O eterno problema da realidade
«Quando o superior do templo de Mioshin-ji, no Japão, quis mandar pintar um dragão no tecto central, aconselharam-no a dirigir-e ao pintor Tanyu, que ensinava pintura ao próprio imperador. Dizia-se que os dragões pintados por Tanyu atingiam uma força de extraordinário realismo. contava-se mesmo que um tecto tinha caído um dia por causa do movimento perfeito dado pelo pintor à cauda do animal fabuloso.
O superior do templo dirigiu-se a casa do pintor e disse-lhe:
— Está bem, mas ara o templo de Mioshin-ji quero que o dragão seja pintado por um modelo.
— Muito me espanto — respondeu o pintor — e devo confesar que nunca vi um dragão.
— De verdade?
— Verdade. Por isso vejo-me forçado a recusar a tua encomenda.
— Compreendo-te. Seria muito insensato pedir o retrato de um dragão a alguém que nunca viu nenhum. Mas porque não tentas tu ver um?
— Onde poderia ver um dragão? — exclamou o pintor. — Onde vivem eles?
— Mas lá em casa, por exemplo, temos muitos. queres ir vê-los?
— Aceito já. —disse o pintor.
Os dois homens puseram-se a caminho. Chegado ao templo, o pintor pediu para ver os dragões. O superior voltou o rosto em todas as direcções e disse ao pintor, que estava com ele num compartimento:
— Estão muitos aqui. Não os vês?
— Não — disse o pintor. — Não os vejo.
— Mas que pena. Lá terás de ter paciência.
O pintor passou dois anos no templo praticando assiduamente o zen. Uma manhã, fremente de excitação, precipitou-se para o superior e disse-lhe:
— Vi um dragão vivo! Existe! Vi-o!
— Tens a certeza?
— Tenho a certeza! Vi-o como te vejo a ti!
— Muito bem. Tinha a certeza que virias a conseguir vê-los. E diz-me: que tal achas o grito dele?»
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos