divisão da carreira. E apesar do monumental protesto que originou e apesar de unanimemente se reconhecer quer a estupidez e a inutilidade da iniciativa, quer a arbitrariedade com que o processo de divisão foi realizado - virando do avesso o escalonamento e a vida profissional de muitos colegas -, a responsável da pasta da Educação, o primeiro-ministro e os deputados do seu partido, possuídos de uma arrogância desmedida, fizeram questão de levar a barbárie até ao fim;
b) Criou um péssimo modelo de avaliação. Provavelmente o pior modelo de avaliação que o chamado mundo civilizado conheceu. Nenhum país da Europa tem algo igual ou aparentado. Um modelo monstruoso e inexequível, numa palavra: um modelo incompetente. Só mentes simultaneamente ignorantes e delirantes poderiam produzir tamanha enormidade. E apesar da gigantesca oposição que gerou, a responsável da Educação, o primeiro-ministro e os deputados do seu partido, possuídos de uma arrogância desmedida, fizeram questão de levar a barbárie até ao fim;
c) Criou um Estatuto da Carreira Docente e um modelo de gestão vergonhosos e inaceitáveis, que tinham como principal objectivo a proletarização dos professores e a sua domesticação.
Fruto de uma ideologia feita de dogmas e de uma confrangedora pobreza doutrinária, a noção de Escola dos governos do PS tem como mito inspirador a empresa, à qual se amalgamam, de modo desconexo, conceitos politicamente correctos e pretensamente democráticos, para «inglês ver», como é o caso da criação de um órgão (Conselho Geral) onde se introduz, a monte, as mais variadas gentes vindas das mais variadas procedências: autarquias, empresas, clubes recreativos e tudo o mais que os vários compadrios, dos partidários aos pessoais, possam permitir.
Da conjugação destes três factores resultaram as piores consequências a diferentes níveis:
- a nível do ambiente que se vive entre colegas;
- a nível da auto-estima profissional;
- a nível da motivação;
- a nível da confiança e a nível das expectativas, quanto ao futuro;
- etc., etc., etc.
A culminar a desastrosa situação a que se chegou, tivemos o encerramento do ignominioso primeiro ciclo de avaliação. E, como era de esperar, os resultados não deixam margem para dúvidas: professores sempre tidos pelos colegas e pelos alunos como medianos, ou mesmo medíocres, foram classificados como Excelentes ou Muito Bons; avaliadores, objectivamente impreparados para as funções, distribuíram, alegre e inconscientemente, uns, ou coagidos, outros, classificações mal fundamentadas que vão determinar as futuras vidas profissionais dos seus colegas; directores que, apesar de só terem tomado posse no final do ano lectivo, se sentiram capacitados para avaliar todos os colegas, alguns dos quais nunca viram; directores que reservaram Excelentes e Muito Bons para amigos e companheiros; professores que foram prejudicados porque se recusaram a participar na farsa nacional, que foi este primeiro ciclo de avaliação; enfim, as situações são múltiplas, mas todas elas têm um traço comum: são vergonhosas. E atingem directamente, e mais uma vez, a dignidade profissional de quem com seriedade e dedicação exerce a docência.
Era isto que, fundamentalmente, estava em jogo. Era isto, era a dignidade profissional de uma classe inteira que os sindicatos tinham em cima da mesa e que não era contabilisticamente negociável. E esta gigantesca farsa foi, objectivamente, sancionada pelo Acordo assinado. Esta gigantesca ofensa à dignidade profissional foi, objectivamente, corroborada pelo Acordo.
Uma manifestação de 100 mil professores, outra manifestação de 120 mil professores, duas greves nacionais de mais de 90% de adesão, um partido que perde mais de meio milhão de votos, um partido que fica em minoria absoluta no parlamento, e nada disto serviu para que fosse reposta a dignidade profissional vilipendiada. Se numa conjuntura destas, excepcionalmente favorável, os sindicatos não conseguem o fundamental, quando o conseguirão?
Deste modo, não posso aceitar este Acordo.
1. Este género de balanço entre o deve e o haver permite sempre múltiplas conclusões moldáveis aos pressupostos de que se parte. Permite, por exemplo, que o termo de comparação seja aquele que mais convém: já li que o conteúdo do Acordo deve ser comparado com a situação que Maria de Lurdes Rodrigues deixou, e que não deve ser comparado com a situação existente antes de Maria de Lurdes Rodrigues. É claro que se a lógica argumentativa for esta teremos sempre de concluir que o medíocre, por mais medíocre que seja, se transforma em bom, se comparado com o mau ou com o péssimo. Se a lógica for esta, percebe-se, então, a satisfação de alguns, pois como o que existia era o pior possível, a «vitória» era garantida, por mais medíocre que fosse o resultado alcançado ou a alcançar;
2. Mas, na minha opinião, a razão determinante porque não devemos ficar centrados na contabilidade é esta: o que estava em jogo era demasiado grande, era demasiado importante para poder ser reduzido a saldos de somas e de subtracções ou para poder ser reduzido a comparações esdrúxulas.
