sábado, 30 de abril de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

O eterno problema da realidade

«Quando o superior do templo de Mioshin-ji, no Japão, quis mandar pintar um dragão no tecto central, aconselharam-no a dirigir-e ao pintor Tanyu, que ensinava pintura ao próprio imperador. Dizia-se que os dragões pintados por Tanyu atingiam uma força de extraordinário realismo. contava-se mesmo que um tecto tinha caído um dia por causa do movimento perfeito dado pelo pintor à cauda do animal fabuloso.
O superior do templo dirigiu-se a casa do pintor e disse-lhe:
— Está bem, mas ara o templo de Mioshin-ji quero que o dragão seja pintado por um modelo.
— Muito me espanto — respondeu o pintor — e devo confesar que nunca vi um dragão.
— De verdade?
— Verdade. Por isso vejo-me forçado a recusar a tua encomenda.
— Compreendo-te. Seria muito insensato pedir o retrato de um dragão a alguém que nunca viu nenhum. Mas porque não tentas tu ver um?
— Onde poderia ver um dragão? — exclamou o pintor. — Onde vivem eles?
— Mas lá em casa, por exemplo, temos muitos. queres ir vê-los?
— Aceito já. —disse o pintor.
Os dois homens puseram-se a caminho. Chegado ao templo, o pintor pediu para ver os dragões. O superior voltou o rosto em todas as direcções e disse ao pintor, que estava com ele num compartimento:
— Estão muitos aqui. Não os vês?
— Não — disse o pintor. — Não os vejo.
— Mas que pena. Lá terás de ter paciência.
O pintor passou dois anos no templo praticando assiduamente o zen. Uma manhã, fremente de excitação, precipitou-se para o superior e disse-lhe:
— Vi um dragão vivo! Existe! Vi-o!
— Tens a certeza?
— Tenho a certeza! Vi-o como te vejo a ti!
— Muito bem. Tinha a certeza que virias a conseguir vê-los. E diz-me: que tal achas o grito dele?»
In Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A farsa avaliativa recebeu autorização para continuar

Este país já perdeu a capacidade de surpreender. As coisas mais néscias acontecem com naturalidade, com regularidade e com impunidade. Nos últimos anos, vivemos e convivemos com a incompetência e com a idiotice, quase diariamente. 
Por isso, não causou admiração o anúncio do chumbo, decretado pelo Tribunal Constitucional, da revogação da avaliação docente. Não me pronuncio, como já o disse anteriormente, sobre o acerto ou o desacerto das decisões daquele tribunal, porque não tenho competência para isso — ao contrário de muito opinador, não falo do que não sei —, mas pronuncio-me, isso sim, quanto ao processo que conduziu a esta decisão. E pronuncio-me com particular autoridade, porque é da minha vida profissional e da vida profissional de milhares de professores que se trata.
Porque chegámos a este ponto? Sinteticamente, por três razões: 

1.ª Porque temos um Governo tecnicamente incompetente e politicamente irresponsável. Como legisla por impulso cego e arbitário, o que produz é, em regra, mau e com consequências desastrosas. Assim aconteceu com a sua política económica e financeira, assim aconteceu com a sua política educativa, assim aconteceu com o seu modelo de avaliação do desempenho dos professores: um amontoado de arbitrariedade e disformidades, com consequências gravíssimas no destino e no desenvolvimento profissional de milhares de docentes. 

2.ª Porque temos um presidente da República sem critério de actuação. Sobre questões da mesma natureza, hoje procede de uma forma, amanhã procede de forma oposta. Umas vezes os critérios políticos sobrepõem-se aos critérios formais, outras vezes é o inverso. Navega sem norte, segue ao sabor do vento, ou ao sabor das suas próprias conveniências. Várias decisões, do Governo ou da Assembleia da República, não foram julgadas pelo PR segundo o mesmo critério com que julgou a revogação  da avaliação dos professores. Assim aconteceu, por exemplo, com o recente corte nos salários dos funcionários públicos, que tanta polémica suscitou  acerca da sua constitucionalidade. Apesar das fundadas dúvidas publicamente apresentadas por vários especialistas, o PR não dirigiu ao TC qualquer pedido de fiscalização preventiva. Nessa altura não teve pruridos constitucionais. Agora teve-os. Porquê? Não se sabe.

3.º Porque temos um partido político, o PSD — único responsável partidário (para além do PS, como é óbvio) pela situação a que hoje se chegou — que nesta matéria, como em outras, sempre agiu segundo critérios de oportunismo e de cinismo político. Nunca agiu movido por convicções sérias, mas apenas por aleatórios circunstancialismos de natureza eleitoral. Os factos, para a história, são estes:
i) No fim de 2009, o PSD, poucos dias antes da votação da proposta de suspensão do modelo de avaliação, declarava publicamente a sua absoluta concordância com Santana Castilho, que, num debate na Assembleia da República, para o qual tinha sido convidado pelos sociais-democratas, defendeu a sua imediata e imperiosa suspensão;
ii) Chegado o dia da votação, o PSD absteve-se, impedindo que o modelo fosse suspenso. Sem o mínimo de pudor, Aguiar Branco e Pedro Duarte simbolizaram, no Parlamento, o que de mais repulsivo existe em muitos políticos: a falta de seriedade, a falta de palavra;
iii) No ano lectivo 2010/2011, salvo o erro, por duas vezes, o PSD voltou a impedir que o actual modelo de avaliação fosse revogado, não apoiando as propostas legislativas que, nesse sentido, foram apresentadas pelo BE e pelo PCP;
iv) Só em Março deste ano, não se sabe bem por que razões, o PSD decidiu votar a favor da revogação. Tarde e a más horas e, como se vê pelos resultados, de forma incompetente.

Se a mediocridade, a incompetência e a falta de seriedade política residissem apenas no seio do Governo e do PS, já há muito que este modelo de avaliação tinha sido chumbado e já há muito que as escolas e os professores tinham ficado livres de uma farsa que os atinge e indigna. Mas, desgraçadamente, não é assim. A mediocridade, a incompetência e a falta de seriedade política são características bem marcantes dos partidos do denominado bloco central. Não admira, pois, que o país, que a Educação e que, neste caso, os professores estejam confrontados com esta oprobriosa situação.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Manifesto dos economistas aterrorizados - 2

Falsa certeza n.º 2: 
Os mercados financeiros favorecem o crescimento económico

A integração financeira conduziu o poder da finança ao seu zénite, na medida em que ela unifica e centraliza a propriedade capitalista à escala mundial. Daí em diante, é ela quem determina as normas de rentabilidade exigidas ao conjunto dos capitais. O projecto consistia em substituir o financiamento bancário dos investidores pelo financiamento através dos mercados de capitais.

Projecto que fracassou porque hoje, globalmente, são as empresas quem financia os accionistas, em vez de suceder o contrário. Consequentemente, a governação das empresas transformou-se profundamente para atingir as normas de rentabilidade exigidas pelos mercados financeiros. Com o aumento exponencial do valor das acções, impôs-se uma nova concepção da empresa e da sua gestão, pensadas como estando ao serviço exclusivo dos accionistas. E desapareceu assim a ideia de um interesse comum inerente às diferentes partes, vinculadas à empresa. Os dirigentes das empresas cotadas em Bolsa passaram a ter como missão primordial satisfazer o desejo de enriquecimento dos accionistas.

Por isso, eles mesmos deixaram de ser assalariados, como denota o galopante aumento das suas remunerações. De acordo com a teoria da "agência", trata-se de proceder de modo a que os interesses dos dirigentes estejam alinhados com os interesses dos accionistas. Um ROE (Return on Equity ou rendimento dos capitais próprios) de 15% a 25% passa a constituir a norma que impõe o poder da finança às empresas e aos assalariados e a liquidez é doravante o seu instrumento, permitindo aos capitais não satisfeitos, a qualquer momento, ir procurar rendimentos noutro lugar.

Face a este poder, tanto os assalariados como a soberania política ficam, pelo seu fraccionamento, em condição de inferioridade. Esta situação desequilibrada conduz a exigências de lucros irrazoáveis, na medida em que reprimem o crescimento económico e conduzem a um aumento contínuo das desigualdades salariais.

Por um lado, as exigências de lucro inibem fortemente o investimento: quanto mais elevada for a rentabilidade exigida, mais difícil se torna encontrar projectos com uma performance suficientemente eficiente para a satisfazer. As taxas de investimento fixam-se assim em níveis historicamente débeis, na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, estas exigências provocam uma constante pressão para a redução dos salários e do poder de compra, o que não favorece a procura. A desaceleração simultânea do investimento e do consumo conduz a um crescimento débil e a um desemprego endémico. Nos países anglo-saxónicos, esta tendência foi contrariada através do aumento do endividamento das famílias e através das bolhas financeiras, que geram uma riqueza assente num crescimento do consumo sem salários, mas que desemboca no colapso.

Para superar os efeitos negativos dos mercados financeiros sobre a actividade económica, colocamos em debate três medidas: 

Medida n.º 5: Reforçar significativamente os contra-poderes nas empresas, de modo a obrigar os dirigentes a ter em conta os interesses do conjunto das partes envolvidas; 

Medida n.º 6: Aumentar fortemente os impostos sobre os salários muito elevados, de modo a dissuadir a corrida a rendimentos insustentáveis; 

Medida n.º 7: Reduzir a dependência das empresas em relação aos mercados financeiros, incrementando uma política pública de crédito (com taxas preferenciais para as actividades prioritárias no plano social e ambiental).
Adaptado de Courrier internacional, n.º 177, e do blogue Luis Nassif Online.

Quinta da Música - Sergey Rachmaninov

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Aloilei?

Tenho cada vez mais dificuldade em distinguir o sonho da realidade, ou, melhor, o pesadelo da realidade. A espantosa realidade das coisas, de que falava um dos nossos poetas, começa também a ser a minha descoberta de todos os dias, mas, diferentemente do que se passava com ele, essa realidade não me alegra nem me basta, pelo contrário, deixa-me boquiaberto e com dúvidas sobre minha saúde mental. 
Na verdade, o que diariamente vejo e oiço não deixa grandes saídas: ou fui eu que aloilei (que é um verbo que não existe, mas que a partir de hoje passa a existir) ou é aquela gente que aparece a politicar na televisão que aloilou
Neste momento, já não é apenas Sócrates que, no âmbito das ciências da psique, será um estudo de caso, também quem o rodeia terá de ser objecto de um estudo da mesma natureza: não é normal que um tipo que descolou da realidade, que vive num castelo nos arredores de Júpiter, consiga juntar tanto homem e mulher à sua volta para o aplaudir e idolatrar. Sabe-se que o desejo de poder é capaz de colocar a coluna vertebral em posições pouco ortodoxas, todavia, imagino que mesmo para a satisfação desse desejo haja limites no contorcionismo. Portanto, ou fui eu que aloilei, ou foram aqueles tipos que o adoram e que aceitaram candidatar-se a deputados sob a sua liderança que aloilaram. Estes e mais os trinta e tal por cento de portugueses que, nas sondagens, dizem ter intenções de votar no indivíduo que nos conduziu ao momento áureo que vivemos.
Contudo, para ser razoável, devo admitir que é mais provável ser eu o aloilado do que ser o povo que nele quer votar e a elite que nele vota e nele se revê. 
Compreendo agora por que razão ando a ver troikas por todo o lado, por que razão ando a ver o défice subir de quinze em quinze dias, por que razão oiço vozes a sussurrarem-me default, por que razão desconfio que me querem ir ao bolso nas férias e no Natal: eu vejo e imagino e oiço tudo isto porque  aloilei
Mas ainda bem que fui eu que aloilei, porque com mais um aloilado Portugal ainda aguenta. Agora, se fossem os trinta e tal por cento dos portugueses, mais as dezenas de cabeças de lista do PS, mais as centenas de candidatos a deputados do PS, mais os milhares de militantes do PS a aloilarem é que o problema seria grave e preocupante.
Estou aloilado, porém, descansado, porque, afinal, o país está bem, não aconteceu nada, ninguém é responsável por nada e Sócrates até já pode ser reeleito.

Às quartas

TERRITÓRIO

Agora entramos na penetração,
no reverso incisivo
de quanto infinitamente se divide.

Entramos na sombra partida,
na cópula da noite
com o deus que rebenta em sua entranha,
na partição indolor da célula,
no avesso da pupila,
na extremidade terminal da matéria
ou no seu princípio solitário.

Ninguém poderia agora arrebatar-me
o território impuro deste canto
nem ninguém tem em tal lugar
poder sobre o meu sonho.
Nem deus nem homem.

Procede só da noite da noite,
como da duração o interminável,
como da palavra o labirinto
que nela encontra sua entrada e sua saída
e como do informe vem até à luz
o limo original de quanto vive.

José Ángel Valente
(Trad.: José Bento)

terça-feira, 26 de abril de 2011

Manifesto dos economistas aterrorizados - 1

Transcrevo excertos do «Manifesto dos Economistas Aterrorizados», assinado por Philippe Askenazy, Thomas Coutrot, André Orléan e Henri Sterdyniak (economistas da Associação Francesa de Economia Política), publicado, em França, em Setembro de 2010.
Vale a pena ler.

«Falsa certeza n.º 1: 
Os mercados financeiros são eficientes.


Apesar de tudo o que aconteceu, o G20 persiste ainda hoje na ideia de que os mercados financeiros constituem o melhor mecanismo de afectação do capital. A primazia e integridade dos mercados financeiros continuam por isso a ser os objectivos finais da nova regulação financeira. A crise é interpretada não como o resultado inevitável da lógica dos mercados desregulados, mas sim como um efeito da desonestidade e irresponsabilidade de certos actores financeiros, mal vigiados pelos poderes públicos. 

A crise, porém, encarregou-se de demonstrar que os mercados não são eficientes e que não asseguram uma afectação eficaz do capital. As consequências deste facto em matéria de regulação e de política económica são imensas. A teoria da eficiência assenta na ideia de que os investidores procuram (e encontram) a informação mais fiável possível quanto ao valor dos projectos que competem entre si por financiamento. Segundo esta teoria, o preço que se forma num mercado reflecte a avaliação dos investidores e sintetiza o conjunto da informação disponível: constitui, portanto, um bom cálculo do verdadeiro valor dos activos. [...] O capital é, portanto, investido nos projectos mais rentáveis, deixando de lado os projectos menos eficazes. Esta é a ideia central da teoria: a concorrência financeira estabelece preços justos, que constituem sinais fiáveis para os investidores, orientando eficazmente o crescimento económico.

Mas a crise veio justamente confirmar o resultado de diversos trabalhos científicos que puseram esta proposição em causa. A concorrência financeira não estabelece, necessariamente, preços justos. Pior: a concorrência financeira é, frequentemente, desestabilizadora e conduz a evoluções de preços excessivas e irracionais, as chamadas bolhas financeiras.

O principal erro da teoria da eficiência dos mercados financeiros consiste em transpor, para os produtos financeiros, a teoria usualmente aplicada aos mercados de bens correntes. Nestes últimos, a concorrência é em parte auto-regulada, em virtude do que se chama a "lei" da oferta e da procura: quando o preço de um bem aumenta, os produtores aumentam a sua oferta e os compradores reduzem a procura; o preço baixa e regressa, portanto, ao seu nível de equilíbrio. Por outras palavras, quando o preço de um bem aumenta, existem forças de retracção que tendem a inverter essa subida.  [...] A ideia da eficiência nasce de uma transposição directa deste mecanismo para o mercado financeiro.

Mas neste último caso a situação é muito diferente. Quando o preço aumenta é frequente constatar não uma descida mas sim um aumento da procura! De facto, a subida de preço significa uma rentabilidade maior para aqueles que possuem o título, em virtude das mais-valias que auferem. A subida de preço atrai portanto novos compradores, o que reforça ainda mais a subida inicial. As promessas de bónus incentivam os que efectuam as transacções a ampliar ainda mais o movimento. Até ao acidente, imprevisível mas inevitável, que provoca a inversão das expectativas e o colapso. [...] É a bolha especulativa: uma subida acumulada dos preços que se alimenta a si própria. Deste tipo de processo não resultam preços justos mas sim, pelo contrário, preços inadequados.

O lugar preponderante que os mercados financeiros ocupam não pode, portanto, conduzir a eficácia alguma. Mais do que isso, é uma fonte permanente de instabilidade,[...]. Esta instabilidade, nascida no sector financeiro, propaga-se a toda a economia real através de múltiplos mecanismos.

Para reduzir a ineficiência e instabilidade dos mercados financeiros, avançamos com quatro medidas: 

Medida n.º 1: Circunscrever com grande rigor os mercados financeiros e as actividades dos actores financeiros, proibir que os bancos especulem por conta própria, para evitar a propagação das bolhas e do crash das Bolsas; 
Medida n.º 2: Reduzir a liquidez e a especulação desestabilizadora, através do controlo dos movimentos de capitais e de taxas sobre as transacções financeiras; 

Medida n.º 3: Limitar as transacções financeiras às que correspondem a necessidades da economia real (ex.: CDS [credit default swaps]unicamente para os detentores de títulos garantidos); 

Medida n.º 4: Estabelecer um tecto para as remunerações dos operadores de transacções financeiras.»
Adaptado de Courrier internacional, n.º 177, e do blogue Luis Nassif Online.

Bonecos de palavra

Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos).
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Abril, 25


37 anos depois, Portugal está de rastos — perante os outros e perante si próprio. 
Lá por fora, responsáveis e gente anónima de outros países tratam Portugal com indisfarçável desdém, com evidente arrogância e óbvia repulsa. Temos sido reiteradamente insultados na praça pública internacional.
Cá por dentro: dirigentes políticos, patrões e comentadores revelam reiteradamente duas coisas: atitude de subserviência e comportamento de mendigo.
37 anos depois, comemorar Abril, nestas circunstâncias, não é fácil.
Julgo que o único modo digno de comemorar o que aconteceu há 37 anos é dispormo-nos a pensar, com seriedade, o que é necessário fazer para mudarmos o modelo de vida e de sociedade que temos. Penso que é urgente assumirmos que este modo de vivermos em conjunto está marcado por elementos profunda e vergonhosamente injustos, que o tornam inaceitável.
Temos de mudar de vida. Temos de começar a trabalhar para mudar de vida. 
Talvez seja uma forma digna de comemorar o que aconteceu há 37 anos.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Uma pausa

Durante esta semana, o blogue faz uma pausa. 
O autor vai aproveitar o bom tempo e vai a banhos. Vai saborear o que puder do sal das águas atlânticas, do sol primaveril, das areias costeiras, mas também de algumas rotas menos frequentadas por entre planícies, vales e serras do nosso sul. 
Portanto, para além de uns escritos não «blogueiros» que tem de fazer, só convívio com a natureza, porque é bom e barato e porque de convívio com os homens já chega o resto do ano...
O regresso do blogue está marcado para o dia 25 de Abril, para comemorar a data e para reiniciar os trabalhos.
Até lá, um abraço a todos os leitores.

A ler

«Preocupados com o crescimento português?»

domingo, 17 de abril de 2011

Pensamentos de domingo

«Muitas coisas pequenas foram transformadas em grandes pelo tipo certo de publicidade.»
Mark Twain

«A publicidade é o moderno substituto do argumento; a sua função é fazer o pior parecer o melhor.»
Jorge Santayana

«Os juros cobrados no empréstimo são como picadas de cobra»
Textos Judaicos

In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Paul Desmond

sábado, 16 de abril de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

A PARTILHA DE DEUS

«Lá longe, na Índia, dois camponeses discutem. As maçãs de uma árvore que pertence a um caíram numa terra que é propriedade do outro: ambos querem ficar com as maçãs. 
Passa um brâmane que é portador de uma reputação de santidade. Os dois homens pedem-lhe que decida.
O santo homem pergunta-lhes:
— Preferis uma partilha segundo o juízo dos homens, ou segundo o juízo de Deus?
Os dois camponeses responderam a uma voz:
— Segundo o juízo de Deus.
— Não discutireis essa escola, garantis?
— Garantido.
Então o brâmane apanha as maçãs. Faz com elas um grande monte de um lado e do outro coloca uma única maçã. Feito isto, dá o monte a um dos camponeses e a maçã ao outro, sem olhar a quem.
Depois vai-se embora, sem mais palavra.»
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Erros a não repetir - 1

Na semana passada, concluí a análise de alguns dos aspectos mais relevantes do modelo de avaliação recém revogado (mas ainda não formalmente extinto), agora, tentarei enumerar alguns tópicos de síntese de enfermidades do modelo. O objectivo desta enumeração é chegar a uma síntese de erros que não deverão ser repetidos no próximo modelo.
Os erros a que me refiro não têm todos a mesma origem nem a mesma natureza nem a mesma dimensão, mas todos eles são erros (do meu ponto de vista) que inquinam e impossibilitam qualquer avaliação do desempenho docente.
O alinhamento dos tópicos, que se segue, não tem por base nenhuma ordem hierárquica.

Tópico 1 - Um paradigma de professor.
O modelo de avaliação agora revogado tem um paradigma de professor. Na minha opinião,  um modelo de avaliação docente não pode ter nem deve ter subjacente qualquer paradigma de professor.
Não pode ter, porque simplesmente não existe um modelo consensual de professor, por mais que alguns «cientistas» da educação o desejem e por ele pelejem. Mas não o podendo ter, porque a realidade não o fornece, também não o deve querer ter, porque a diversidade de arquétipos de professor não só é uma riqueza humana, como é uma riqueza pedagógica. A formatação do acto de ensinar é, em si mesma, destituída de sentido e, consequentemente, não pode inspirar qualquer avaliação do desempenho docente. 
Mas isso acontecia, no modelo revogado. Apenas três exemplos, de vários que poderiam ser apresentados, para ilustrar:

i) Segundo o modelo, todo o professor excelente deveria ser um rigoroso planificador. Um rigoroso planificador das actividades que pretende desenvolver, dos meios e recursos que pretende utilizar e dos tipos de avaliação que pretende realizar. A ênfase que é atribuída, no modelo revogado, ao rigor «planificador» do docente, quase faz supor que é mais importante a planificação do que o próprio acto de ensinar e do que o próprio processo de ensino-aprendizagem. Ora, uma coisa é um plano de aula em que o professor tem de saber o que vai fazer (ou o que pretende que se faça) e como vai fazer (ou como pretende que se faça), outra coisa é pretender-se transformar esse plano de aula numa detalhada planificação que condiciona o acto de ensinar e o acto de aprender a uma sucessão de comportamentos previamente delineados.
O acto de ensinar deve ser planeado, mas não deve ser burocratizado. E deve ser planeado segundo o modo que a experiência do professor o ditar e segundo o modo que a necessidade da turma o aconselhar.

ii) Segundo o modelo, todo o professor excelente deveria ser um permanente inovador. Como já tive oportunidade de lembrar (Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 9), em contexto pedagógico, a inovação não é um fim em si mesmo e, muitas vezes, não é sequer um meio. Só esta razão deveria impedir que se quisesse formatar os professores no sentido da permanente procura da inovação, para além de a realidade nos mostrar que existem excelentes professores que não precisam de inovar para o serem.

iii) Segundo o modelo, todo o professor excelente deve estar em permanente envolvimento com o meio. Ora, quem deve estar em permanente envolvimento com o meio deve ser a escola e não todos e cada um dos professores da escola. A escola precisa de professores que concretizem essa ligação à comunidade envolvente, mas não precisa que todos os professores se dediquem a esse trabalho. O modelo de avaliação não pode, pois, definir como meta para cada professor o desenvolvimento de uma permanente relação com o meio, só porque na cabeça dos autores do modelo existe um arquétipo de professor que contém esse elemento como característica relevante.

O modelo de avaliação revogado tem várias situações desta natureza, que derivam precisamente de um arquétipo de professor que se pretende impor, por via da avaliação do desempenho. Ora este é um dos erros que não deve ser repetido no próximo modelo de avaliação.

Como penso meter, para a semana, uns diazitos de férias, voltarei a este assunto na semana seguinte.

Ligações a outros posts relacionados com a ADD: 
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8 
. Sub-repticiamente 
. Requerimento do Dep. C.S.H. da Escola Secundária de Amora

Excertos

«Como concluir este apelo à indignação? Recordando mais uma vez que, por ocasião do sexagésimo aniversário do Programa do Conselho Nacional da Resistência, dissemos a 8 de Março de 2004, nós, os veteranos dos movimentos de Resistência e das forças combatentes da França livre(1940-45), que não há dúvida de que "o nazismo foi vencido, graças ao sacrifício dos nossos irmãos e irmãs da Resistência e das Nações Unidas contra a barbárie fascista. Mas esta ameaça não desapareceu completamente, e a nossa fúria contra a injustiça mantém-se intacta".
Não, esta ameaça não desapareceu completamente. E é por isso que continuamos a apelar a "uma verdadeira insurreição pacífica contra os meios de comunicação de massas que só apresentam como horizonte à nossa juventude uma sociedade de consumo, o desprezo pelos mais fracos e pela cultura, a amnésia generalizada e a competição renhida de todos contra todos."
 Stéphane Hessel, Indignai-vos!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A mediocridade das nossas elites

Observo as expressões faciais, os olhares, as inclinações de voz; leio os discursos, as entrevistas, os comentários; estou atento a tudo isto e não vejo nada daquilo que era imperioso ver: não encontro uma ponta de arrependimento, uma assunção de culpa, não oiço um pedido de desculpas. Ninguém das nossas elites políticas, económicas, financeiras e empresariais pediu desculpa aos portugueses pela parte de responsabilidade que lhe cabe na situação a que o país chegou. Não há um único membro dessas elites que o tenha feito.
Infelizmente, os que têm liderado os destinos do nosso país possuem, para além de outras, duas desgraçadas características: são objectivamente incompetentes — a realidade está aí, inexorável e brutal, para o confirmar; e são inimaginavelmente irresponsáveis — o seu aventureirismo inconsciente impede-os de assumir a responsabilidade dos levianos actos que há anos vêm cometendo. 
Mas é preciso apurar responsabilidades, porque não se brinca com a vida das pessoas. Não se brinca com a história e o futuro de uma nação. 
Quem se voluntaria para conduzir politicamente um país não pode fazê-lo a pensar que vai tomar conta de um clube recreativo de bairro. Quem se candidata a assumir responsabilidades na condução económica de um país, ou mesmo de uma empresa, não pode fazê-lo se não tiver preparação sólida e ideias claras que suportem essa função — os cidadãos de um Estado ou os profissionais de uma empresa não são bonecos de diversão de cabeças estouvadas. Quem assume altos cargos no sector financeiro não pode fazê-lo sem saber que as suas decisões têm consequências na vida de milhares ou de milhões de indivíduos. 
Todavia, o que repetidamente tem sucedido é o oposto, e tem sucedido com uma surpreendente impunidade. Mas esta impunidade tem de terminar, caso contrário não conseguiremos sair do pântano nem elevar o nosso nível de civilidade.
Há responsáveis? Há.
Do ponto de vista político.
Depois do PREC, e retirando os episódicos governos de iniciativa presidencial, temos sido governados apenas por três partidos. Aproximadamente com a seguinte temporalidade: o CDS participou em governos durante 6 anos; o PSD governou sozinho 9 anos e meio e em coligação cerca de 8 anos; o PS governou sozinho 14 anos e em coligação cerca de 3. O PSD governou durante oito anos com maioria absoluta e o PS durante quatro anos e meio, nos últimos seis.
Estes partidos, em particular o PS e o PSD, são os responsáveis políticos pela situação a que o país chegou. Não há desculpas, não há conjunturas que os ilibem. São trinta e cinco anos consecutivos de exercício do poder político que culminam no abismo. Deste modo, não há muitas hipóteses interpretativas do fracasso: ou o modelo de sociedade que defendem não serve, ou os seus intérpretes são incompetentes, ou ambas as coisas. A nossa elite política é objectivamente inepta.
Do ponto de vista económico e financeiro.
Para além do défice, Portugal tem um problema grave: o problema da dívida — a nossa dívida externa é gigantesca, dizem-nos. Vamos admitir que sim, que é gigantesca. Uma parte da dívida externa é dívida pública. Os responsáveis pela dívida pública são os governantes, conjuntamente com os gestores das empresas públicas. São eles que definem e gerem os gastos da coisa pública. Se eles concordam que a dívida é excessiva, terão de ser eles mesmos a responder publicamente por essas contas. Quem mais pode responder por elas, senão quem parte e reparte o bolo? Mas isso não acontece, ninguém responde, e ninguém lhes exige essa resposta. Também aqui a impunidade é rainha. E também aqui se vê como a nossa elite de governantes e de gestores públicos é inepta.
A outra parte da dívida externa (por sinal, a maior parte) é de origem privada. Acerca desta dívida privada (empresas e famílias), é comum ouvir-se o seguinte: os portugueses endividaram-se demais, consumiram demais, viveram acima das suas possibilidades. Desta narrativa conclui-se que a culpa é, então, dos portugueses, dos aluados portugueses, de todos os portugueses. É uma narrativa interessante, particularmente interessante se se pensar que ela desresponsabiliza quem, em primeiro lugar, deveria e deve ser responsabilizado. É que, chegados a este ponto da narrativa, há uma questão pertinente que nunca é respondida: neste sobreendividamento, que responsabilidades têm os nossos financeiros, que responsabilidades cabem aos nossos banqueiros? Então, a sempre elogiada competência ou a sempre elogiada excelência dos nossos homens das finanças privadas não viu que os enormes montantes de empréstimos que estavam a conceder também estavam a endividar excessivamente o país? Quando os nossos banqueiros ostensivamente incentivavam toda a gente a contrair empréstimos para tudo e mais alguma coisa, não sabiam que estavam a elevar os níveis de endividamento a um ponto que agora consideram excessivo? Nessa altura, onde estava a sempre elogiada competência ou a sempre elogiada excelência dos nossos banqueiros? Como é possível que estes banqueiros, que foram o motor principal da política do endividamento, surjam, agora, como inocentes vítimas da situação de que foram agentes?
Mais uma vez, a impunidade é a regra e mais uma vez se vê como outra das nossas elites, neste caso a financeira, é inepta.
Mais grave que o nosso défice e mais grave que a nossa dívida externa é a mediocridade das nossas elites.

Da Grécia (3)

«"Os gregos estão a perder o sorriso" diz [Giorgios Glinos]. Não acredita na imprensa. Não acredita nos políticos.
O número de suicídios tem aumentado. Um estudo do Hospital Psiquiátrico Sismanoglion diz que os suicídios duplicaram de 2009 para 2010: há dois por dia. Na ilha de Creta, o caso é mais grave. Também duplicaram os pedidos de ajuda na linha telefónica 1018, que trabalha na prevenção do suicídio. O problema é atribuído à crise e incide sobretudo em desempregados e pequenos empresários que vão à falência e não têm como pagar as dívidas.
Há esperança? Filon, assistente social, responde com secura: "Não!"»
Reportagem de Maria Henrique Espada, in Sábado (31/3/2011).

Quinta da Música - Benjamin Britten

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Da Grécia (2)

«Os políticos começam a ter medo de sair à rua: já atiraram iogurte ao vice-primeiro-ministro, Theodoros Pangalos; o primeiro-ministro foi apupado no dia nacional comemorado na sexta-feira passada; e já houve deputados que receberam cuspidelas na praça pública. O  próprio vice-primeiro-ministro Pangalos lançou a polémica recentemente no Parlamento, quando reconheceu o apodrecimento do sistema.»
Reportagem de Maria Henrique Espada, in Sábado (31/3/2011).

Às quartas

NOITE DE OUTONO

Frio intenso: insectos volteiam em torno das luzes.
Eu fecho o shôji
E uma cara é reflectida, como a de um rebelde Taiping, enorme.
Sentando-me em silêncio, bebendo água açucarada,
Escrevo até tarde.
A minha veste, há muito posta de lado, cheira a antigamente.
Logo, um som solitário, de novo
Uma tosse de mulher que chega da vizinhança do espinheiro.
Abro o shôji para ver, mas nem uma alma; apenas
Como papel de prata
A plácida noite do outono, adormecida.

Tanaka Fuyju
(Trad.: José Alberto Oliveira)

terça-feira, 12 de abril de 2011

Da Grécia (1)

«Os casos de miséria estão a disparar. A causa principal principal da pobreza é o desemprego: a taxa oficial ultrapassa os 15%. Os cortes nos salários dos funcionários públicos e a extinção dos subsídios de Natal e de férias empobreceram a classe média.
O caso de Eva, 40 anos, é exemplar. Informática numa empresa estatal, ganhava 2.300 euros há um ano e agora só recebe 1.300, sem direito aos subsídios anuais que não sabe se um dia vai voltar a receber. [...] Confessa estar a viver "uma espiral descendente sem solução". Teve de deixar a casa que alugava porque não a podia pagar, foi viver com uma amiga, entrou em depressão sem ter dinheiro para se tratar [...]. O caso dela é apenas um entre centenas de milhares no Estado.»
Reportagem de Maria Henrique Espada, in Sábado (31/3/2011).

Bonecos de palavra

 Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos)
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Excertos

«Desenvolvido pelo Ocidente, o pensamento produtivista arrastou o mundo para uma crise da qual é necessário sair através de uma ruptura radical com a fuga para a frente do "cada vez mais", não só na área financeira, mas também nos domínios da ciência e da técnica. Está mais do que na altura de a preocupação com a ética, a justiça e o equilíbrio duradouro se tornar preponderante.»  
Stéphane Hessel, Indignai-vos!

Notas do fim-de-semana

Sócrates fez bluff
— Quando negociou o PEC 4 em Bruxelas, o 1.º ministro assumiu também o compromisso de pedir uma ajuda externa de 80 mil milhões. Sócrates escondeu esse facto, e andou a fazer bluff sobre o empréstimo —

Correios não abdicam de ver a bola
— Finanças ordenaram cortes nas despesas, mas os CTT não rescindiram o aluguer de camarotes no Benfica, FC Porto e Sporting —
Sol (8/4/11)

Sócrates vai fazer do Congresso um comício de três dias
Expresso (9/4/11)

Sócrates fez bluff, escondeu ao país o compromisso que já tinha assumido em Bruxelas, diz o Sol. Alguém ficou/fica admirado com esta notícia? Ninguém.

Este fim-de-semana, se não fosse a crise, teria ido visitar os nuestros hermanos. Sempre passeava e evitava a congestão noticiosa do congresso do PS.
Como não fui, apanhei a congestão do PS, mais a congestão dos comentadores, mais a congestão das bandeiras, dos aplausos, dos discursos, das emoções, das lágrimas, dos abraços, dos regressos, dos perdões, dos «Zé, estou contigo», dos «Esta é  a tua hora porque é a hora dos que não têm hora», dos «Quão eu fiquei triste com a irresponsabilidade dos outros», dos «Estais comigo?», dos «Nós não temos culpa nenhuma disto, porque nós nem estamos a governar há seis anos», dos «O que eles querem é poder, mas nós não» e por aí fora...
Mas desta congestão, de que ainda não me refiz, fiquei a saber uma coisa: o PS já não é um partido político, o PS é um clube de futebol. À semelhança do que acontece nos clubes, o PS pode fazer a maior asneira que se consiga imaginar, pode levar o país à ruína, mas é e será sempre «o maior» para os seus sócios, perdão, militantes. A capacidade crítica não existe neste partido. Lá dentro ninguém sabe o que isso é.
À semelhança do que acontece nos clubes, em que o culpado ou é o árbitro ou a outra equipa, no PS, o culpado também nunca é o próprio: ou é o árbitro, perdão, o presidente da República, ou é a maldade dos outros partidos, ou é a maldade da crise internacional, ou é qualquer outra coisa, mas dele próprio não é.
Ainda à semelhança do que acontece nos clubes, em que o presidente pode comprar árbitros ou insultar quem lhe apetece, que não há problema; no PS, o líder pode aldrabar o país à vontade, pode maltratar o povo sem cerimónia, que também não há problema: presidente é presidente, perdão, líder é líder.
Portanto, FCP, SLB, SCP e restante comandita do futebol, preparem-se, porque já tendes concorrente à altura do vosso «campeonato».
Para terminar esta nota sobre o congresso do Futebol Clube PS, recordo a observação de um comentador da RTPN, no domingo: «Depois de ter ouvido o discurso final de Sócrates fiquei com a ideia de que é Portugal quem ainda vai emprestar dinheiro aos outros.» É certamente a melhor síntese do que se passou, neste fim-de-semana, em Matosinhos.

Entretanto, e por falar em bola, os CTT fazem muitíssimo bem em não prescindir dos camarotes nos estádios dos três grandes. Se há dinheiro bem empregue, em tempo de crise, é em ir ver uns jogos de futebol. É um bem de primeira necessidade. E quem disser o contrário ou é irresponsável, ou é presidente da República, ou é partido da oposição, ou está ao serviço da crise internacional.

domingo, 10 de abril de 2011

Os islandeses voltam a dizer: Não!

Os islandeses voltaram hoje a dizer que não pagam as dívidas dos seus bancos falidos. Admiro e enalteço a coragem deste povo, que, apesar de ameaçado pela União Europeia e pelas famosas agências de rating, não se submete ao discurso dominante do mundo financeiro. Os islandeses estão a dar um contributo inestimável no sentido de ser profundamente repensado o modelo de sociedade em que vivemos e as absurdas regras que nos dominam. 
Ler aqui a notícia.

Pensamentos de domingo

«Responsabilidade: um fardo descartável e facilmente transferido para os ombros de Deus, do Destino, da Sina, da Sorte, ou do nosso vizinho.»
Ambrose Bierce

«Não só somos responsáveis pelo que fazemos, mas também pelo que não fazemos.»
Jean Molière

«A maneira como os bancos ganham dinheiro é tão simples que é repugnante»
John Galbraith
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Da Irlanda (3)

«Na rua, muita gente não quer falar dos seus problemas pessoais, dar o nome e muito menos ser fotografado. John-Mark, como quase todos os irlandeses, tem uma certeza: "As coisas não estão a melhorar. Para ninguém." Teve de ser posta em prática uma moratória dos bancos para não despejarem pessoas com a prestação da casa em atraso. Não há números oficiais. Só se sabe que são muito milhares. Stewart Barron, 47 anos, taxista que trabalha mais 20 horas por semana e ganha menos um terço do que antes, resume numa expressão tudo o que acha sobre o FMI, a crise e o futuro: "We're fucked
Reportagem de Maria Henrique Espada, in Sábado (31/3/2011).

Kenny Dorham

sábado, 9 de abril de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

«Dois modestos alfaiates judeus, num bairro pobre de Londres, trabalhavam em frente um do outro desde o fim da Segunda Guerra mundial. Cortavam e cosiam incansavelmente, falando de vez em quando disto e daquilo.
Um deles disse ao outro:
— Vais de férias, este ano?
— Não — respondeu o segundo, após um momento de reflexão.
Retomaram o silêncio. Mais tarde. o segundo alfaiate disse de súbito:
— Fui de férias em 1964.
— Foste de férias em 1964? — perguntou o primeiro, muito admirado.
— Fui.
O primeiro alfaiate, que não se lembrava nada da ausência do seu companheiro, disse-lhe então:
— E aonde foste tu nessa férias?
— à Índia.
— à Índia?
— Sim. Fui caçar o tigre de Bengala.
— Foste caçar o tigre de Bengala? Tu?
Os dois homens tinham parado de trabalhar e olhavam-se. O segundo alfaiate, que parecia perefeitamente calmo, retomou então a palavra para contar o seguinte:
— Parti de madrugada num elefante magnífico que um grande príncipe me tinha emprestado. Armado com quatro espingardas com coronhas de prata e acompanhado por toda uma escolta de batedores, aventurei-me na montanha solitária. De súbito, um tigre enorme ergueu-se diante da minha montada a rugir, o maior tigre jamais visto nesta região de Bengala. Espantado, o meu elefante desequilibrou-se para trás, eu caí nos arbustos espinhosos, o tigre lançou-se sobre mim e devorou-me.
— Devorou-te? — perguntou o primeiro alfaiate, que tinha estado a ouvir estupefacto.
— Comeu-me todo, até ao último bocado da minha carne.
— Ora, ora, que contas tu? Não te comeu nenhum tigre! Ainda vives!
Então o segundo alfaiate pegou de novo na linha, na agulha e disse ao primeiro:
— Chamas a isto viver?»
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos.

A ler

«Fabricação do consentimento»
«Sindicatos seduzidos»

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 18

A quarta dimensão dos padrões do desempenho docente termina com os descritores relativos ao trabalho colaborativo na escola.
O descritor do nível «Excelente» enuncia: «Promove sistematicamente o trabalho colaborativo como forma de partilha de conhecimentos, desenvolvimento profissional e desenvolvimento organizacional da escola
O descritor do nível «Muito Bom» diz: «Contribui para a promoção [...]» (o resto é igual).
O descritor do nível «Bom» refere: «Partilha os conhecimentos adquiridos com os seus pares, sempre que se proporcionam oportunidades
Pergunta inevitável: que é que diferencia o nível «Excelente» do nível  «Muito Bom»? Existe diferença entre «promove» e «contribui para a promoção»? Parece ser óbvio que quem «contribui para a promoção» também «promove» e que quem «promove» também «contribui para a promoção». Deste ponto de vista, não há distinção entre uma coisa e outra.
Mas tentemos outro ponto de vista. Vamos admitir que é possível imaginar uma diferença e que essa diferença reside no seguinte: o professor que «promove o trabalho colaborativo» é aquele que toma a iniciativa de promover esse trabalho, o outro professor, aquele que apenas «contribui para a promoção», é aquele que não toma a iniciativa de promover o trabalho colaborativo, mas que, quando essa iniciativa surge, participa nela, ou seja, colabora nessa iniciativa, partilhando os seus conhecimentos. Temos aqui uma diferença. Uma diferença meticulosa, demasiado meticulosa para ser, com fiabilidade, apurada na prática, mas é uma diferença (na teoria, pelo menos). E isto resolve-nos o problema (teórico). 
Resolve-nos este problema, mas cria-nos outro: se, por um lado, passamos a saber a diferença entre o «Excelente» e o «Muito Bom», por outro lado, passamos a deixar de saber a diferença entre o «Muito Bom» e o «Bom». Deixamos de o saber, porque o professor de nível «Bom» é aquele que, conforme é explicitado no descritor, «partilha os conhecimentos adquiridos com os seus pares, sempre que se proporcionam oportunidades», ou seja, é aquele que não toma a iniciativa, mas que, quando ela surge, participa nela. Ora, isto é rigorosamente aquilo que há pouco tínhamos entendido ser o nível «Muito Bom», para o conseguirmos distinguir do nível «Excelente»!
Conclusão: se quisermos distinguir o «Bom» do «Muito Bom,» ficamos sem conseguir distinguir o «Muito Bom» do «Excelente», se quisermos distinguir o «Muito Bom» do «Excelente», ficamos sem distinguir o «Bom» do «Muito Bom». Em que ficamos, então? Ficamos com um problema por resolver. Mas, no fundo, é só mais um, a juntar às dezenas de problemas que já ficaram por resolver, nas outras dimensões.
A não ser que... A não ser que os autores deste modelo de avaliação pretendam que aquilo que verdadeiramente distingue o nível «Excelente» do nível «Muito Bom» seja um dos nossos já conhecidos advérbios, neste caso, o advérbio «sistematicamente», presente no enunciado do primeiro e ausente do enunciado do segundo. Isto é, a diferença residiria nisto: um professor «Excelente» faz uma promoção sistemática e o professor «Muito Bom» faz uma não sistemática promoção. Deste modo, presume-se que, para os autores destes padrões, já tudo fica claro e transparente.
Para os autores ficará, mas para o professor que vai avaliar (e para o que vai ser avaliado) é que, certamente, não ficará. E no momento em que o avaliador tiver de encontrar o filamento que define a fronteira entre o sistemático e o não sistemático terá de o procurar com lente de ourives.
E que não a tire, porque terá de ser com essa lente que vai ter de encontrar os outros filamentos que foram ficando para trás: o filamento que define a fronteira entre o consistentemente e o não consistentemente; o filamento entre o profundo comprometimento e o comprometimento não profundo; o filamento entre o envolvimento activo e o não activo envolvimento, etc., etc.
E assim é construído um sistema de avaliação que inquina tudo em que toca. Esta dimensão — «Desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida» — seria aquela que, pela sua natureza, menos problemas levantaria, do ponto de vista da formulação dos padrões de desempenho. Mas  os autores do modelo até esta dimensão conseguiram complicar e inoperacionalizar, tal é a obsessão avaliativa que os domina e cega.

Com este texto, concluo as observações parcelares das quatro dimensões dos designados Padrões do Desempenho Docente — padrões que pretendiam ser o guia de concretização do actual modelo de avaliação, mas que, desastrosa e desastradamente, falharam o seu objectivo.

Apontamento não final: as revogações ou as não revogações, as promulgações ou as não promulgações, as constitucionalidades ou as inconstitucionalidades não são, para mim, critério de coisa alguma. Isto quer dizer que em nenhuma circunstância deixarei de fazer aquilo que acho que devo fazer: continuar a prestar o meu minúsculo contributo na demolição de um vergonhoso sistema de avaliação, dure isso o tempo que tiver que durar.
Do mesmo modo, tentarei, conjuntamente com quem o quiser fazer, dar o meu minúsculo contributo na construção de alternativas.

Ligações a outros posts relacionados com a ADD: 
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8 
. Sub-repticiamente 
. Requerimento do Dep. C.S.H. da Escola Secundária de Amora

Da Irlanda (2)

«Depois de quatro orçamentos de austeridade, dois cortes sucessivos de 7% nos salários dos funcionários públicos e 20% no dos políticos, redução do salário mínimo (de 8,65 euros/hora para 7,65), cortes em todas as prestações sociais e subida generalizada de impostos (só IRC não subiu) a Irlanda não está melhor. O desemprego chegou aos 14,5%. "O FMI apenas insistiu numa receita que já estava a correr mal. Estamos numa armadilha."»

«A prosperidade desapareceu a uma velocidade que deixa os dublinenses desorientados com os restaurantes e as lojas que fecham de um dia para o outro, os bares que passam a lojas de conveniência, depois de outra coisa qualquer dois meses mais tarde, porque o negócio anterior também já acabou. Nos subúrbios, há condomínios-fantasma onde ninguém vive. No sábado, dia 26, houve um leilão de gruas de construção civil, com os estrangeiros a aproveitarem os preços de saldo. "Os irlandeses tiveram de voltar ao básico", diz John-Mark McCafferty, da Sociedade de São Vicente de Paulo,  a maior organização de solidariedade na Irlanda. O básico é comida e aquecimento.»
Reportagem de Maria Henrique Espada, in Sábado (31/3/2011).

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O presidente de alguns portugueses

Cavaco Silva decidiu requerer a fiscalização preventiva de  todas as normas do diploma que revogou o actual modelo de avaliação do desempenho. Vamos ter de aguardar mais vinte e cinco dias pela decisão do Tribunal Constitucional.
Foi mais uma péssima e incoerente decisão do presidente da República.
Foi uma péssima decisão, porque Cavaco Silva sabe, como todos sabemos, que o actual modelo de avaliação está politicamente morto (a não ser que o PS vença as próximas eleições com maioria absoluta, o que não é de todo concebível); assim como sabe da incomensurável incompetência do modelo, das suas inúmeras arbitrariedades e da enorme conflitualidade que está a gerar nas escolas. Cavaco Silva sabe que esta (pseudo)avaliação é uma gigantesca farsa. Mesmo assim, decidiu colaborar nela.
Foi uma decisão incoerente, porque Cavaco Silva não tem seguido o mesmo critério relativamente a inúmeros diplomas, alguns deles de enorme gravidade e de muitíssima duvidosa constitucionalidade, como foi o recente caso dos cortes nos vencimentos dos funcionários públicos. Não teve ele dúvidas? Teve-as, não podia deixar de as ter, após as evidentes divergências públicas entre constitucionalistas. Mas, nessa altura, Cavaco Silva considerou que um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade teria consequências políticas e optou por dar mais valor a essas consequências políticas do que à eventual inconstitucionalidade do diploma. Este é um exemplo, de vários outros que se poderiam aqui referir. Todavia, desta vez, Cavaco Silva esqueceu-se do critério que tem seguido e optou por seguir o critério inverso. Não é a seriedade institucional que o move, é a apenas a conjuntural conveniência política.
Ao contrário do que pretende a todo o custo aparentar, Cavaco Silva é muito parecido com Sócrates.

Da Irlanda (1)

«O dia 27 de Novembro foi a data da manifestação que juntou mais de 100 mil irlandeses na capital, a maior desde que a crise se instalou: "Nevou, estava um frio terrível, mas veio imensa gente e a marcha tornou-se emocional. Descemos O'Connel Street (a principal artéria de Dublin) até ao posto central dos Correios e aí de repente comecei a olhar à volta e a ver gente a chorar. Por todo o lado, todo o tipo de pessoas. Havia homens a chorar. Eu chorei." No palco, uma actriz lia partes da Declaração de Independência irlandesa, lida pela primeira vez naquele local em 1916. Os irlandeses sentiam a independência económica em causa, com o pacote de austeridade anunciado três dias antes, como o preço a pagar pelo resgate da UE e do FMI, um empréstimo de 85 mil milhões de euros.»

«David é bancário, trabalha no sector que a maioria dos irlandeses, em qualquer quadrante político, aponta como responsável pela crise. Nem por isso tem uma vida fácil. Prefere que o apelido seja omitido, assim como o nome da instituição em que trabalha. Quando tudo corria bem, comprou uma casa que custava 282 mil euros, mas o banco, generoso, sugeriu-lhe um empréstimo de 300 mil: assim também dava apara a mobília."
Entretanto, a mulher ficou desempregada, o rendimento desceu e têm um filho pequeno. Agora, é com a ajuda do pai que está a pagar o empréstimo.»
Reportagem de Maria Henrique Espada, in Sábado (31/3/2011).

Quinta da música - Nicolai Rimsky-Korsakov

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Declaração pública de incompetência

O Governo de Sócrates acabou de declarar formalmente a sua incapacidade para resolver os problemas do país. O Governo de Sócrates acabou de declarar publicamente a sua incompetência. Pediu oficialmente à União Europeia que proceda ao resgate do nosso país. 
Depois disto, se, em Portugal, a política ainda tivesse alguma ética, Sócrates renunciaria ao lugar de secretário-geral do PS e já não se recandidataria ao cargo de primeiro-ministro. E se o próprio assim não procedesse, como não vai proceder, seria o partido que deveria encarregar-se de lhe mostrar o caminho da saída. O PS ficaria livre para encetar um novo rumo e para procurar uma nova liderança, e nós, portugueses, ficaríamos livres da personagem que, ao fim de seis anos, nos conduziu à bancarrota e ao vexame internacional e impregnou o país da sua própria descredibilidade.
Todavia, nada disto vai suceder. Pelo contrário, vamos ser sujeitos a mais dois longos meses em que teremos de suportar a presença e o discurso de um político desmedidamente arrogante, vaidoso e orgulhoso, desequilibradamente egocêntrico e politicamente incompetente. São defeitos a mais para um homem, são chagas a mais para um país. Hoje, em qualquer lugar da Europa, somos desgraçadamente confundidos com o primeiro-ministro que temos. E esta nódoa vai demorar muitos anos a apagar.
Lamentavelmente esta é a realidade. E na ausência do bom senso e do pudor político que nos evitariam o pesadelo de termos de aguentar o nosso carrasco em campanha eleitoral, caberá aos portugueses decidir se querem ou não querem mais do mesmo. Se, por absurdo, os portugueses insistirem na mesma escolha, isso significará, então, que são merecedores do que têm.
Nessa circunstância, e como dizia Luís de Sttau Monteiro, a última coisa que nos vai restar será emigrar.

Às quartas

OUTONO

Um vestígio de frio na noite de Outono
Caminhei lá para fora
E vi a lua rosada debruçar-se sobre uma cerca
Como um lavrador de rosto corado.
Não parei para falar, mas cumprimentei inclinando a cabeça;
E em volta estavam as pensativas estrelas
Com rostos brancos como crianças da cidade.

T. E. Hulme
(Trad.: Cecília Rego Pinheiro)

terça-feira, 5 de abril de 2011

Excertos

«Quem comanda? Quem decide? Nem sempre é fácil distinguir todas as correntes que nos governam. Já não estamos perante uma pequena elite cujas motivações são fáceis de compreender. Sentimos perfeitamente que se trata de um mundo vasto em que tudo é interdependente. Vivemos numa inter-conectividade como nunca se viu anteriormente. Mas neste mundo, existem coisas insuportáveis. Para o ver, é preciso olhar e procurar com atenção. [...] A pior das atitudes é a indiferença, dizer "como não posso fazer nada, desenvencilho-me como posso." Este tipo de atitude conduz à perda de uma das componentes essenciais do ser humano. Um das componentes indispensáveis: a capacidade de indignação e a consequente militância.»
Stéphane Hessel, Indignai-vos!

Bonecos de palavra

 Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos)   
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Notas do fim-de-semana

Inspecção 'condena' ministro da Justiça
— A Inspecção-geral dos Serviços de Justiça concluiu que Alberto Martins agiu mal no caso dos €72 mil pagos à sua mulher. E considera «inválido» o despacho que autorizou o pagamento —

STJ arrasa Pedroso
— Supremo considera que havia «fortes indícios» de que Paulo Pedroso praticara abusos sexuais e diz que houve pressões do PS para perturbar o processo —

CRIL com inauguração de luxo

Gestor dos CTT é falso licenciado

Portagens nas SCUT não vão ser pagas até às eleições

Função pública perde 10% do poder de compra em apenas dois anos
Sol (1/4/2011)

Ministério da Justiça: Mulher de ministro recebeu antes de colegas

BPN e BPP já custaram 2200 milhões de euros
Público (1/4/2011)

Algumas escolas param avaliação outras não

«Tenho de dizer que fui alvo de um saneamento político bárbaro. E a presidência do Governo não pode estar imune a estas responsabilidades» (Carlos Queiroz)
Expresso (2/4/2011)

Não há semana em que o lamaçal da nossa Justiça não seja confirmado. E nesse lamaçal, invariavelmente, está alguém do PS. Primeiro-ministro, ministros, secretários de Estado, altos dirigentes do partido, todos eles, de um modo ou de outro, por esta ou por aquela razão, andaram metidos ou estão metidos em trapalhadas relacionadas com a Justiça. Todavia, por mais graves que sejam as acusações, por mais fundadas que sejam as suspeitas, parece haver sempre uma mão salvadora que tudo redime, que tudo apaga, que faz parecer que nada está a acontecer ou que, afinal, nada aconteceu.

Têm problemas com a Justiça e com as licenciaturas... Foi apanhado mais um a fazer-se passar por licenciado.

