Tópico 3 - Avaliação, mérito e competitividade (continuação, ainda...)
1. Ao contrário do que recorrentemente se afirma e se pretende fazer crer, de modo a justificar a monstruosidade (pseudo) avaliativa em vigor, o verdadeiro mérito docente é, em regra, reconhecido.
Os professores que são realmente bons professores vêem o seu mérito reconhecido. Em primeiro lugar, esse mérito é reconhecido pelos alunos, que é o mais importante reconhecimento de todos os reconhecimentos possíveis. Em segundo lugar, é reconhecido pelos colegas do grupo disciplinar a que esses professores pertencem. Em terceiro lugar, mais tarde ou mais cedo, acaba por ser reconhecido por quem tem a função de dirigir a escola. Em quarto lugar, é reconhecido por muitos dos restantes colegas. Em quinto lugar, é reconhecido por muitos funcionários. Em sexto lugar, é reconhecido por muitos pais e encarregados de educação.
É, pois, falso afirmar que, sem a actual monstruosidade (pseudo) avaliativa, os professores são todos iguais e que são todos tratados da mesma forma. É, pois, falso afirmar que os bons e os maus professores são vistos de modo idêntico, pela comunidade educativa. E ambos, o bom e o mau professor, sentem e sabem isto muito bem.
Claro que não me refiro a reconhecimento de bomba e fanfarra, ou a reconhecimento medalhado. Esse também pode ocorrer, mas normalmente, a ocorrer, é no final de uma carreira, ou em momento excepcional que espontaneamente (isto é, sem obrigação formal) se pretenda assinalar. Não me refiro a reconhecimento com data marcada (de dois em dois anos), não me refiro a reconhecimento que resulta de uma luta de décimas dirimida em quadrículas de Excel, não me refiro a reconhecimento que resulta de uma absoluta impreparação de quem avalia, não me refiro a este género de «reconhecimento».
Refiro-me ao reconhecimento informal que a comunidade educativa presta a quem dele é merecedor. Refiro-me ao reconhecimento que resulta do desenvolvimento de um trabalho sério, realizado sem atropelos, sem competições e sem encenações. É este reconhecimento que, do ponto de vista da substância das coisas, é importante e é fundamental. É este reconhecimento que constitui a melhor recompensa que um professor pode receber.
2. Estou, pois, a falar de mérito real, não estou a falar de «mérito» folclórico. Estou a falar do mérito que resulta do cumprimento do dever pelo dever e não do cumprimento do dever para momentaneamente dar nas vistas ou para ter o seu momento de aparente brilharete.
Não falo, pois, do «mérito» que resulta de duas aulas encenadas e da realização desenfreada de múltiplas actividades, em que a última tem de ser mais vistosa do que a anterior e mais vistosa do que a do colega do lado e mais vistosa do que todas as actividades de todos os colegas da escola...
Também não falo do «mérito» que resulta de diversas e múltiplas tentativas de convencimento dos avaliadores, por via do queixume, da intriga, da lágrima, do sorriso, e disto, e daquilo e daqueloutro.
Finalmente, não falo do «mérito» que faz com que a escola deixe de ser um espaço de Educação e passa a ser um espaço «circense» onde se compete, onde se concorre, onde se passeiam vãs glórias, onde se acumulam frustrações e injustiças — frustrações e injustiças muito mais graves e profundas do que as frustrações e as injustiças que ocorriam anteriormente a esta febre de aparência avaliativa.
3. Por vezes, chego a pensar se este «circo» avaliativo, para além de ser fruto de inconfessáveis e cegos interesses contabilísticos de cabeças formatas em Excel, não é alimentado também por aquelas e aqueles que, nunca tendo sido objecto de reconhecimento real, viram na actividade «circense» uma saída para a obtenção de «méritos» que, de outro modo, não alcançariam.
É que, paradoxalmente, este (pseudo) mérito, apurado através de uma parafernália de domínios, de indicadores, de descritores, de quantificações que vão às décimas, de evidências, de quadrículas e de tudo o mais que se possa imaginar é muito mais fácil de falsificar do que o mérito reconhecido por via informal. Este não é falseável, este não é encenável. O outro é.
Todos temos conhecimento de inúmeros relatos de aulas totalmente encenadas, em que o professor avaliado antecipadamente combina com os alunos o que eles devem responder, em que momento e de que modo o devem fazer. Todos temos conhecimento de como se copiam/vendem/plagiam relatórios de auto-avaliação. Todos temos conhecimento da absoluta impreparação da esmagadora maioria dos avaliadores. Todos temos conhecimento da batota a que este sistema pseudo avaliativo dá azo, porque o próprio sistema é uma batota.
4. E, substantivamente, ninguém sai a ganhar com isto, pelo contrário: perdem os alunos, que se vêem envolvidos num imbróglio de simulações, e porque passam a partilhar o centro do processo educativo com preocupações de outra natureza; perdem os professores, que se vêem envolvidos em processos maquiavélicos de pseudo avaliações; e perde a Educação, porque os seus principais actores são desviados das suas verdadeiras funções, respectivamente, aprender e ensinar.
É pois necessário desvincular, no próximo modelo, a avaliação do reconhecimento do mérito. É um erro que não deve ser repetido (mas, desgraçadamente, será um erro que, com muita probabilidade, se repetirá — duvido que haja coragem política para colocar um ponto final nesse faz-de-conta).
A avaliação só pode ter um objectivo: contribuir para melhorar o desempenho docente. É isto que a avaliação do desempenho pode fazer com credibilidade, é isto que deve fazer, é isto que é útil e necessário fazer.
Tudo o resto que se pretenda associar à avaliação constituirá uma excrescência que acabará por minar o modelo, seja ele qual for.
