A quarta dimensão dos padrões do desempenho docente termina com os descritores relativos ao trabalho colaborativo na escola.
O descritor do nível «Excelente» enuncia: «Promove sistematicamente o trabalho colaborativo como forma de partilha de conhecimentos, desenvolvimento profissional e desenvolvimento organizacional da escola.»
O descritor do nível «Muito Bom» diz: «Contribui para a promoção [...]» (o resto é igual).
O descritor do nível «Bom» refere: «Partilha os conhecimentos adquiridos com os seus pares, sempre que se proporcionam oportunidades.»
Pergunta inevitável: que é que diferencia o nível «Excelente» do nível «Muito Bom»? Existe diferença entre «promove» e «contribui para a promoção»? Parece ser óbvio que quem «contribui para a promoção» também «promove» e que quem «promove» também «contribui para a promoção». Deste ponto de vista, não há distinção entre uma coisa e outra.
Mas tentemos outro ponto de vista. Vamos admitir que é possível imaginar uma diferença e que essa diferença reside no seguinte: o professor que «promove o trabalho colaborativo» é aquele que toma a iniciativa de promover esse trabalho, o outro professor, aquele que apenas «contribui para a promoção», é aquele que não toma a iniciativa de promover o trabalho colaborativo, mas que, quando essa iniciativa surge, participa nela, ou seja, colabora nessa iniciativa, partilhando os seus conhecimentos. Temos aqui uma diferença. Uma diferença meticulosa, demasiado meticulosa para ser, com fiabilidade, apurada na prática, mas é uma diferença (na teoria, pelo menos). E isto resolve-nos o problema (teórico).
Resolve-nos este problema, mas cria-nos outro: se, por um lado, passamos a saber a diferença entre o «Excelente» e o «Muito Bom», por outro lado, passamos a deixar de saber a diferença entre o «Muito Bom» e o «Bom». Deixamos de o saber, porque o professor de nível «Bom» é aquele que, conforme é explicitado no descritor, «partilha os conhecimentos adquiridos com os seus pares, sempre que se proporcionam oportunidades», ou seja, é aquele que não toma a iniciativa, mas que, quando ela surge, participa nela. Ora, isto é rigorosamente aquilo que há pouco tínhamos entendido ser o nível «Muito Bom», para o conseguirmos distinguir do nível «Excelente»!
Conclusão: se quisermos distinguir o «Bom» do «Muito Bom,» ficamos sem conseguir distinguir o «Muito Bom» do «Excelente», se quisermos distinguir o «Muito Bom» do «Excelente», ficamos sem distinguir o «Bom» do «Muito Bom». Em que ficamos, então? Ficamos com um problema por resolver. Mas, no fundo, é só mais um, a juntar às dezenas de problemas que já ficaram por resolver, nas outras dimensões.
A não ser que... A não ser que os autores deste modelo de avaliação pretendam que aquilo que verdadeiramente distingue o nível «Excelente» do nível «Muito Bom» seja um dos nossos já conhecidos advérbios, neste caso, o advérbio «sistematicamente», presente no enunciado do primeiro e ausente do enunciado do segundo. Isto é, a diferença residiria nisto: um professor «Excelente» faz uma promoção sistemática e o professor «Muito Bom» faz uma não sistemática promoção. Deste modo, presume-se que, para os autores destes padrões, já tudo fica claro e transparente.
Para os autores ficará, mas para o professor que vai avaliar (e para o que vai ser avaliado) é que, certamente, não ficará. E no momento em que o avaliador tiver de encontrar o filamento que define a fronteira entre o sistemático e o não sistemático terá de o procurar com lente de ourives.
E que não a tire, porque terá de ser com essa lente que vai ter de encontrar os outros filamentos que foram ficando para trás: o filamento que define a fronteira entre o consistentemente e o não consistentemente; o filamento entre o profundo comprometimento e o comprometimento não profundo; o filamento entre o envolvimento activo e o não activo envolvimento, etc., etc.
E assim é construído um sistema de avaliação que inquina tudo em que toca. Esta dimensão — «Desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida» — seria aquela que, pela sua natureza, menos problemas levantaria, do ponto de vista da formulação dos padrões de desempenho. Mas os autores do modelo até esta dimensão conseguiram complicar e inoperacionalizar, tal é a obsessão avaliativa que os domina e cega.
Com este texto, concluo as observações parcelares das quatro dimensões dos designados Padrões do Desempenho Docente — padrões que pretendiam ser o guia de concretização do actual modelo de avaliação, mas que, desastrosa e desastradamente, falharam o seu objectivo.
Apontamento não final: as revogações ou as não revogações, as promulgações ou as não promulgações, as constitucionalidades ou as inconstitucionalidades não são, para mim, critério de coisa alguma. Isto quer dizer que em nenhuma circunstância deixarei de fazer aquilo que acho que devo fazer: continuar a prestar o meu minúsculo contributo na demolição de um vergonhoso sistema de avaliação, dure isso o tempo que tiver que durar.
Do mesmo modo, tentarei, conjuntamente com quem o quiser fazer, dar o meu minúsculo contributo na construção de alternativas.
Ligações a outros posts relacionados com a ADD:
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8
. Requerimento do Dep. C.S.H. da Escola Secundária de Amora
Para os autores ficará, mas para o professor que vai avaliar (e para o que vai ser avaliado) é que, certamente, não ficará. E no momento em que o avaliador tiver de encontrar o filamento que define a fronteira entre o sistemático e o não sistemático terá de o procurar com lente de ourives.
E que não a tire, porque terá de ser com essa lente que vai ter de encontrar os outros filamentos que foram ficando para trás: o filamento que define a fronteira entre o consistentemente e o não consistentemente; o filamento entre o profundo comprometimento e o comprometimento não profundo; o filamento entre o envolvimento activo e o não activo envolvimento, etc., etc.
E assim é construído um sistema de avaliação que inquina tudo em que toca. Esta dimensão — «Desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida» — seria aquela que, pela sua natureza, menos problemas levantaria, do ponto de vista da formulação dos padrões de desempenho. Mas os autores do modelo até esta dimensão conseguiram complicar e inoperacionalizar, tal é a obsessão avaliativa que os domina e cega.
Com este texto, concluo as observações parcelares das quatro dimensões dos designados Padrões do Desempenho Docente — padrões que pretendiam ser o guia de concretização do actual modelo de avaliação, mas que, desastrosa e desastradamente, falharam o seu objectivo.
Apontamento não final: as revogações ou as não revogações, as promulgações ou as não promulgações, as constitucionalidades ou as inconstitucionalidades não são, para mim, critério de coisa alguma. Isto quer dizer que em nenhuma circunstância deixarei de fazer aquilo que acho que devo fazer: continuar a prestar o meu minúsculo contributo na demolição de um vergonhoso sistema de avaliação, dure isso o tempo que tiver que durar.
Do mesmo modo, tentarei, conjuntamente com quem o quiser fazer, dar o meu minúsculo contributo na construção de alternativas.
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. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 9
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 10
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 10
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 14
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 15
. Sub-repticiamente . Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 15
. Requerimento do Dep. C.S.H. da Escola Secundária de Amora