Entretanto, Sócrates vai acusando os outros de irresponsabilidade, aventureirismo e leviandade. Três dos adjectivos que melhor classificam a conduta dos seus governos são, curiosamente, os escolhidos por ele para classificar a conduta de quem se lhe opõe.
Sócrates fez estas acusações na semana em que se soube que o Governo vai suspender a aplicação das portagens nas SCUT. Há um ano, porém, portajar as SCUT era um imperativo nacional, segundo o mesmo Governo. De tal modo que a demora nas negociações entre o PS e o PSD serviu de pretexto ao ministro das Finanças para acusar os sociais-democratas de serem culpados pelo aumento de várias décimas no défice de 2010. Vemos agora que, por repentino prodígio, esse imperativo nacional deixou de o ser e que a não existência de portagens já não irá, ao que parece, prejudicar o défice em qualquer décima. Naturalmente que aqui não há nenhuma irresponsabilidade, qualquer aventureirismo nem a mínima leviandade.

Há onze dias, a Assembleia da República votou, por esmagadora maioria, a revogação do actual modelo de avaliação dos professores, substituindo-o transitoriamente por um mais simplificado. Neste momento, a promulgação desse decisão depende do presidente da República.
Das três hipóteses possíveis — veto político, pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade formal e promulgação —, a do veto político não parece ter qualquer pertinência, quer pela substância da lei em questão, quer pela conjuntura política em que vivemos. Resta a promulgação ou o envio para o Tribunal Constitucional. Não tenho competência para discutir o problema da constitucionalidade e, por isso, não o discuto. 
O que discuto é o seguinte. 
Se a opção for a promulgação, o problema fica encerrado e os professores vão dedicar-se já, e em exclusividade, a fazer aquilo que é a sua função: ensinar os seus alunos. 
Se a decisão for pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade, a dúvida e a instabilidade nas escolas vão instalar-se até ser conhecida a decisão final do Tribunal, e essa instabilidade agudizar-se-á se a decisão for a da inconstitucionalidade formal, pois ninguém poderá aceitar que a arbitrariedade e a incompetência possam avaliar o desempenho de um professor. 
Acresce a este facto um outro: todos os professores sabem que, excepto em caso de maioria absoluta do PS (hipótese que não se coloca nestas eleições), este modelo está politicamente morto e que, após as eleições, desaparecerá. Desta forma, como se poderá querer insistir naquilo que provadamente é incompetente e que já tem a morte anunciada?

domingo, 3 de abril de 2011

Pensamentos de domingo

«Está contente — o pior ainda não aconteceu.»
E. R. Murrow

«Aquilo que mais falta se sente no céu é a falta de companhia.»
Mark Twain
 
«Eis-me outra vez apaixonada como nunca estive antes.»
Gunilla Dahlgren

in José Manuel Veiga, Manual para Cínicos.

Freddie Hubbard

sábado, 2 de abril de 2011

Excertos

«"Somos responsáveis enquanto indivíduos." [Sartre] Era uma mensagem libertária. A responsabilidade do homem que não pode escudar-se atrás de nenhum poder, de nenhum deus. Pelo contrário, temos de militar em nome da nossa responsabilidade individual enquanto seres humanos»
 Stéphane Hessel, Indignai-vos!

Ao sábado: momento quase filosófico


O problema da confiança

«Um judeu fez fortuna.
Decide, pela primeira vez na vida, tirar férias de Inverno e fazer esqui.
Inexperiente, desajeitado, sai da pista e cai numa ravina. Por um milagre de última hora agarra-se a um magro arbusto que cresce entre as rochas. Por baixo dele, o vazio e a morte. As suas mãos agarram-se ao arbusto, mas em breve se soltarão. Aliás, o arbusto quebra. As suas raízes rasgam-se.
O judeu, no cúmulo da angústia, ergue os olhos ao céu e exclama:
— Está aí alguém? Está aí alguém?
— Estou aqui, meu filho — responde uma voz solene. — Não tenhas medo e larga o arbusto. Os meus anjos pegarão em ti e depositar-te-ão suavemente no chão.
O judeu reflectiu um instante antes de perguntar:
— Não há aí mais ninguém?»
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, pp. 52-53.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 17

Na semana passada, suspendi a publicação destes apontamentos como modo simbólico de celebrar a decisão da Assembleia da República de revogar o actual modelo de avaliação e porque essa revogação retirava sentido à continuidade destes apontamentos.
Hoje retomo-a, por dois motivos: porque não sabemos o que Cavaco Silva vai fazer relativamente à promulgação da revogação, e porque, enquanto isso não fica resolvido, importa não esquecer o quanto mau e incompetente é este processo avaliativo.

Prossigo, então, nos apontamentos sobre a 4.ª dimensão: «Desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida».
Como já referi, há erros que teimosamente se repetem ao longo de todas as dimensões dos padrões de desempenho. Todavia, e como também já assinalei no apontamento anterior, esta dimensão seria aquela onde menos se esperaria encontrar o fundamentalismos avaliativo, causador de tantas incongruências e inoperacionalidades. Mas os autores deste modelo de avaliação entenderam que o mal era para ser distribuído por todas as aldeias (dimensões) e assim o fizeram.
O segundo descritor do nível «Excelente» diz: «Reflecte consistentemente sobre as suas práticas e mobiliza o conhecimento adquirido na melhoria do seu desempenho.» O descritor correspondente do nível «Muito Bom» é igual, mas sem o advérbio «consistentemente». Portanto, um professor reflecte consistentemente e o outro também reflectirá, mas não consistentemente. Presume-se pois, e mais uma vez, que existe uma bitola, ao alcance de todo e qualquer relator, que permite aferir, com fiabilidade, a fronteira entre uma reflexão consistente e uma reflexão não consistente. Seria interessante conhecermos a bitola, em abstracto, e mais interessante seria vermos, em concreto, como ela seria aplicada, por cada um dos milhares de relatores deste país (como ela seria ou como ela será, se não houver a responsabilidade de parar este despudorado processo). Mas essa bitola nós não conhecemos, ela permanece na exclusiva posse do Olimpo e não é revelada aos mortais — nem aos mortais nem aos relatores, porque, até hoje, nenhum deles foi capaz de a explicar. Na ausência de bitola, o que resta? Não resta nada, a não ser a arbitrariedade, o «olhómetro», a simpatia, a antipatia, qualquer coisa, menos a fiabilidade e a credibilidade.
Vejamos agora a diferença entre o nível «Muito Bom» e o «Bom». O primeiro: «Reflecte sobre as suas práticas e mobiliza o conhecimento adquirido na melhoria do seu desempenho.». O segundo: «Participa em iniciativas de reflexão sobre as práticas e mobiliza o conhecimento adquirido na melhoria do seu desempenho.» (Um parênteses: a hermenêutica destes descritores revela-se um exercício mais difícil do que a hermenêutica de muitos textos filosóficos).
Tentando compreender: se estamos a falar de descritores de níveis diferentes, pressupõe-se que eles nos reportam a desempenhos qualitativamente diferentes. Entre estes dois descritores onde residirá a diferença no desempenho? Ambos «mobilizam o conhecimento adquirido na melhoria do seu desempenho». A diferença não está aqui. O que sobra? A primeira parte da frase: no caso do professor «Muito Bom» «reflecte sobre [...]», no caso do professor «Bom» «participa em iniciativas de reflexão sobre [...]». A diferença está aqui? Procuro-a, mas não a encontro. Volto a procurar. Continuo sem encontrar. Não encontro, porque me parece óbvio que «participar numa reflexão» implica reflectir. Portanto, não vejo diferença entre reflectir e reflectir
Poder-se-ia colocar a dúvida: os autores do texto quando escreveram «participa», quereriam dizer apenas está presente sem participar propriamente e, por conseguinte, sem reflectir? Na verdade, esta possibilidade não se pode sequer colocar, por duas razões: porque estamos a falar do nível «Bom» e seria impensável aceitar essa possibilidade neste nível; e porque essa situação já está prevista, mas no nível «Insuficiente».
Conclusão: ficamos sem saber qual é a diferença entre o «reflectir» do nível «Muito Bom» e o «reflectir» do nível «Bom». 
Ficamos nós sem saber, fica o relator e fica o avaliado. E, mais uma vez, na ausência de critério fiável, será/seria a arbitrariedade do avaliador quem mais ordenará/ordenaria.

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