terça-feira, 26 de abril de 2011

Manifesto dos economistas aterrorizados - 1

Transcrevo excertos do «Manifesto dos Economistas Aterrorizados», assinado por Philippe Askenazy, Thomas Coutrot, André Orléan e Henri Sterdyniak (economistas da Associação Francesa de Economia Política), publicado, em França, em Setembro de 2010.
Vale a pena ler.

«Falsa certeza n.º 1: 
Os mercados financeiros são eficientes.


Apesar de tudo o que aconteceu, o G20 persiste ainda hoje na ideia de que os mercados financeiros constituem o melhor mecanismo de afectação do capital. A primazia e integridade dos mercados financeiros continuam por isso a ser os objectivos finais da nova regulação financeira. A crise é interpretada não como o resultado inevitável da lógica dos mercados desregulados, mas sim como um efeito da desonestidade e irresponsabilidade de certos actores financeiros, mal vigiados pelos poderes públicos. 

A crise, porém, encarregou-se de demonstrar que os mercados não são eficientes e que não asseguram uma afectação eficaz do capital. As consequências deste facto em matéria de regulação e de política económica são imensas. A teoria da eficiência assenta na ideia de que os investidores procuram (e encontram) a informação mais fiável possível quanto ao valor dos projectos que competem entre si por financiamento. Segundo esta teoria, o preço que se forma num mercado reflecte a avaliação dos investidores e sintetiza o conjunto da informação disponível: constitui, portanto, um bom cálculo do verdadeiro valor dos activos. [...] O capital é, portanto, investido nos projectos mais rentáveis, deixando de lado os projectos menos eficazes. Esta é a ideia central da teoria: a concorrência financeira estabelece preços justos, que constituem sinais fiáveis para os investidores, orientando eficazmente o crescimento económico.

Mas a crise veio justamente confirmar o resultado de diversos trabalhos científicos que puseram esta proposição em causa. A concorrência financeira não estabelece, necessariamente, preços justos. Pior: a concorrência financeira é, frequentemente, desestabilizadora e conduz a evoluções de preços excessivas e irracionais, as chamadas bolhas financeiras.

O principal erro da teoria da eficiência dos mercados financeiros consiste em transpor, para os produtos financeiros, a teoria usualmente aplicada aos mercados de bens correntes. Nestes últimos, a concorrência é em parte auto-regulada, em virtude do que se chama a "lei" da oferta e da procura: quando o preço de um bem aumenta, os produtores aumentam a sua oferta e os compradores reduzem a procura; o preço baixa e regressa, portanto, ao seu nível de equilíbrio. Por outras palavras, quando o preço de um bem aumenta, existem forças de retracção que tendem a inverter essa subida.  [...] A ideia da eficiência nasce de uma transposição directa deste mecanismo para o mercado financeiro.

Mas neste último caso a situação é muito diferente. Quando o preço aumenta é frequente constatar não uma descida mas sim um aumento da procura! De facto, a subida de preço significa uma rentabilidade maior para aqueles que possuem o título, em virtude das mais-valias que auferem. A subida de preço atrai portanto novos compradores, o que reforça ainda mais a subida inicial. As promessas de bónus incentivam os que efectuam as transacções a ampliar ainda mais o movimento. Até ao acidente, imprevisível mas inevitável, que provoca a inversão das expectativas e o colapso. [...] É a bolha especulativa: uma subida acumulada dos preços que se alimenta a si própria. Deste tipo de processo não resultam preços justos mas sim, pelo contrário, preços inadequados.

O lugar preponderante que os mercados financeiros ocupam não pode, portanto, conduzir a eficácia alguma. Mais do que isso, é uma fonte permanente de instabilidade,[...]. Esta instabilidade, nascida no sector financeiro, propaga-se a toda a economia real através de múltiplos mecanismos.

Para reduzir a ineficiência e instabilidade dos mercados financeiros, avançamos com quatro medidas: 

Medida n.º 1: Circunscrever com grande rigor os mercados financeiros e as actividades dos actores financeiros, proibir que os bancos especulem por conta própria, para evitar a propagação das bolhas e do crash das Bolsas; 
Medida n.º 2: Reduzir a liquidez e a especulação desestabilizadora, através do controlo dos movimentos de capitais e de taxas sobre as transacções financeiras; 

Medida n.º 3: Limitar as transacções financeiras às que correspondem a necessidades da economia real (ex.: CDS [credit default swaps]unicamente para os detentores de títulos garantidos); 

Medida n.º 4: Estabelecer um tecto para as remunerações dos operadores de transacções financeiras.»
Adaptado de Courrier internacional, n.º 177, e do blogue Luis Nassif Online.