Antes de avançar para o «Tópico 2» dos erros que, na minha opinião, não se devem repetir no futuro modelo de avaliação, tentarei desenvolver um pouco mais este «Tópico 1 - Um paradigma de professor», porque ele remete-nos para uma questão difícil e, ao mesmo tempo, nuclear em qualquer modelo de avaliação.
Escrevi no post anterior que «Um modelo de avaliação docente não pode ter nem deve ter subjacente qualquer paradigma de professor.» E acrescentei: «Não pode ter, porque simplesmente não existe um modelo consensual de professor, por mais que alguns «cientistas» da educação o desejem e por ele pelejem. Mas não o podendo ter, porque a realidade não o fornece, também não o deve querer ter, porque a diversidade de arquétipos de professor não só é uma riqueza humana, como é uma riqueza pedagógica. A formatação do acto de ensinar é, em si mesma, destituída de sentido e, consequentemente, não pode inspirar qualquer avaliação do desempenho docente.»
Tentarei fundamentar um pouco mais estas ideias.
Começo por recorrer a Eric Hanushek, que esteve há cerca de três meses no nosso país. É um conhecido professor e investigador da Universidade de Stanford (EUA), com um já longo currículo de investigação no domínio da Educação, em particular, na relação entre o desempenho dos professores e o sucesso dos alunos. Discordo, em absoluto, das suas teses, não só porque são, por vezes, confrangedoramente contraditórias, mas fundamentalmente porque denotam uma crença obsessiva na matematização da realidade educativa, como via ideal de resolução de problemas. A juntar a isto, o seu discurso revela, em vários passos, uma inaceitável insensibilidade social.
Mas isto agora não interessa. Convoquei Eric Hanushek para este post apenas porque, do ponto de vista da actual ideologia dominante dos nossos «cientistas» da Educação e dos nossos responsáveis políticos, ele é uma figura insuspeita quanto a defesa de corporativismos ou, mais concretamente, quanto à alegada manutenção dogmática de direitos adquiridos, e é, ao mesmo tempo, alguém que tem o tal desenvolvido currículo de investigação — facto que constitui, para os defensores do actual modelo de avaliação, um argumento de autoridade, que muito prezam e a que frequentemente recorrem.
Vejamos então o que diz Eric Hanushek acerca do assunto do tópico que hoje continuo a tratar. Começo por recordar duas breves passagens de uma entrevista dada ao Expresso, há cerca de três meses. Perguntado sobre o que é que os bons professores têm em comum, respondeu: «Ainda não conseguimos identificar as características que fazem um bom professor. [...] Ainda não conseguimos identificar o que explica a qualidade.» Não nos esqueçamos que esta conclusão é tirada por alguém que acredita piamente que, um dia, será possível discriminar objectivamente as características que definem um bom professor, isto é, acredita que, um dia, será possível estabelecer um paradigma de professor. Todavia, reconhece que isso «ainda» não foi possível fazer. Esse paradigma não existe. A realidade ainda não o deu.
Já em 2008, numa entrevista à revista brasileira Veja, Hanushek tinha chegado a essa conclusão. À pergunta: «O senhor está dizendo que não há uma explicação estatisticamente confiável sobre as características que determinam um bom professor?», respondeu taxativamente: «Existem muitas suposições, mas nenhuma delas tem valor científico. Por isso fica tão difícil estabelecer critérios prévios para a selecção dos melhores professores – e erra-se tanto.»
Erra-se tanto, diz Hanushek. Pois erra! E apesar de se errar tanto, e apesar de se saber que se erra tanto, persiste-se teimosamente em querer fazer uma avaliação assente no erro, assente no que não se sabe, assente num inexistente paradigma de professor. Estas conclusões de Hanushek contrariam, de forma objectiva, os pressupostos fundamentais em que se sustenta o modelo de avaliação em vigor.
Mas, obviamente, não é apenas este investigador que revela estarmos perante um problema não resolvido (ou irresolúvel): quase toda a literatura, de uma forma ou de outra, o reconhece. (Curiosamente, alguns autores desta literatura não retiram consequências práticas do reconhecimento que eles próprios fazem do problema. Perante a incapacidade de o resolver, optam por fazer de conta que ele não existe. Mas ele existe e, porque existe, tem de ser assumido). Até no que diz respeito à determinação dos domínios que devem enquadrar a acção do professor, com vista à definição de padrões de desempenho, não há consenso. Há quem defenda que devem ser três os domínios, como a Comissão Europeia o definiu, há investigadores que defendem que os domínios devem ser quatro, outros que os elevam para cinco, e por aí fora. No meio destas divergências, e se apertarmos a malha, veremos ainda que, para alguns, o essencial é definir o que o professor precisa de saber e o que precisa de ser capaz de fazer, para outros, o essencial inclui, entre outras pérolas, as qualidades pessoais do professor — o que é sintomático do desnorte a que é possível chegar. Dentro desta amálgama, ainda há aqueles que defendem que a função de professor deve ser vista essencialmente em contexto de uma prestação de serviços a clientes, e aqueles outros que a vinculam ao contributo que o professor pode dar para o crescimento económico.
Apesar deste quadro de ignorância generalizada acerca da definição de um paradigma de professor, que sirva de referência a todo o processo avaliativo, quiseram, os autores do actual modelo de avaliação, persistir na determinação exaustiva de um perfil de professor ideal, quase delineado a régua e esquadro. A tarefa era simultaneamente absurda, por ausência de fundamentos sérios, e ao mesmo tempo ciclópica, porque quem sofre de obsessão avaliativa o que mais deseja é ocultar o vazio de que parte, através da criação de uma parafernália de itens que aparetem dar substância àquilo que não a tem.
Deste modo, com o paradigma de professor que tinham na cabeça, os autores do actual modelo partiram para a elaboração do conjunto de descritores que deveriam configurar o denominado professor de nível «Excelente». Contudo, chegado a este ponto, o fundamentalismo avaliativo debateu-se com um problema: ou simplificava os descritores, centrando-se no essencial, e negava-se a si próprio; ou concretizava a sua monomania, partindo para uma desvairada descrição atomística de comportamentos, que, pretensamente, desenharia o seu paradigma de professor, e sujeitava-se a uma imediata reacção negativa, quando fosse publicada a infindável listagem que a sua sede descritiva exigia. O dilema foi resolvido de um modo simples: fazer de cada descritor uma concentração de vários descritores. Formalmente, os descritores aparentariam ser um número x, quando, na realidade, seriam um número mutíssimo superior. E foi isso que aconteceu: formalmente, são dezoito os descritores do nível «Excelente»; na realidade, ultrapassam os quarenta e cinco. Repito: quarenta e cinco descritores só para um nível. Deixo apenas um exemplo (que isto já vai longo) daquilo que aparece como sendo um descritor, mas que, na verdade, é a concentração de cinco descritores: «Concebe e implementa estratégias de avaliação diversificadas e rigorosas, monitoriza o desenvolvimento das aprendizagens, reflecte sobre os resultados dos alunos e informa-os regularmente sobre os progressos e as necessidades de melhoria.»
Temos assim um duplo erro a não repetir: não tentar impor um paradigma de professor, que não existe e que não é desejável, e não concentrar, não multiplicar, não inventar descritores.
Ligações a outros posts relacionados com a ADD:
Deste modo, com o paradigma de professor que tinham na cabeça, os autores do actual modelo partiram para a elaboração do conjunto de descritores que deveriam configurar o denominado professor de nível «Excelente». Contudo, chegado a este ponto, o fundamentalismo avaliativo debateu-se com um problema: ou simplificava os descritores, centrando-se no essencial, e negava-se a si próprio; ou concretizava a sua monomania, partindo para uma desvairada descrição atomística de comportamentos, que, pretensamente, desenharia o seu paradigma de professor, e sujeitava-se a uma imediata reacção negativa, quando fosse publicada a infindável listagem que a sua sede descritiva exigia. O dilema foi resolvido de um modo simples: fazer de cada descritor uma concentração de vários descritores. Formalmente, os descritores aparentariam ser um número x, quando, na realidade, seriam um número mutíssimo superior. E foi isso que aconteceu: formalmente, são dezoito os descritores do nível «Excelente»; na realidade, ultrapassam os quarenta e cinco. Repito: quarenta e cinco descritores só para um nível. Deixo apenas um exemplo (que isto já vai longo) daquilo que aparece como sendo um descritor, mas que, na verdade, é a concentração de cinco descritores: «Concebe e implementa estratégias de avaliação diversificadas e rigorosas, monitoriza o desenvolvimento das aprendizagens, reflecte sobre os resultados dos alunos e informa-os regularmente sobre os progressos e as necessidades de melhoria.»
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