Dando continuidade ao post da semana passada, tentarei explicar agora as razões que me levam a discordar da introdução da cultura da competitividade na docência, já que, de facto, é isso que está a ser feito, através da designada premiação do mérito, com quotas.
A importação de certos conceitos de gestão empresarial para a gestão escolar e, em particular, para a avaliação do desempenho docente parece-me uma perigosa infantilidade — infantilidade, no sentido de uma ingénua sedução que as performances empresariais suscitam em alguns e que os leva a tentativas de acrítico mimetismo. Entre vários exemplos, temos, precisamente, a importação do conceito empresarial de mérito/competitividade.
A importação de certos conceitos de gestão empresarial para a gestão escolar e, em particular, para a avaliação do desempenho docente parece-me uma perigosa infantilidade — infantilidade, no sentido de uma ingénua sedução que as performances empresariais suscitam em alguns e que os leva a tentativas de acrítico mimetismo. Entre vários exemplos, temos, precisamente, a importação do conceito empresarial de mérito/competitividade.
Procurar introduzir a competitividade na docência levanta problemas sérios e graves, pelo menos, a dois níveis: a nível dos resultados e a nível dos processos.
Começo as observações pela parte dos resultados.
Induzir a competição entre professores através, por exemplo, da melhoria de taxas de sucesso e de taxas de abandono escolares, constitui, do meu ponto de vista, uma aberração pedagógica e uma potencial degradação da profissionalidade docente.
Penso assim, por várias razões, que tentarei explicar. Todavia, antes de o fazer, começarei por apresentar o meu ponto de partida, que enuncio genericamente deste modo:
— No início de cada ano lectivo, um professor só pode ter dois objectivos, no que diz respeito a taxas de sucesso e de abandono escolares: 100% de sucesso e 0% de abandono escolares. Não concebo outras metas aceitáveis.
Deste modo, não compreendo como poderá um professor dizer, quando um ano lectivo inicia, que a sua meta de sucesso, nesta ou naquela turma, é de 83%, ou de 78%, ou de outra percentagem qualquer. Como não compreendo que, no final do ano lectivo, esse professor se possa dizer satisfeito, porque cumpriu ou superou, em um ou dois por cento, a meta inicialmente estabelecida. Nenhum professor pode sentir satisfação porque apenas 22% ou 17% dos seus alunos não tiveram sucesso. Não estou a fazer retórica vã, estou a afirmar que não vejo outro modo razoável de assumir a função docente que não seja o de considerar meu(nosso) dever tudo fazer(mos), durante cada ano lectivo, para atingir(mos) os 100% de sucesso e os 0% de abandono escolares. Na minha opinião, este é o dever de qualquer professor.
Infelizmente, como todos sabemos, estes objectivos não são, na maior parte das vezes, atingidos, mas é para eles que temos de trabalhar. As nossas metas, ano a ano, só podem ser aquelas e nenhumas outras.
Do ponto de vista pedagógico, não vejo possível a adopção de um princípio diferente, e vejo, por outro lado, enormes dificuldades na sustentação do inverso.
As dificuldades nessa sustentação residem no seguinte.
Se se considerar aceitável que, por exemplo, se possa estipular como objectivo, para próximo ano lectivo, a redução do insucesso escolar (por escola e/ou por turma) em três pontos percentuais (para o caso, o número é indiferente), relativamente ao ano anterior, dever-se-á perguntar:
i) Por que razão, no ano lectivo anterior não se atingiu essa redução e se julga ser possível atingir no próximo?
ii) É porque se pensa que, no próximo ano, irá existir um maior empenhamento do(s) professor(es)?
iii) Se sim, por que razão não existiu esse empenhamento no ano findo e se pensa que ele existirá no ano próximo?
iv) Se não, que fundamento existe para que se considere possível melhorar em 3% os índices de reprovação?
v) Por que razão se definiu a meta em 3%, e não em 2%, ou em 4%, ou em 5%, ou...? Como se apura a meta quantitativa? Através de médias aritméticas/estatísticas de anos anteriores? Que fundamentos pedagógicos têm essas quantificações? Que razões substantivas possibilitaram o seu apuramento?
vi) Que há de novo (na escola, na turma, no professor) que dê fundamento à formulação dessas metas? Para que haja possibilidade de sentido, algo de novo (na escola, na turma, no professor) terá de existir. Caso contrário, voltamos à pergunta ii)...
Na realidade, não encontro fundamentação pedagógica séria que sustente estas formulações de metas, agora em moda. Encontro motivações administrativas, encontro motivações demagógicas, encontro motivações de diferente e variada ordem, mas não encontro razões pedagógicas sérias.
De facto, aquilo que verdadeiramente se pretende é introduzir competitividade entre professores e escolas para a obtenção de resultados estatísticos, a qualquer preço e em pouco tempo.
A única razão que justifica esta política de formulação de metas e a consequente instauração da competitividade é a convicção de que a pressão psicológica, que recairá sobre cada professor, terá boas consequências estatísticas nas classificações dos alunos. E é isso que efectivamente interessa.
Deste modo, em lugar da cultura da responsabilidade, do dever e da profissionalidade, pretende-se instaurar a cultura da pressão dos resultados, importada directamente da competitividade empresarial.
Esta cultura, que nada tem de pedagógico, é perversa e atenta contra a deontologia docente.
Dessa perversidade, tratarei na próxima semana.