«Dois modestos alfaiates judeus, num bairro pobre de Londres, trabalhavam em frente um do outro desde o fim da Segunda Guerra mundial. Cortavam e cosiam incansavelmente, falando de vez em quando disto e daquilo.
Um deles disse ao outro:
— Vais de férias, este ano?
— Não — respondeu o segundo, após um momento de reflexão.
Retomaram o silêncio. Mais tarde. o segundo alfaiate disse de súbito:
— Fui de férias em 1964.
— Foste de férias em 1964? — perguntou o primeiro, muito admirado.
— Fui.
O primeiro alfaiate, que não se lembrava nada da ausência do seu companheiro, disse-lhe então:
— E aonde foste tu nessa férias?
— à Índia.
— à Índia?
— Sim. Fui caçar o tigre de Bengala.
— Foste caçar o tigre de Bengala? Tu?
Os dois homens tinham parado de trabalhar e olhavam-se. O segundo alfaiate, que parecia perefeitamente calmo, retomou então a palavra para contar o seguinte:
— Parti de madrugada num elefante magnífico que um grande príncipe me tinha emprestado. Armado com quatro espingardas com coronhas de prata e acompanhado por toda uma escolta de batedores, aventurei-me na montanha solitária. De súbito, um tigre enorme ergueu-se diante da minha montada a rugir, o maior tigre jamais visto nesta região de Bengala. Espantado, o meu elefante desequilibrou-se para trás, eu caí nos arbustos espinhosos, o tigre lançou-se sobre mim e devorou-me.
— Devorou-te? — perguntou o primeiro alfaiate, que tinha estado a ouvir estupefacto.
— Comeu-me todo, até ao último bocado da minha carne.
— Ora, ora, que contas tu? Não te comeu nenhum tigre! Ainda vives!
Então o segundo alfaiate pegou de novo na linha, na agulha e disse ao primeiro:
— Chamas a isto viver?»
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos.