sábado, 26 de março de 2011

Desesperos

Um dos modos de testar a qualidade dos políticos é observarmos como eles reagem a situações adversas. Esta semana, tivemos dois significativos momentos para fazermos essa observação: a reprovação do PEC 4 e a revogação do modelo de avaliação de desempenho dos professores. Vou centrar-me neste segundo caso.
A partir do momento em que o PSD anunciou que iria juntar os seus votos aos votos da restante oposição, para pôr fim à ADD, os dirigentes do PS (de deputados a membros do Governo) reagiram de um modo inusitado. Digo de um modo inusitado, porque já todos observámos políticos a reagir com agressividade e contundência a determinadas derrotas políticas, mas eu nunca tinha tido a oportunidade de ver tantos e tão desequilibrados e desorientados comportamentos, como aqueles que nos foram dados ver, antes e depois da votação na Assembleia da República, por parte dos responsáveis do Partido Socialista. Olhares, esgares, tonalidades vocais, movimentos corporais, todos revelavam um inesperado desespero. A adjectivação e a argumentação produzida completavam e confirmavam os sinais do descontrolo.
Não vale a pena perder tempo com a adjectivação. Vamos aos argumentos que, supostamente, justificam o inusitado desespero.

1.º argumento: «A meio do ano lectivo, não se podem introduzir alterações. Esta alteração é feita a meio do ano lectivo, logo ela não pode ser introduzida.» Este é o argumento da ministra da pasta,  é o argumento do ministro A, do ministro B, do deputado X, do deputado Y, do opinador ∂, do opinador ß e por aí fora.
Significa, por conseguinte, que para os governantes e deputados socialistas nunca, em nenhuma circunstância, é admissível, é aceitável introduzir alterações a meio de um ano lectivo. Este argumento é sério? Não é. E quem o convoca sabe que não é sério. 
Vejamos.
Foi exactamente no 2.º Período, do ano lectivo 2007-2008, que o Governo socialista, presidido pelo actual primeiro-ministro, introduziu uma alteração radical no processo de avaliação dos professores. Isto é, a meio do ano lectivo. Curiosamente, nessa altura, não tivemos nem a oportunidade nem o prazer de ouvir este argumento. Em Abril de 2008, já não no 2.º período, mas no início do 3.º período, nova alteração é introduzida, com a assinatura do célebre Memorando de Entendimento assinado por Lurdes Rodrigues e os sindicatos. Isto é, já depois de meio do ano lectivo. Nessa altura voltámos a não ter nem a oportunidade nem o prazer de ouvir nenhuma das vozes que agora se levantam contra a introdução de alterações a meio de um percurso. Finalmente, em Janeiro de 2010, novamente no 2.º período, foi celebrado o famoso Acordo assinado entre o Governo e alguns sindicatos que permitiu introduzir alterações na legislação sobre o ECD e a avaliação dos professores. Isto é, a meio do ano lectivo. E, pela terceira vez, não tivemos nem a oportunidade nem o prazer de ouvir o argumento agora invocado. 
Sem querer ser maçador, recordo ainda que os Padrões de Desempenho do actual modelo de avaliação foram publicados, ou, melhor, foram introduzidos, em Outubro de 2010, isto é, rigorosamente a meio do ciclo avaliativo.
Portanto, penso que quanto à seriedade deste argumento, estamos esclarecidos.

2.º argumento: «Esta alteração vai trazer perturbação às escolas.» Isto não é propriamente um argumento, é mais profecia. É uma proposição que nos afirma uma realidade futura. Nestes casos, só mesmo o futuro julgará do acerto ou desacerto da mesma. Só nos resta aguardar, para vermos que convulsões, que manifestações, que paralisações irão ocorrer com a alteração introduzida. 
Mas, se do futuro ninguém pode falar, do passado há quem possa falar. Pode falar quem trabalha nas escolas, não quem está sentado num gabinete ministerial ou num gabinete parlamentar. E faltará à verdade quem negar que aquilo que se estava a passar em milhares de escolas deste país era um verdadeiro pandemónio, caracterizado pelo lema do «salve-se quem puder». Um desvario em que avaliados e avaliadores não sabiam o que fazer nem como fazer. E, curiosamente, o principal responsável pelo caos que estava instalado era o próprio Ministério da Educação, que não respondia às solicitações e aos pedidos de esclarecimento dos professores, sobre os inúmeros problemas e incongruências do modelo de avaliação. Eu próprio e os colegas da minha escola ainda estamos a aguardar pela resposta a um requerimento que foi entregue no M.E., no passado dia 15 de Fevereiro, a solicitar quinze esclarecimentos sobre o processo avaliativo. Passou um mês e meio e nada. Foram centenas as escolas e milhares os professores que diariamente manifestaram a sua incapacidade para, com seriedade e fiabilidade, concretizarem uma monstruosidade pretensamente avaliativa.
Contudo, desta efectiva e real perturbação a ministra, os ministros, a deputada, os deputados socialistas não falam. Falam de uma presuntiva, de uma hipotética e futura perturbação. 
Mas que não haja essa preocupação, porque o que vai acontecer é os professores poderem, finalmente, preocupar-se exclusivamente com os seus alunos, dedicar-se exclusivamente a eles, coisa que, desde há três anos, deixaram de poder fazer. 
É a tranquilidade que vai regressar, porque esta alteração veio pôr fim às arbitrariedades que um modelo de avaliação mal feito fomentava. Essa perturbação gravíssima, que permitia que irresponsavelmente se brincasse com a vida profissional de milhares de professores terminou.

Como se vê, não há razões fundadas para o desespero dos governantes e deputados socialistas. Todavia, o desespero é evidente. E esse desespero abona muito pouco a favor da qualidade destes responsáveis políticos.