Trechos - Tony Judt
«Ao contrário de uma presunção generalizada que se reintroduziu insidiosamente na gíria política [...], pouca gente recebe subsídios com prazer: roupa, calçado, comida, subsídio de habitação ou material escolar. É, muito simplesmente, humilhante. Restaurar o orgulho e a auto-estima dos derrotados da sociedade era um programa central nas reformas sociais que marcaram o progresso do século XX. Hoje, mais uma vez, voltámos-lhes as costas.
Embora a admiração acrítica pelo modelo anglo-saxónico de "livre iniciativa", "sector privado", "eficácia", "lucro" e "crescimento" se tenha generalizado nos últimos anos, o próprio modelo só foi aplicado com todo o seu rigor autocongratulatório na Irlanda, no Reino Unido e nos EUA. Da Irlanda pouco há a dizer. O chamado "milagre económico" do "valente tigrezinho celta" consistia num regime desregulado de impostos baixos que previsivelmente atraiu investimento privado e capitais voláteis. O inevitável défice da receita pública era compensado com subsídios da injuriadíssima União Europeia, maioritariamente financiada pelas economias supostamente ineptas da "velha Europa", a alemã, francesa e holandesa. Quando a festa de Wall Street se desfez em caos, a bolha irlandesa rebentou junto. Tão cedo não voltará a encher.»
Tony Judt, Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, pp. 40-41.