1. Ao contrário do que recorrentemente se afirma e se pretende fazer crer, de modo a justificar a monstruosidade (pseudo) avaliativa em vigor, o verdadeiro mérito docente é, em regra, reconhecido.
Os professores que são realmente bons professores vêem o seu mérito reconhecido. Em primeiro lugar, esse mérito é reconhecido pelos alunos, que é o mais importante reconhecimento de todos os reconhecimentos possíveis. Em segundo lugar, é reconhecido pelos colegas do grupo disciplinar a que esses professores pertencem. Em terceiro lugar, mais tarde ou mais cedo, acaba por ser reconhecido por quem tem a função de dirigir a escola. Em quarto lugar, é reconhecido por muitos dos restantes colegas. Em quinto lugar, é reconhecido por muitos funcionários. Em sexto lugar, é reconhecido por muitos pais e encarregados de educação.
É, pois, falso afirmar que, sem a actual monstruosidade (pseudo) avaliativa, os professores são todos iguais e que são todos tratados da mesma forma. É, pois, falso afirmar que os bons e os maus professores são vistos de modo idêntico, pela comunidade educativa. E ambos, o bom e o mau professor, sentem e sabem isto muito bem.
Claro que não me refiro a reconhecimento de bomba e fanfarra, ou a reconhecimento medalhado. Esse também pode ocorrer, mas normalmente, a ocorrer, é no final de uma carreira, ou em momento excepcional que espontaneamente (isto é, sem obrigação formal) se pretenda assinalar. Não me refiro a reconhecimento com data marcada (de dois em dois anos), não me refiro a reconhecimento que resulta de uma luta de décimas dirimida em quadrículas de Excel, não me refiro a reconhecimento que resulta de uma absoluta impreparação de quem avalia, não me refiro a este género de «reconhecimento».
Refiro-me ao reconhecimento informal que a comunidade educativa presta a quem dele é merecedor. Refiro-me ao reconhecimento que resulta do desenvolvimento de um trabalho sério, realizado sem atropelos, sem competições e sem encenações. É este reconhecimento que, do ponto de vista da substância das coisas, é importante e é fundamental. É este reconhecimento que constitui a melhor recompensa que um professor pode receber.
2. Estou, pois, a falar de mérito real, não estou a falar de «mérito» folclórico. Estou a falar do mérito que resulta do cumprimento do dever pelo dever e não do cumprimento do dever para momentaneamente dar nas vistas ou para ter o seu momento de aparente brilharete.
Não falo, pois, do «mérito» que resulta de duas aulas encenadas e da realização desenfreada de múltiplas actividades, em que a última tem de ser mais vistosa do que a anterior e mais vistosa do que a do colega do lado e mais vistosa do que todas as actividades de todos os colegas da escola...
Também não falo do «mérito» que resulta de diversas e múltiplas tentativas de convencimento dos avaliadores, por via do queixume, da intriga, da lágrima, do sorriso, e disto, e daquilo e daqueloutro.
Finalmente, não falo do «mérito» que faz com que a escola deixe de ser um espaço de Educação e passa a ser um espaço «circense» onde se compete, onde se concorre, onde se passeiam vãs glórias, onde se acumulam frustrações e injustiças — frustrações e injustiças muito mais graves e profundas do que as frustrações e as injustiças que ocorriam anteriormente a esta febre de aparência avaliativa.
3. Por vezes, chego a pensar se este «circo» avaliativo, para além de ser fruto de inconfessáveis e cegos interesses contabilísticos de cabeças formatas em Excel, não é alimentado também por aquelas e aqueles que, nunca tendo sido objecto de reconhecimento real, viram na actividade «circense» uma saída para a obtenção de «méritos» que, de outro modo, não alcançariam.
É que, paradoxalmente, este (pseudo) mérito, apurado através de uma parafernália de domínios, de indicadores, de descritores, de quantificações que vão às décimas, de evidências, de quadrículas e de tudo o mais que se possa imaginar é muito mais fácil de falsificar do que o mérito reconhecido por via informal. Este não é falseável, este não é encenável. O outro é.
Todos temos conhecimento de inúmeros relatos de aulas totalmente encenadas, em que o professor avaliado antecipadamente combina com os alunos o que eles devem responder, em que momento e de que modo o devem fazer. Todos temos conhecimento de como se copiam/vendem/plagiam relatórios de auto-avaliação. Todos temos conhecimento da absoluta impreparação da esmagadora maioria dos avaliadores. Todos temos conhecimento da batota a que este sistema pseudo avaliativo dá azo, porque o próprio sistema é uma batota.
4. E, substantivamente, ninguém sai a ganhar com isto, pelo contrário: perdem os alunos, que se vêem envolvidos num imbróglio de simulações, e porque passam a partilhar o centro do processo educativo com preocupações de outra natureza; perdem os professores, que se vêem envolvidos em processos maquiavélicos de pseudo avaliações; e perde a Educação, porque os seus principais actores são desviados das suas verdadeiras funções, respectivamente, aprender e ensinar.
É pois necessário desvincular, no próximo modelo, a avaliação do reconhecimento do mérito. É um erro que não deve ser repetido (mas, desgraçadamente, será um erro que, com muita probabilidade, se repetirá — duvido que haja coragem política para colocar um ponto final nesse faz-de-conta).
A avaliação só pode ter um objectivo: contribuir para melhorar o desempenho docente. É isto que a avaliação do desempenho pode fazer com credibilidade, é isto que deve fazer, é isto que é útil e necessário fazer.
Tudo o resto que se pretenda associar à avaliação constituirá uma excrescência que acabará por minar o modelo, seja ele qual for.