sexta-feira, 4 de março de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 14

O exercício do escrutínio público e o debate do contraditório são os únicos meios de que dispomos para podermos avaliar da qualidade das ideias e da adequação dos processos. É pois fundamental que o modelo de avaliação do desempenho docente seja publicamente examinado e discutido de modo a que, sem demagogia política, ou de outra ordem, seja possível aquilatar da sua qualidade e da sua adequação.
Os defensores do modelo têm mantido silêncio, o que nada abona em seu favor, pois o silêncio só pode ser entendido como arrogância, ou como fragilidade argumentativa. Todavia, perante a insistência e o crescendo de críticas que têm sido dirigidas ao modelo avaliativo, e perante a possibilidade, cada vez mais plausível, do modelo vir a ser suspenso, tem-se começado a ouvir um argumento, em sua defesa. A saber:
— Está a ser dada demasiada importância ao conteúdo específico de cada descritor, quando o que deve ser feito é dar importância ao que globalmente os descritores apontam. Não devemos preocupar-nos com a crítica analítica dos descritores, devemos preocupar-nos com a visão de conjunto que eles nos proporcionam. 
Penso ser útil verificar a pertinência deste argumento (e concluirei apenas para a semana as observações à terceira dimensão).

Na minha opinião, o argumento revela uma contradição de fundo com a natureza e o conteúdo dos padrões de desempenho definidos pelo modelo e, acima de tudo, nada clarifica, pelo contrário, parece até aumentar a nebulosa em torno deste processo avaliativo.
A contradição de fundo reside no seguinte. O despacho n.º 16034/2010, do Gabinete da Ministra, que define os Padrões do Desempenho Docente, referindo-se aos níveis e aos descritores, afirma: «A definição de níveis de desempenho tem por objectivo a descrição pormenorizada do desempenho docente por forma a clarificar o que deve ser avaliado. A formulação dos níveis descreve comportamentos passíveis de serem observados ou documentados e de acordo com uma escala que determina o seu grau de concretização.» (Os negritos são meus). Este excerto ilustra bem que estamos perante um modelo avaliativo que investe e se sustenta na descrição pormenorizada do desempenho, que investe e se sustenta na descrição dos comportamentos. Quem procede à atomização comportamental é o modelo avaliativo.  Isto é, quem optou por sustentar a avaliação docente numa analítica comportamental foi o modelo. Assim sendo, como se compreende que agora se pretenda fugir ao escrutínio analítico das descrições comportamentais que o modelo apresenta? Para se testar se as descrições comportamentais enunciadas, pelo modelo, são pertinentes para fins avaliativos, elas têm de ser escrutinadas. Não há outra forma séria de se proceder. 
Assim, só se pode entender o «desvio» argumentativo que agora é apresentado — defender que os descritores já não devem ser lidos na sua especificidade, mas na sua globalidade — como a assunção de que eles, descritores, não resistem ao exame que lhes é feito. Ou seja, enquanto «descrições pormenorizadas do desempenho docente», eles não servem. Este reconhecimento deve ser registado, porque, na verdade, está a assumir-se que os descritores são incompetentes para a função que foram pensados.
Todavia, o que é que, agora, nos é proposto em troca? É-nos proposto que vejamos os descritores na globalidade. Já não interessa propriamente o desempenho para que cada um dos descritores  reporta, interessa o desempenho para o qual, globalmente, os descritores remetem.
Este novo caminho proposto suscita várias interrogações e uma perplexidade.
As interrogações: em rigor, o que significa: «ver os descritores na globalidade»? Em termos práticos, de que forma se reveste e de que modo se concretiza essa visão global da realidade para que os descritores remetem? Segundo que critérios se deve orientar esse visonamento global?
A perplexidade: procurar construir uma visão global do desempenho de um professor a partir de parcelas/descritores inoperantes, impertinentes e, em alguns casos, absurdos, que fiabilidade possui?
Não me parece ser intelectualmente honesto que, perante um problema que não se consegue resolver, se pretenda ultrapassá-lo com propostas que, na sua substância, são vazias. O modelo não tem sustentação. É um castelo de areia, e como todos os castelos de areia, deixará de ser castelo para ser apenas areia.

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