O que estava, verdadeiramente, em jogo era a dignidade de uma classe profissional, era a dignidade de milhares de profissionais. Que ou era recuperada ou não era recuperada. A dignidade profissional não é susceptível de ser trinta por cento recuperada ou dois terços ou quatro quintos recuperada. Ou a recuperamos por inteiro ou não a recuperamos.
Os professores foram, durante quatro anos, objecto de enxovalho público intencional. Nenhuma profissão, até hoje, em Portugal, tinha sido alvo directo de um ataque tão desvairado à sua dignidade profissional, como foi a dos professores. Nenhuma profissão, até hoje, em Portugal, tinha ficado à mercê da mais absoluta incompetência técnica e política de que há memória na governação portuguesa. Os professores foram cobaias de um incontido aventureirismo e da total irresponsabilidade de políticos que assumiram funções sem terem a mínima preparação para as assumir.
Usufruindo da inimputabilidade exclusiva dos políticos e dos loucos, o Governo anterior quis, por um lado, desqualificar, junto da opinião pública, os docentes portugueses e, por outro lado, dividir os professores para melhor os dominar. Para isto, socorreu-se de todas as armas que tinha à disposição e:
a) Criou um estúpida, inútil e arbitrária divisão da carreira. E apesar do monumental protesto que originou e apesar de unanimemente se reconhecer quer a estupidez e a inutilidade da iniciativa, quer a arbitrariedade com que o processo de divisão foi realizado - virando do avesso o escalonamento e a vida profissional de muitos colegas -, a responsável da pasta da Educação, o primeiro-ministro e os deputados do seu partido, possuídos de uma arrogância desmedida, fizeram questão de levar a barbárie até ao fim;
b) Criou um péssimo modelo de avaliação. Provavelmente o pior modelo de avaliação que o chamado mundo civilizado conheceu. Nenhum país da Europa tem algo igual ou aparentado. Um modelo monstruoso e inexequível, numa palavra: um modelo incompetente. Só mentes simultaneamente ignorantes e delirantes poderiam produzir tamanha enormidade. E apesar da gigantesca oposição que gerou, a responsável da Educação, o primeiro-ministro e os deputados do seu partido, possuídos de uma arrogância desmedida, fizeram questão de levar a barbárie até ao fim;
c) Criou um Estatuto da Carreira Docente e um modelo de gestão vergonhosos e inaceitáveis, que tinham como principal objectivo a proletarização dos professores e a sua domesticação.
Fruto de uma ideologia feita de dogmas e de uma confrangedora pobreza doutrinária, a noção de Escola dos governos do PS tem como mito inspirador a empresa, à qual se amalgamam, de modo desconexo, conceitos politicamente correctos e pretensamente democráticos, para «inglês ver», como é o caso da criação de um órgão (Conselho Geral) onde se introduz, a monte, as mais variadas gentes vindas das mais variadas procedências: autarquias, empresas, clubes recreativos e tudo o mais que os vários compadrios, dos partidários aos pessoais, possam permitir.
Da conjugação destes três factores resultaram as piores consequências a diferentes níveis:
- a nível do ambiente que se vive entre colegas;
- a nível da auto-estima profissional;
- a nível da motivação;
- a nível da confiança e a nível das expectativas, quanto ao futuro;
- etc., etc., etc.
A culminar a desastrosa situação a que se chegou, tivemos o encerramento do ignominioso primeiro ciclo de avaliação. E, como era de esperar, os resultados não deixam margem para dúvidas: professores sempre tidos pelos colegas e pelos alunos como medianos, ou mesmo medíocres, foram classificados como Excelentes ou Muito Bons; avaliadores, objectivamente impreparados para as funções, distribuíram, alegre e inconscientemente, uns, ou coagidos, outros, classificações mal fundamentadas que vão determinar as futuras vidas profissionais dos seus colegas; directores que, apesar de só terem tomado posse no final do ano lectivo, se sentiram capacitados para avaliar todos os colegas, alguns dos quais nunca viram; directores que reservaram Excelentes e Muito Bons para amigos e companheiros; professores que foram prejudicados porque se recusaram a participar na farsa nacional, que foi este primeiro ciclo de avaliação; enfim, as situações são múltiplas, mas todas elas têm um traço comum: são vergonhosas. E atingem directamente, e mais uma vez, a dignidade profissional de quem com seriedade e dedicação exerce a docência.
Era isto que, fundamentalmente, estava em jogo. Era isto, era a dignidade profissional de uma classe inteira que os sindicatos tinham em cima da mesa e que não era contabilisticamente negociável. E esta gigantesca farsa foi, objectivamente, sancionada pelo Acordo assinado. Esta gigantesca ofensa à dignidade profissional foi, objectivamente, corroborada pelo Acordo.
Uma manifestação de 100 mil professores, outra manifestação de 120 mil professores, duas greves nacionais de mais de 90% de adesão, um partido que perde mais de meio milhão de votos, um partido que fica em minoria absoluta no parlamento, e nada disto serviu para que fosse reposta a dignidade profissional vilipendiada. Se numa conjuntura destas, excepcionalmente favorável, os sindicatos não conseguem o fundamental, quando o conseguirão?
Deste modo, não posso aceitar este Acordo.