Observo as expressões faciais, os olhares, as inclinações de voz; leio os discursos, as entrevistas, os comentários; estou atento a tudo isto e não vejo nada daquilo que era imperioso ver: não encontro uma ponta de arrependimento, uma assunção de culpa, não oiço um pedido de desculpas. Ninguém das nossas elites políticas, económicas, financeiras e empresariais pediu desculpa aos portugueses pela parte de responsabilidade que lhe cabe na situação a que o país chegou. Não há um único membro dessas elites que o tenha feito.
Infelizmente, os que têm liderado os destinos do nosso país possuem, para além de outras, duas desgraçadas características: são objectivamente incompetentes — a realidade está aí, inexorável e brutal, para o confirmar; e são inimaginavelmente irresponsáveis — o seu aventureirismo inconsciente impede-os de assumir a responsabilidade dos levianos actos que há anos vêm cometendo.
Mas é preciso apurar responsabilidades, porque não se brinca com a vida das pessoas. Não se brinca com a história e o futuro de uma nação.
Quem se voluntaria para conduzir politicamente um país não pode fazê-lo a pensar que vai tomar conta de um clube recreativo de bairro. Quem se candidata a assumir responsabilidades na condução económica de um país, ou mesmo de uma empresa, não pode fazê-lo se não tiver preparação sólida e ideias claras que suportem essa função — os cidadãos de um Estado ou os profissionais de uma empresa não são bonecos de diversão de cabeças estouvadas. Quem assume altos cargos no sector financeiro não pode fazê-lo sem saber que as suas decisões têm consequências na vida de milhares ou de milhões de indivíduos.
Todavia, o que repetidamente tem sucedido é o oposto, e tem sucedido com uma surpreendente impunidade. Mas esta impunidade tem de terminar, caso contrário não conseguiremos sair do pântano nem elevar o nosso nível de civilidade.
Há responsáveis? Há.
Há responsáveis? Há.
Do ponto de vista político.
Depois do PREC, e retirando os episódicos governos de iniciativa presidencial, temos sido governados apenas por três partidos. Aproximadamente com a seguinte temporalidade: o CDS participou em governos durante 6 anos; o PSD governou sozinho 9 anos e meio e em coligação cerca de 8 anos; o PS governou sozinho 14 anos e em coligação cerca de 3. O PSD governou durante oito anos com maioria absoluta e o PS durante quatro anos e meio, nos últimos seis.
Estes partidos, em particular o PS e o PSD, são os responsáveis políticos pela situação a que o país chegou. Não há desculpas, não há conjunturas que os ilibem. São trinta e cinco anos consecutivos de exercício do poder político que culminam no abismo. Deste modo, não há muitas hipóteses interpretativas do fracasso: ou o modelo de sociedade que defendem não serve, ou os seus intérpretes são incompetentes, ou ambas as coisas. A nossa elite política é objectivamente inepta.
Do ponto de vista económico e financeiro.
Para além do défice, Portugal tem um problema grave: o problema da dívida — a nossa dívida externa é gigantesca, dizem-nos. Vamos admitir que sim, que é gigantesca. Uma parte da dívida externa é dívida pública. Os responsáveis pela dívida pública são os governantes, conjuntamente com os gestores das empresas públicas. São eles que definem e gerem os gastos da coisa pública. Se eles concordam que a dívida é excessiva, terão de ser eles mesmos a responder publicamente por essas contas. Quem mais pode responder por elas, senão quem parte e reparte o bolo? Mas isso não acontece, ninguém responde, e ninguém lhes exige essa resposta. Também aqui a impunidade é rainha. E também aqui se vê como a nossa elite de governantes e de gestores públicos é inepta.
A outra parte da dívida externa (por sinal, a maior parte) é de origem privada. Acerca desta dívida privada (empresas e famílias), é comum ouvir-se o seguinte: os portugueses endividaram-se demais, consumiram demais, viveram acima das suas possibilidades. Desta narrativa conclui-se que a culpa é, então, dos portugueses, dos aluados portugueses, de todos os portugueses. É uma narrativa interessante, particularmente interessante se se pensar que ela desresponsabiliza quem, em primeiro lugar, deveria e deve ser responsabilizado. É que, chegados a este ponto da narrativa, há uma questão pertinente que nunca é respondida: neste sobreendividamento, que responsabilidades têm os nossos financeiros, que responsabilidades cabem aos nossos banqueiros? Então, a sempre elogiada competência ou a sempre elogiada excelência dos nossos homens das finanças privadas não viu que os enormes montantes de empréstimos que estavam a conceder também estavam a endividar excessivamente o país? Quando os nossos banqueiros ostensivamente incentivavam toda a gente a contrair empréstimos para tudo e mais alguma coisa, não sabiam que estavam a elevar os níveis de endividamento a um ponto que agora consideram excessivo? Nessa altura, onde estava a sempre elogiada competência ou a sempre elogiada excelência dos nossos banqueiros? Como é possível que estes banqueiros, que foram o motor principal da política do endividamento, surjam, agora, como inocentes vítimas da situação de que foram agentes?
Mais uma vez, a impunidade é a regra e mais uma vez se vê como outra das nossas elites, neste caso a financeira, é inepta.
Mais grave que o nosso défice e mais grave que a nossa dívida externa é a mediocridade das nossas elites.
A outra parte da dívida externa (por sinal, a maior parte) é de origem privada. Acerca desta dívida privada (empresas e famílias), é comum ouvir-se o seguinte: os portugueses endividaram-se demais, consumiram demais, viveram acima das suas possibilidades. Desta narrativa conclui-se que a culpa é, então, dos portugueses, dos aluados portugueses, de todos os portugueses. É uma narrativa interessante, particularmente interessante se se pensar que ela desresponsabiliza quem, em primeiro lugar, deveria e deve ser responsabilizado. É que, chegados a este ponto da narrativa, há uma questão pertinente que nunca é respondida: neste sobreendividamento, que responsabilidades têm os nossos financeiros, que responsabilidades cabem aos nossos banqueiros? Então, a sempre elogiada competência ou a sempre elogiada excelência dos nossos homens das finanças privadas não viu que os enormes montantes de empréstimos que estavam a conceder também estavam a endividar excessivamente o país? Quando os nossos banqueiros ostensivamente incentivavam toda a gente a contrair empréstimos para tudo e mais alguma coisa, não sabiam que estavam a elevar os níveis de endividamento a um ponto que agora consideram excessivo? Nessa altura, onde estava a sempre elogiada competência ou a sempre elogiada excelência dos nossos banqueiros? Como é possível que estes banqueiros, que foram o motor principal da política do endividamento, surjam, agora, como inocentes vítimas da situação de que foram agentes?
Mais uma vez, a impunidade é a regra e mais uma vez se vê como outra das nossas elites, neste caso a financeira, é inepta.
Mais grave que o nosso défice e mais grave que a nossa dívida externa é a mediocridade das nossas elites.