sexta-feira, 11 de março de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 15

Os erros técnicos e de concepção deste modelo de avaliação repetem-se, como temos visto, ao longo das várias dimensões dos padrões de desempenho. Encerro a análise da terceira dimensão com mais três exemplos.

O segundo descritor do nível «Excelente» enuncia: «Apresenta sugestões que contribuem para a melhoria da qualidade da escola, trabalhando de forma continuada com os diferentes órgãos e estruturas educativas constituindo uma referência na organização.» O segundo descritor do nível «Muito Bom» tem o mesmo conteúdo, com uma única diferença: foi substituído o gerúndio «trabalhando» pelo gerúndio «colaborando.»

O terceiro descritor do nível «Muito Bom» enuncia: «Participa regularmente no desenvolvimento de projectos de intervenção, formação e/ou investigação, orientados para a melhoria da qualidade da escola.»O terceiro descritor do nível «Bom» tem o mesmo conteúdo, com uma única diferença: foi-lhe retirado o advérbio «regularmente».

O quarto descritor do nível «Excelente» enuncia: «Mostra iniciativa no desenvolvimento de actividades que visam atingir os objectivos institucionais da escola e investe, sistematicamente, no maior envolvimento de pais e encarregados de educação e/ou outras entidades da comunidade.»O quarto descritor do nível «Muito Bom» tem o mesmo conteúdo, mas com uma única diferença: foi-lhe retirado o advérbio «sistematicamente».

É claro que a alteração ou a supressão de termos em descritores que se referem ao mesmo indicador tem o propósito de distinguir os desempenhos, de modo a serem inseridos numa hierarquia de níveis de desempenho. Ora um dos graves problemas que se tem levantado é exactamente este: a forma como essa distinção é feita, nos descritores, é incompetente. Isto é, não cumpre a finalidade de operacionalizar a distinção dos desempenhos. 
Não cumpre por duas razões de diferente natureza, ainda que uma seja derivada da outra.
1. Razão de natureza técnica e objectiva: as alterações e as supressões de termos realizadas ao longo dos múltiplos descritores dos padrões do desempenho redundam invariavelmente ou em dúvidas, ou em indefinições, ou em incongruências. Em lugar de serem referenciais que ajudem a objectivar a avaliação são referenciais que potenciam a arbitrariedade na avaliação. 
No decurso destes «Apontamentos» têm sido dados muitos exemplos que ilustram o que acabei de afirmar. Os descritores da terceira dimensão acima enunciados são mais três desses casos. Pretender avaliar o desempenho de um professor através da diferenciação semântica existente entre os gerúndios dos verbos «trabalhar» e «colaborar» é o mesmo que pretender achar a agulha no palheiro. Pretender avaliar o desempenho de um professor a partir da identificação da fronteira entre «sistematicamente» e não sistematicamente ou entre «regularmente» ou não regularmente é o mesmo que pretender construir um edifício sobre areias movediças. Ninguém sabe objectivar estas diferenciações, e, não se sabendo, todo o processo avaliativo fica hipotecado.
Todavia, para além destas razões de natureza técnica e objectiva, existe uma outra razão.
2. Razão de natureza conceptual, que se consubstancia numa contradição insuperável presente neste modelo de avaliação: procurar atomizar, particularizar e objectivar ao pormenor um objecto — desempenho docente — que não é atomizável, particularizável ou objectivável ao pormenor. O desempenho docente é um desempenho complexo, onde intervêm múltiplas variáveis que não são susceptíveis de atomização, particularização ou objectivação. Desta forma, todas as tentativas de estabelecimento de fronteiras entre comportamentos complexos saem goradas. A realidade não se molda a desejos ou a obsessões avaliativas. Por mais voltas que o mundo dê, ninguém sabe qual é a diferença entre «revelar preocupação» e «revelar alguma preocupação», ou a diferença entre «participar com regularidade» e «participar com alguma regularidade», ou a diferença entre... entre tantos outros exemplos que poderia voltar a enumerar.
Os critérios e os instrumentos de avaliação têm de se adaptar à natureza do objecto avaliado e não o contrário, como se pretende com estes padrões de desempenho.
Significa isto que é preciso mudar radicalmente de modelo.


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. Sub-repticiamente 
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