domingo, 15 de maio de 2011

Uma semana rica

Observações sobre uma semana rica em acontecimentos.

Domingo, 8. Apresentação do programa eleitoral do PSD. Ainda só li a parte relativa à Educação. A Apede, o Paulo Guinote, o Paulo Prudêncio, o Octávio Gonçalves, entre outros, formularam as críticas que deviam ser formuladas. Globalmente, subscrevo-as, não as vou repetir. 
No domingo passado, a minha curiosidade residia fundamentalmente em querer saber como é que o PSD tinha resolvido um problema de fundo — refiro-me ao que era uma contradição objectiva: ter José Manuel Canavarro e Santana Castilho a colaborarem na elaboração do mesmo programa. Depois de conhecido o manifesto eleitoral, foi fácil perceber como é que a contradição foi resolvida: nos aspectos essenciais, as ideias de Canavarro ficaram no programa; nos aspectos acessórios, foram introduzidas algumas frases soltas de Santana Castilho. Daqui resultou um aglomerado de diversas ideias más e de poucas ideias boas. É um texto que vive de vários clichés ideológicos e que revela uma deficiente leitura da realidade educativa portuguesa, ao que ainda se pode adicionar o pouco cuidado tido na sua elaboração.
A introdução de frases soltas e a falta de cuidado na redacção estão suficientemente ilustradas nesta frase: «É imperioso exigir dos responsáveis pela definição da política educativa três coisas, a saber: que se ponha cobro à constante alteração do modelo educativo, assente na burocracia e em produção legislativa asfixiante.» (Programa Eleitoral do PSD, p. 94). Afirma-se que é preciso exigir «três coisas, a saber:» e, depois, apresenta-se apenas uma, das supostas três coisas! É espantoso verificar que ninguém releu o texto, antes de ser publicado. Antigamente, chamava-se a isto falta de brio e falta de respeito pelo eleitor. Um programa eleitoral não pode ser algo que se faz em cima do joelho, à pressa, com base num atabalhoado copy and paste, como foi o caso. A frase original, que é de Santana Castilho e que foi adulterada e mal copiada, é esta: «[...] exigir dos responsáveis pela definição da política educativa três coisas, a saber: que ponham cobro ao histerismo reformista continuado, assente na burocracia asfixiante e na produção legislativa Kafkiana; que assumam, de forma consequente, que os problemas nucleares do Ministério da Educação são, hoje, o facilitismo e a indisciplina; que refundem, técnica e cientificamente, o sistema de ensino, com o envolvimento da comunidade escolar.» (O Ensino Passado a Limpo, pp. 14-15). 

De segunda a quarta-feira, 9-11. A irresponsabilidade e a incompetência dos políticos do PS e do PSD tornaram-se, nestes dias, um espectáculo diário e triste. Pergunto aos botões: como é possível que os responsáveis dos dois partidos, que mais probabilidades têm de vencer as eleições, se revelem tão ineptos? Como é que este país pode sobreviver com políticos de tão fraca qualidade? Como é possível que de manhã digam uma coisa e à tarde o seu contrário? Como é possível chegar-se ao ponto de um líder ter de dizer publicamente que quem manda é ele? Como é possível que um partido tenha duas, três, quatro vozes a falar e a dizer cada um a sua coisa? Como é possível que um partido critique veementemente a proposta de outro e que, quando inquirido sobre o mesmo assunto, responda que ainda vai estudar o assunto? Como é que um partido, que é governo, mente despudoradamente acerca de um acordo que assinou, enquanto governo, e com o qual se comprometeu?
PS e PSD mereciam ser duramente castigados pelo eleitorado. A leviandade com que se apresentam ao país é um crime cívico, para além de constituir uma vergonha nacional.

Quinta-feira, 12. Por respeito a Santana Castilho, fui à apresentação do seu livro O Ensino Passado a Limpo. Adicionalmente, esperava ver como é que Passos Coelho (que prefaciou e tinha a incumbência  de apresentar a obra) iria sair do imbróglio (mais um) em que se tinha metido: por um lado, ter manifestado publicamente a sua concordância com as ideias de Santana Castilho e, consequentemente, o ter convidado para colaborar na redacção do programa eleitoral do PSD; por outro lado, ter adoptado, nesse programa, as ideias de José Manuel Canavarro, que em quase tudo colidem com as de Santana Castilho.
Passos Coelho saiu do imbróglio dizendo, no momento em que apresentava o livro, que iria fazer correcções ao programa eleitoral — que, curiosamente, tinha dado a conhecer ao país quatro dias antes...
Mas este episódio (revelador de humildade, mas também confirmador da enorme leviandade que existiu na elaboração do programa) acabou por ser uma minudência. Uma minudência porque foi sucedido pelo discurso de Santana Castilho, marcado pela elevação ética e política.
Santana Castilho deu uma dupla lição a um mal assessorado e mal preparado candidato a primeiro-ministro: uma lição de seriedade e de frontalidade e uma lição de conhecimento e de lucidez. Lamentavelmente, para a Educação, essa lição não dará frutos, porque não tem campo onde possa medrar.

Sábado, 14. Li o livro de Santana Castilho. Tenho uma divergência e uma dúvida. De modo muito sintéctico:
— Divergência: «exames nacionais sérios a todas as disciplinas de todos os ciclos de estudo» (p. 43).  Defendo a existência de exames, mas apenas como um mal menor: enquanto elemento que potencialmente pode introduzir alguma correcção à disparidade de critérios de avaliação que, a nível nacional, inevitavelmente existe entre tantos e tão  diferentes professores. Neste preciso contexto, parece-me um desnecessário dispêndio de energias e de verbas realizar exames nacionais a todas as disciplinas e em todos os ciclos de estudo. Os exames têm demasiadas e inultrapassáveis limitações técnicas para que haja ganho substantivo na sua radical generalização;
— Dúvida: quanto à forma de operacionalizar a separação (com a qual concordo) entre avaliação (formativa) e classificação do desempenho docente. A dúvida existe porque não é explicitado o modo como o autor concebe a concretização dessa separação. E, neste caso, o modo de realizar essa separação será, certamente, um dos factores decisivos no julgamento do modelo.
Explicitadas a divergência e a dúvida, deixo a minha opinião sobre o trabalho de Santana Castilho: 
1. É um livro de leitura obrigatória, para todos os professores.
2. É uma excelente orientação para a política educativa de que Portugal precisa.