sábado, 9 de janeiro de 2010

Em desacordo com o Acordo

Já pude ler o texto do Acordo assinado pelo ME e por vários sindicatos. Tentarei ser objectivo e sintético nas observações que me parecem dever ser feitas.

1. Comparando a primeira proposta de Acordo de Princípios entregue pelo ME aos sindicatos, há uns dias, com o texto final agora assinado, verifica-se o seguinte:
a) dos diversos pontos e alíneas que compõem o Acordo, mantiveram-se intactos, entre a primeira versão e a versão final, 62 desses pontos e alíneas;
b) houve 10 entradas de texto (desde a introdução de uma palavra até à construção de um parágrafo novo);
c) Houve 4 saídas de texto (desde a retirada de uma palavra à omissão de um parágrafo).
d) Curiosamente, a parte que foi mais mexida foi o Preâmbulo...

2. As entradas no texto foram:
a) a referência, no n.º 1, à educação especial;
b) a ressalva, no n.º 3, da não aplicação da prova de ingresso aos professores contratados, aos que já trabalharam em estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo, em Instituições Particulares de Solidariedade Social e àqueles que exerceram funções no Ensino Português no Estrangeiro, e que já tenham tido uma avaliação com a classificação de Bom ou equivalente;
c) a introdução, no n.º 11, da possibilidade do professor poder renunciar, no fim de cada ano escolar, ao exercício de funções relacionadas com uma especialização funcional que tenha adquirido (ex.: supervisão pedagógica, avaliação do desempenho, etc.);
d) o requisito, no n.º 23, da eleição, no Conselho Pedagógico, dos três docentes que, com o director, formarão a Comissão de Coordenação da Avaliação e, igualmente, a componente fixa do Júri de Avaliação;
e) a referência, no n.º 25, ao desejo de, tendencialmente, o professor Relator ter formação especializada;
f) a introdução, no n.º 27, de um representante da Direcção Regional de Educação no Júri Especial de Recurso;
g) a promessa, no n.º 28, de que o ME vai promover acções de formação concretas [sic] sobre avaliação durante o ano de 2010;
h) o esclarecimento, no n.º 38, da transição, dos docentes posicionados no índice 245, para o novo modelo;
i) idem, no n.º 42, alínea c) para os docentes no índice 340;
j) a introdução, no n.º 44, do factor de compensação (0,5) para os professores com a classificação de Bom que, por efeito das quotas, não transitem de escalão na altura devida.

Destas 10 entradas, o que há de positivo é a referência à educação especial, a isenção da prova de ingresso aos professores já avaliados e a eleição dos três membros para a Comissão de Coordenação da Avaliação. Tenho dúvidas se a introdução do factor de compensação, comparado com o texto da primeira versão, traz algum real benefício, e não tenho dúvidas de que a inclusão do representante do Ministério no Júri de Recurso não traz nenhum benefício à situação do professor que recorrer da sua classificação.

3. As saídas de texto foram:
a) No n.º 5, as quotas no acesso ao 3.º escalão;
b) No n.º 7, as palavras: «e demais elementos relevantes para a avaliação»;
c) No n.º 27, alínea c), o docente eleito pelo Conselho Pedagógico para fazer parte do Júri de Recurso;
d) No antigo n.º 39, a obrigatoriedade de permanecer 5 anos no índice 340, para quem ascendesse a esse nível, no ano 2010.

Destas 4 saídas, é positiva a ausência de quotas no 3.º escalão. O restante ou é indiferente, como é o caso do n.º 39, em que essa obrigatoriedade é mantida no articulado subsequente, mas expressa por outras palavras, ou é mau, como no caso da retirada do professor eleito para o Júri de Recurso e substituído pelo representante do ME.

Sabendo-se que, por via parlamentar, estava garantido o fim da divisão da carreira e o fim das quotas, o que é que o Acordo tem de objectivamente positivo?
Resposta: a referência à educação especial; a isencão da prova de ingresso para os professores já avaliados e a eleição dos três professores para a Comissão de Coordenação da Avaliação. Nada mais.
A ausência de quotas no 3.º escalão não é um ganho, é uma perda. É uma perda comparado com o que existia, mesmo com o que vinha do Governo anterior, e é uma perda comparado com o que, por via parlamentar, seria provável alcançar: terminar totalmente com as quotas.
Para além disso, este acordo consagra, na prática, o simplex de Maria de Lurdes Rodrigues, que foi, justamente, vilipendiado pelos professores e pelos sindicatos. Mas, agora, os sindicatos já o consideram menos mau. Porquê?
A Fenprof tinha entregado ao ME um texto denominado «Contrapropostas» constituído por vários pontos considerados essenciais. Desses pontos considerados essenciais, mais de 75% foram recusados pelo ME. Sendo assim, a Fenprof assinou o Acordo porquê?
A farsa da avaliação vai continuar exactamente como decorreu neste último ano, mas agora com uma diferença: no último ano, a farsa e as barbaridades cometidas, tiveram a oposição dos sindicatos, a partir de agora terão a conivência dos sindicatos.
Nada está preparado (não há formação de médio e longo prazo para os avaliadores), e nada está assegurado em termos de seriedade do processo (vão continuar a ser os amigalhaços dos directores, como genericamente tem acontecido, a controlar de modo incompetente o processo de avaliação).
A vergonhosa avaliação que foi realizada na maioria das escolas é premiada neste Acordo. Essa avaliação vai ter já consequências na progressão da carreira. Afinal, o crime compensa.

A avaliação formativa ficou na gaveta. Os ciclos avaliativos de 4 anos ficaram na gaveta. A eleição dos avaliadores ficou na gaveta. O fim das condições de compadrio ficou na gaveta. A credibilização dos avaliadores ficou na gaveta. Uma duração justa e equilibrada da carreira ficou na gaveta. A recuperação da dignidade profissional ficou na gaveta.
O faz-de-conta da avaliação vai prosseguir, o oportunismo vai prevalecer, as injustiças vão alastrar e a Educação vai-se degradar ainda mais.
Sócrates tem razões para estar satisfeito. Eu, enquanto professor, não tenho.