sábado, 12 de março de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

Como fazer vir a chuva

Nas tradições do Médio Oriente encontra-se um personagem insuportável e delicioso que geralmente se chama Nasreddin Hodjâ. As suas histórias (inúmeras) contam-se por toda a parte, da Turquia à Pérsia, da Síria ao Egipto, onde é chamado Gohâ. Estas mesmas histórias encontram-se na tradição popular judia, onde o personagem se chama Ch'hâ, e no Norte de África, onde é mais conhecido sob o nome de Djeha. Seguem-se-lhe vestígios até à polónia, onde o seu nome é Srulek.
Este homem apresenta uma espantosa mistura de ingenuidade, até de estupidez e de astúcia extrema. Grande fornecedor de conselhos que se escusa de seguir, surge portador de todos os defeitos dos homens: é avaro, mentiroso, invejoso, cobarde e rigorosamente egoísta. A vida parece-lhe absurda, adapta o seu comportamento a este absurdo. É este príncipe da lógica popular que Gurdjiev, nos Contos de Belzebú ao seu netinho, colocava no topo da sabedoria humana. [...]
Conta-se na Pérsia que um dia, num tempo de seca tenaz, uma delegação foi ter com ele para lhe perguntar se conhecia um meio de mandar vir chuva.
— Claro — disse ele —, conheço um.
— Depressa. Diz-nos o que há a fazer.
Nasreddin pediu que lhe trouxessem uma bacia cheia de água, o que foi feito com grande custo. Quando lhe deram a bacia, tirou a roupa e, para espanto de todos, pôs-se a lavá-la tranquilamente.
— Como!? — exclamaram. — Juntámos toda a água que nos restava e tu serves-te dela para lavar a tua roupa!
— Não vos inquieteis — respondeu Nasreddin — que eu sei muito bem o que estou a fazer.
Levou todo o tempo necessário, a despeito dos insultos e das ameaças. Lavou a roupa com minúcia e depois disse:
— Agora preciso de outra bacia de água.
Os membros da delegação gritaram ainda mais alto. Onde encontrar a segunda bacia? E para quê? Teria ele perdido o juízo?
Narreddin manteve-se muito calmo e obstinado.
— Sei muito o que faço — dizia ele.
Procuraram por toda a parte, espremeram o barro dos poços, até roubaram a água às crianças, mas trouxeram por fim a segunda bacia.
Narreddin mergulhou nela a sua roupa e enxaguou-a cuidadosamente.
Os outros olhavam, estupidificados. Já não tinham sequer força para gritar.
Finalmente, ele pediu-lhes que o ajudassem a torcer a sua roupa para a escoar bem. Depois levou-a para o seu patiozinho e pendurou-a numa corda para a pôr a secar.
Quase no mesmo instante formaram-se grossas nuvens que se aproximaram e a chuva caiu com abundância.
— Aí têm — disse pausadamente Narreddin. — É sempre o mesmo, quando estendo a roupa.
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos.