sábado, 19 de março de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

A FORMA DA NEVE

Srulek, o Nasreddin ou o Gohâ polaco, chegou um dia junto de um cego e sentou-se ao seu lado.
O cego perguntou-lhe:
— Srulek, diz-me, a neve, como é?
— É branca — respondeu Srulek.
Passado um momento, voltou a perguntar:
— Branca, como?
— Branca — diz Srulek procurando as palavras — branca como o leite.
Um pouco depois, perguntou:
— O leite, é como?
— O leite — diz Srulek — estás a ver, é como as aves que pousam no rio, tu sabes, os cisnes.
— Ah — diz o cego.
Um momento depois, perguntou a Srulek:
— Diz-me, como é um cisne?
— Bem, é uma ave grande, com asas grandes, um pescoço muito comprido e curvo, um bico assim.
Srulek esticou o braço e curvou o punho para imitar um cisne. O cego estendeu a mão e palpou o braço e a mão de Srulek, lentamente, atentamente, antes de dizer sorrindo:
— Ah, sim, agora já vejo como é ela, a neve...
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, pp. 45-46.