sexta-feira, 29 de abril de 2011

A farsa avaliativa recebeu autorização para continuar

Este país já perdeu a capacidade de surpreender. As coisas mais néscias acontecem com naturalidade, com regularidade e com impunidade. Nos últimos anos, vivemos e convivemos com a incompetência e com a idiotice, quase diariamente. 
Por isso, não causou admiração o anúncio do chumbo, decretado pelo Tribunal Constitucional, da revogação da avaliação docente. Não me pronuncio, como já o disse anteriormente, sobre o acerto ou o desacerto das decisões daquele tribunal, porque não tenho competência para isso — ao contrário de muito opinador, não falo do que não sei —, mas pronuncio-me, isso sim, quanto ao processo que conduziu a esta decisão. E pronuncio-me com particular autoridade, porque é da minha vida profissional e da vida profissional de milhares de professores que se trata.
Porque chegámos a este ponto? Sinteticamente, por três razões: 

1.ª Porque temos um Governo tecnicamente incompetente e politicamente irresponsável. Como legisla por impulso cego e arbitário, o que produz é, em regra, mau e com consequências desastrosas. Assim aconteceu com a sua política económica e financeira, assim aconteceu com a sua política educativa, assim aconteceu com o seu modelo de avaliação do desempenho dos professores: um amontoado de arbitrariedade e disformidades, com consequências gravíssimas no destino e no desenvolvimento profissional de milhares de docentes. 

2.ª Porque temos um presidente da República sem critério de actuação. Sobre questões da mesma natureza, hoje procede de uma forma, amanhã procede de forma oposta. Umas vezes os critérios políticos sobrepõem-se aos critérios formais, outras vezes é o inverso. Navega sem norte, segue ao sabor do vento, ou ao sabor das suas próprias conveniências. Várias decisões, do Governo ou da Assembleia da República, não foram julgadas pelo PR segundo o mesmo critério com que julgou a revogação  da avaliação dos professores. Assim aconteceu, por exemplo, com o recente corte nos salários dos funcionários públicos, que tanta polémica suscitou  acerca da sua constitucionalidade. Apesar das fundadas dúvidas publicamente apresentadas por vários especialistas, o PR não dirigiu ao TC qualquer pedido de fiscalização preventiva. Nessa altura não teve pruridos constitucionais. Agora teve-os. Porquê? Não se sabe.

3.º Porque temos um partido político, o PSD — único responsável partidário (para além do PS, como é óbvio) pela situação a que hoje se chegou — que nesta matéria, como em outras, sempre agiu segundo critérios de oportunismo e de cinismo político. Nunca agiu movido por convicções sérias, mas apenas por aleatórios circunstancialismos de natureza eleitoral. Os factos, para a história, são estes:
i) No fim de 2009, o PSD, poucos dias antes da votação da proposta de suspensão do modelo de avaliação, declarava publicamente a sua absoluta concordância com Santana Castilho, que, num debate na Assembleia da República, para o qual tinha sido convidado pelos sociais-democratas, defendeu a sua imediata e imperiosa suspensão;
ii) Chegado o dia da votação, o PSD absteve-se, impedindo que o modelo fosse suspenso. Sem o mínimo de pudor, Aguiar Branco e Pedro Duarte simbolizaram, no Parlamento, o que de mais repulsivo existe em muitos políticos: a falta de seriedade, a falta de palavra;
iii) No ano lectivo 2010/2011, salvo o erro, por duas vezes, o PSD voltou a impedir que o actual modelo de avaliação fosse revogado, não apoiando as propostas legislativas que, nesse sentido, foram apresentadas pelo BE e pelo PCP;
iv) Só em Março deste ano, não se sabe bem por que razões, o PSD decidiu votar a favor da revogação. Tarde e a más horas e, como se vê pelos resultados, de forma incompetente.

Se a mediocridade, a incompetência e a falta de seriedade política residissem apenas no seio do Governo e do PS, já há muito que este modelo de avaliação tinha sido chumbado e já há muito que as escolas e os professores tinham ficado livres de uma farsa que os atinge e indigna. Mas, desgraçadamente, não é assim. A mediocridade, a incompetência e a falta de seriedade política são características bem marcantes dos partidos do denominado bloco central. Não admira, pois, que o país, que a Educação e que, neste caso, os professores estejam confrontados com esta oprobriosa situação.