quinta-feira, 31 de março de 2011

A avaliação de Pacheco Pereira

«Não me custa admitir que o actual processo de avaliação de professores seja demasiado burocrático e mesmo imperfeito [...], mas talvez seja bom perceber porque o é. É-o porque, no processo de recuo em relação à proposta anterior, que já padecia do mesmo mal, professores e sindicatos exigiram uma selva de garantias e escapatórias, para tornar a avaliação dos professores um dos processos mais garantistas de avaliação que o estado faz aos seus funcionários. Pelo contrário, um elemento fundamental da avaliação, o desempenho escolar dos alunos, não entra, mesmo com todas as correcções sociais que se possam imaginar. Comparados com os professores, os funcionários públicos não têm nenhuma das garantias que os professores tinham e que, como é óbvio, complicam imenso o processo de avaliação.»
Pacheco Pereira, in Sábado (31/3/11)
Quando, há vários anos, o jornal Público contratou Pacheco Pereira para cronista, fez uma enorme campanha publicitária a anunciar o facto. Durante algumas semanas, que precederam a publicação da primeira crónica, o jornal não se cansou de anunciar a nova contratação — à semelhança dos anúncios que os clubes de futebol fazem quando contratam os chamados craques. Na altura, eu era leitor assíduo do Público e achei que aquela campanha era de mau gosto, na forma, e sem justificação, no conteúdo. Na qualidade de leitor, escrevi ao director (José Manuel Fernandes) a manifestar essa minha opinião. Recordo-me de ter escrito, nesse e-mail, que Pacheco Pereira era, do ponto de vista intelectual, um bluff: pose muita, substância pouca — as muitas leituras que ele possa ter feito (acreditando que tenha lido uma parte significativa da sua também muito publicitada biblioteca) não chegavam para que ele produzisse boa análise política e, muito menos, para que ele se tornasse um político interessante e/ou competente. Era o que eu achava da personagem e, por essa razão, não percebia tanta publicidade à dita aquisição. 
De então para cá, o tempo que passou serviu para confirmar a ideia que tinha. O excerto que acima transcrevi, da crónica que Pacheco Pereira escreveu na revista Sábado, de hoje, é o mais recente exemplo da vacuidade e da superficialidade do pensamento de Pacheco Pereira.
A verdade é que se Pacheco Pereira falar de todos os assuntos como fala sobre a avaliação dos professores, para além de ser intelectualmente um bluff, é intelectualmente uma fraude. O excerto revela que o seu autor não faz a mais leve ideia do que está a falar, mas fala como se soubesse o que diz. Julgando que pode aplicar ao assunto «avaliação dos professores» o mesmo método que aplica a assuntos generalistas, o autor espalha-se ao comprido e não diz coisa com coisa. Sobre assuntos generalistas, Pacheco Pereira diz generalidades, que, se bem espremidas, normalmente nada dizem de especial, mas, como as diz com um discurso um pouco mais rebuscado que o discurso do senso comum, há, pelo menos aparentemente, quem lhes descubra interesse. Todavia, quando o assunto obriga a algum trabalho de casa, isto é, a algum estudo, a algum labor de aquisição de conhecimento mais especializado, como é o caso da avaliação dos professores, as generalidades não chegam, o «bitaite», por  mais aparentemente intelectualizado que seja, não funciona.
Deste modo, Pacheco Pereira escreve dislates e engana quem o lê. Tudo o que está escrito no excerto é asneira grossa, que se resume nesta proposição falsa e absurda: «há na avaliação dos professores uma selva de garantias e escapatórias e isso complica imenso o processo de avaliação». A incompetência do processo de avaliação reside na sua inoperacionalidade e na sua arbitrariedade. E a inoperacionalidade e arbitrariedade são exactamente o oposto de garantias e de escapatórias.
Pacheco Pereira ou não leu nada sobre o assunto, ou, se leu, não percebeu, mas apesar de não ter lido ou de não ter percebido, Pacheco Pereira, levianamente, opina e, desta  forma, engana quem o lê. O que, para além de ser feio, é intelectualmente desonesto.
O bluff confirma-se e a fraude também.

Excertos

«Dizemos-lhes: revezai-vos e indignai-vos! Os responsáveis políticos, económicos, intelectuais e a sociedade em geral não podem desistir, nem deixar-se impressionar pela actual ditadura internacional dos mercados financeiros que ameaça a paz e a democracia.»
 Stéphane Hessel, Indignai-vos!

Quinta da Clássica - Felix Mendelssohn Bartholdy

quarta-feira, 30 de março de 2011

Um novo conceito de «ajuda»

Outrora o conceito de «ajuda» significava prestar auxílio. Prestar auxílio desinteressado, isto é, sem receber nada em troca, quando muito, um «obrigado». Se um amigo nos pedia ajuda, era pressuposto que ajuda-lo-íamos sem pretendermos benefício material. Se a ajuda que esse amigo solicitasse fosse dinheiro, uma quantia x, nós (se o tivéssemos, claro) emprestávamos essa quantia x, e, quando o nosso amigo pudesse, devolver-nos-ia essa quantia x. Ficavam as contas saldadas e a vida continuava. Era isto que, outrora, significava o termo «ajuda».
Nos tempos modernaços que correm, o termo «ajuda» tem um novo significado. O termo «ajuda» passou a ter o significado que outrora era atribuído ao termo «negócio». Outrora, se eu pedisse dinheiro emprestado a alguém e pagasse juros por esse dinheiro emprestado, eu estava a estabelecer um «negócio» com essa pessoa ou instituição. Ambas as partes estavam interessadas no negócio: eu, porque precisava de dinheiro; a outra parte, porque me disponibilizava esse dinheiro e, com o juro que eu lhe pagava, obtinha um lucro. Era um negócio. Não era uma ajuda. Mas isso era outrora.
Agora, não. Agora, segundo o novo léxico, quem empresta dinheiro e cobra juros pelo empréstimo está a «ajudar», já não está a fazer um negócio. Agora, quem empresta e cobra juros está a ser amigo, está a ser solidário. Ganha dinheiro com os juros que cobra e, simultaneamente, é benemérito. Quem pediu paga o que pediu, paga o juro e fica em estado de agradecimento.
Foi recentemente que aprendi este novo conceito de «ajuda». Concretamente, quando passei a ouvir, com insistência, que Portugal ia necessitar da «ajuda» do FMI e do Fundo Europeu. E quando, com insistência, passei a ouvir que o FMI e o Fundo Europeu estavam prontos a «ajudar» Portugal. Pensei: «Porreiro, pá! Ainda bem que temos amigos, e amigos que nos querem ajudar.» Foi nessa altura que percebi que o conceito tinha mudado. Agora, ajudar quer dizer: «empresto-te dinheiro, mas com as condições que eu ditar e pagas juros. Juros de 5%. E ficas-me agradecido.»
Trata-se pois de uma verdadeira ajuda e de uma sincera amizade. Ajuda e amizade que melhor se compreendem, se tivermos presente que, por exemplo, a Alemanha, membro de ambos os fundos, se financia no mercado a pouco mais de 3% e que esses fundos, de que Portugal também é membro e para os quais pagou a sua respectiva contribuição, foram constituídos exactamente para, entre outras coisas, prestar «ajuda» aos seus membros.
Mas, ao que parece, tudo isto é normal, tudo isto é natural, porque todos aceitam e ninguém protesta. Aqueles que já pediram, mais aqueles que estão prestes a pedir, e ainda aqueles que qualquer dia pedirão dinheiro emprestado, todos eles aceitam reconhecida e agradecidamente que assim seja e que assim continue a ser. Os outros, que são tão membros dos fundos como estes são, mas que por uma enigmática razão assumem o papel de enfadados emprestadores, ordenam que assim é e que assim continue a ser.
Estes tempos modernaços são, de facto, de uma grande complexidade, ou, melhor, de uma outra complexidade, de uma complexidade que não está ao alcance de gente comum e mortal, como eu. São tempos de outra complexidade e de gente de outra estirpe. De estirpe superior, detentora de superiores e inacessíveis códigos de conduta, de superior domínio da economia, da gestão, dos negócios, da própria vida. Gente da estirpe de Merkel, Sarkozy, Sócrates.
Gente que, acima de tudo, reinventou, redefiniu e deixa como legado um novo conceito de «ajuda».

Às quartas

A CRIANÇA E A LUA

A lua e a criança jogam
um jogo que ninguém vê;
sem olhar vêem-se, falam
uma língua de pura mudez.
O que dizem, ou ocultam,
a contar um, dois, três,
ou três, dois, um
para voltar a contar?
Quem ficou dentro do espelho,
lua, para tudo ver?
A criança está feliz e só:
a lua roça os seus pés
como a neve na madrugada,

como o azul do amanhecer;
nas duas faces do mundo
— a que ouve, e a que vê —
cindiu-se o silêncio,
a luz cintila no outro lado
das mãos, que seguem a procurar quem sabe o quê
no instante de ninguém
que passa onde jamais foi.

A criança existe e joga
um jogo que ninguém vê.

Mariano Brull
(Trad. Jorge Henrique Bastos)

terça-feira, 29 de março de 2011

A ler

«Samuel Colbert: se querem melhorar o ensino coloquem a política e os partidos fora da escola»

Bonecos de palavra



 Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos)
Para ampliar, clicar na imagem.

A ler

«Islândia: O povo é quem mais ordena. E já tirou o país da recessão.
 
A crise levou os islandeses a mudar de governo e a chumbar o resgate dos bancos. Mas o exemplo de democracia não tem tido cobertura.
Os protestos populares, quando surgem, são para ser levados até ao fim. Quem o mostra são os islandeses, cuja acção popular sem precedentes levou à queda do governo conservador, à pressão por alterações à Constituição (já encaminhadas) e à ida às urnas em massa para chumbar o resgate dos bancos.

Desde a eclosão da crise, em 2008, os países europeus tentam desesperadamente encontrar soluções económicas para sair da recessão. A nacionalização de bancos privados que abriram bancarrota assim que os grandes bancos privados de investimento nos EUA (como o Lehman Brothers) entraram em colapso é um sonho que muitos europeus não se atrevem a ter. A Islândia não só o teve como o levou mais longe.

Assim que a banca entrou em incumprimento, o governo islandês decidiu nacionalizar os seus três bancos privados - Kaupthing, Landsbanki e Glitnir. Mas nem isto impediu que o país caísse na recessão. A Islândia foi à falência e o Fundo Monetário Internacional (FMI) entrou em acção, injectando 2,1 mil milhões de dólares no país, com um acrescento de 2,5 mil milhões de dólares pelos países nórdicos. O povo revoltou-se e saiu à rua.» (Clicar aqui, para continuar a leitura).

segunda-feira, 28 de março de 2011

Notas do fim-de-semana

«Sócrates devia ser internado a bem da Nação» (Alípio de Freitas)

Fundo e FMI vêm já em Abril

Avante! minimiza manifestação 'à rasca'

Saúde compra equipamento em excesso

Buraco financeiro da EP [Estradas de Portugal] agrava-se

Triplicam queixas por atrasos na Justiça
Sol (25/3/11)

Congresso [PS] com vista para congresso extraordinário e sucessão de Sócrates
Público (25/3/11)

Professores ganharam a guerra da avaliação

PR trava auditoria do PSD às contas públicas
Expresso (26/3/11)
 
O FMI chega em Abril, a Saúde continua a esbanjar dinheiro, a Justiça mantém-se em estado comatoso, as empresas públicas têm buracos gigantescos, os juros não param de subir, ou seja, Portugal afunda-se, mas ninguém é responsável pelo afundamento.
O PS está há seis anos consecutivos no Governo e considera que o assunto da responsabilidade do afundamento de Portugal não é com ele. Sócrates está à frente do Governo há seis anos e apresenta-se ao país com a inocência de quem acabou de tomar posse.
Foi também com esta inocência e com idêntica naturalidade que os nossos responsáveis políticos ouviram e aceitaram, sem indignação, sem protesto, sem reparo sequer, o discurso da senhora Merkel, na quinta-feira, de manhã, no Parlamento alemão, sobre a decisão da Assembleia da República, de reprovar o PEC 4. Merkel considerou-se no direito de dar um público puxão de orelhas ao parlamento português, e os nossos subservientes representantes nem uma reacção esboçaram. 
É esta a qualidade dos dirigentes europeus e nacionais que temos. Não é pois de admirar que a União Europeia não passe de uma manta de retalhos e que Portugal não seja mais que um mendicante desse retalho. 

A revogação do incompetente sistema de avaliação dos professores fez emergir, mais uma vez, as vozes daqueles que, sem terem lido uma linha desse pretenso sistema avaliativo, sem fazerem a menor ideia do que estão a falar, se consideram capacitados para emitir juízos de valor sobre essa realidade que desconhecem em absoluto. Até deputados, como Pacheco Pereira, que tinham a obrigação ética e política de saber o que votam e porque votam, revelam uma vergonhosa ignorância da matéria que é objecto do seu voto e limitam-se a decidir em função de clichés que ouvem e que mecanicamente mimetizam. 
Vivemos do ruído e para o ruído. A substância dos problemas, essa, não interessa a quase ninguém.

Última nota: por que razão o presidente da República e Bruxelas não querem que as nossas contas públicas sejam auditadas?

domingo, 27 de março de 2011

sábado, 26 de março de 2011

Desesperos

Um dos modos de testar a qualidade dos políticos é observarmos como eles reagem a situações adversas. Esta semana, tivemos dois significativos momentos para fazermos essa observação: a reprovação do PEC 4 e a revogação do modelo de avaliação de desempenho dos professores. Vou centrar-me neste segundo caso.
A partir do momento em que o PSD anunciou que iria juntar os seus votos aos votos da restante oposição, para pôr fim à ADD, os dirigentes do PS (de deputados a membros do Governo) reagiram de um modo inusitado. Digo de um modo inusitado, porque já todos observámos políticos a reagir com agressividade e contundência a determinadas derrotas políticas, mas eu nunca tinha tido a oportunidade de ver tantos e tão desequilibrados e desorientados comportamentos, como aqueles que nos foram dados ver, antes e depois da votação na Assembleia da República, por parte dos responsáveis do Partido Socialista. Olhares, esgares, tonalidades vocais, movimentos corporais, todos revelavam um inesperado desespero. A adjectivação e a argumentação produzida completavam e confirmavam os sinais do descontrolo.
Não vale a pena perder tempo com a adjectivação. Vamos aos argumentos que, supostamente, justificam o inusitado desespero.

1.º argumento: «A meio do ano lectivo, não se podem introduzir alterações. Esta alteração é feita a meio do ano lectivo, logo ela não pode ser introduzida.» Este é o argumento da ministra da pasta,  é o argumento do ministro A, do ministro B, do deputado X, do deputado Y, do opinador ∂, do opinador ß e por aí fora.
Significa, por conseguinte, que para os governantes e deputados socialistas nunca, em nenhuma circunstância, é admissível, é aceitável introduzir alterações a meio de um ano lectivo. Este argumento é sério? Não é. E quem o convoca sabe que não é sério. 
Vejamos.
Foi exactamente no 2.º Período, do ano lectivo 2007-2008, que o Governo socialista, presidido pelo actual primeiro-ministro, introduziu uma alteração radical no processo de avaliação dos professores. Isto é, a meio do ano lectivo. Curiosamente, nessa altura, não tivemos nem a oportunidade nem o prazer de ouvir este argumento. Em Abril de 2008, já não no 2.º período, mas no início do 3.º período, nova alteração é introduzida, com a assinatura do célebre Memorando de Entendimento assinado por Lurdes Rodrigues e os sindicatos. Isto é, já depois de meio do ano lectivo. Nessa altura voltámos a não ter nem a oportunidade nem o prazer de ouvir nenhuma das vozes que agora se levantam contra a introdução de alterações a meio de um percurso. Finalmente, em Janeiro de 2010, novamente no 2.º período, foi celebrado o famoso Acordo assinado entre o Governo e alguns sindicatos que permitiu introduzir alterações na legislação sobre o ECD e a avaliação dos professores. Isto é, a meio do ano lectivo. E, pela terceira vez, não tivemos nem a oportunidade nem o prazer de ouvir o argumento agora invocado. 
Sem querer ser maçador, recordo ainda que os Padrões de Desempenho do actual modelo de avaliação foram publicados, ou, melhor, foram introduzidos, em Outubro de 2010, isto é, rigorosamente a meio do ciclo avaliativo.
Portanto, penso que quanto à seriedade deste argumento, estamos esclarecidos.

2.º argumento: «Esta alteração vai trazer perturbação às escolas.» Isto não é propriamente um argumento, é mais profecia. É uma proposição que nos afirma uma realidade futura. Nestes casos, só mesmo o futuro julgará do acerto ou desacerto da mesma. Só nos resta aguardar, para vermos que convulsões, que manifestações, que paralisações irão ocorrer com a alteração introduzida. 
Mas, se do futuro ninguém pode falar, do passado há quem possa falar. Pode falar quem trabalha nas escolas, não quem está sentado num gabinete ministerial ou num gabinete parlamentar. E faltará à verdade quem negar que aquilo que se estava a passar em milhares de escolas deste país era um verdadeiro pandemónio, caracterizado pelo lema do «salve-se quem puder». Um desvario em que avaliados e avaliadores não sabiam o que fazer nem como fazer. E, curiosamente, o principal responsável pelo caos que estava instalado era o próprio Ministério da Educação, que não respondia às solicitações e aos pedidos de esclarecimento dos professores, sobre os inúmeros problemas e incongruências do modelo de avaliação. Eu próprio e os colegas da minha escola ainda estamos a aguardar pela resposta a um requerimento que foi entregue no M.E., no passado dia 15 de Fevereiro, a solicitar quinze esclarecimentos sobre o processo avaliativo. Passou um mês e meio e nada. Foram centenas as escolas e milhares os professores que diariamente manifestaram a sua incapacidade para, com seriedade e fiabilidade, concretizarem uma monstruosidade pretensamente avaliativa.
Contudo, desta efectiva e real perturbação a ministra, os ministros, a deputada, os deputados socialistas não falam. Falam de uma presuntiva, de uma hipotética e futura perturbação. 
Mas que não haja essa preocupação, porque o que vai acontecer é os professores poderem, finalmente, preocupar-se exclusivamente com os seus alunos, dedicar-se exclusivamente a eles, coisa que, desde há três anos, deixaram de poder fazer. 
É a tranquilidade que vai regressar, porque esta alteração veio pôr fim às arbitrariedades que um modelo de avaliação mal feito fomentava. Essa perturbação gravíssima, que permitia que irresponsavelmente se brincasse com a vida profissional de milhares de professores terminou.

Como se vê, não há razões fundadas para o desespero dos governantes e deputados socialistas. Todavia, o desespero é evidente. E esse desespero abona muito pouco a favor da qualidade destes responsáveis políticos.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Ponto Final

Na história da profissão docente, hoje é um dia relevante. 
É o dia em que acaba de ruir um projecto deontologicamente inaceitável, porque conceptualmente inadequado, politicamente irresponsável e tecnicamente aventureiro e incompetente. Refiro-me ao hoje extinto modelo de avaliação do desempenho dos professores, descendente directo do modelo de Lurdes Rodrigues. 
Ao fim de três longos anos de demonstração da inadequação, de denúncia da irresponsabilidade e de comprovação do aventureirismo e da incompetência, chegou o momento em que a disformidade legislativa foi atirada ao lixo.
Não sabemos o futuro. Não sabemos o que aí vem. Mas sabemos o que hoje terminou. 
Independentemente das hipocrisias políticas e dos oportunismos eleitoralistas de vários deputados, este dia pôs um ponto final a uma aberração e a uma indignidade.
Foram muitos os professores que lutaram para que isto fosse possível. Valeu a pena pugnar. 
Vale a pena celebrar. Eu vou celebrar.

Hoje seria dia de...

Hoje seria dia de publicar os «Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação -17». Tudo indica que não vai ser necessário fazê-lo. 
Hoje será um dia diferente, espero. Hoje será o dia de publicar o FIM dos «Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação» — desejando que não seja necessário retomá-los daqui a uns meses...

quinta-feira, 24 de março de 2011

A avaliação vai ser suspensa? O sentido de responsabilidade chegou finalmente à maioria do Parlamento?

Finalmente, parece que o sentido de responsabilidade, a defesa da dignidade profissional e da deontologia vão vencer o aventureirismo, a incompetência e a irresponsabilidade de um processo que abusiva e mentirosamente se designava de avaliação do desempenho docente.
Repito: parece que é isso que amanhã (sexta-feira, 25 de Março) vai acontecer, já que, finalmente, todos os partidos da oposição anunciaram que votarão a suspensão imediata do actual modelo de avaliação. 
Todavia, como já em situação anterior houve quem tivesse anunciado esta intenção e, à última hora, mudado de atitude, só celebrarei a morte deste vergonhoso processo avaliativo quando ele estiver formal e objectivamente morto.

E depois do adeus?

Ontem, Sócrates comunicou a Belém e ao país que não tem condições para continuar a ser primeiro-ministro e que, por consequência, diz adeus a essas funções.
Eu desejo, como muitos portugueses, que este seja o seu último adeus e que nunca mais Portugal passe pela desgraça de ter um indivíduo com estas características pessoais e políticas à frente do Governo. Todavia, não é este o desejo do próprio nem, ao que parece, do PS. 
Que não é o desejo do próprio já todos sabíamos. De um homem obsessivamente egocêntrico e politicamente desequilibrado não se podem esperar comportamentos sensatos. De um homem assim não se pode esperar que reconheça que está manifestamente a mais ou que reconheça que a sua presença só dificulta a procura de soluções.
Que também não seja o desejo do PS é algo que já se torna mais difícil de compreender.
Objectivamente: 
i) o PS, neste momento, é um partido anódino, internamente marcado pelo medo, pela ausência de debate livre e aberto, sem reflexão autónoma e dominado por quem domina o aparelho partidário e uma gigantesca teia de interesses; 
ii)  o país, neste momento, está numa situação deplorável, próximo da banca rota e sem rumo. 
O que há de comum ao PS e ao país? Sócrates, que há seis anos lidera ambos.
É isto que o PS vê, quando olha para o presente e para o passado. E isto, só por si, deveria ser razão suficiente para que o partido desejasse mudar de rumo e de protagonista. 
Mas não sendo este passado e este presente, pelos vistos, razão suficiente para querer mudar, que vê o PS quando olha para o futuro, se insistir manter Sócrates como líder? Aquilo que vê, aquilo que honestamente pode perspectivar é apenas mais do mesmo. Com Sócrates na liderança, o PS nada mais terá para propor que não seja exclusivamente mais do mesmo. Ora, é um futuro circunscrito a mais do mesmo que realmente o PS quer propor ao país e a si próprio? O PS chegou a um ponto de degradação tal que nada mais tem para sugerir aos portugueses, que não seja perspectivar o futuro como uma desgraçada repetição do passado?
Depois do adeus de Sócrates, seria razoável que o PS pensasse seriamente naquilo que tem para propor a Portugal.

Quinta da Clássica - Arcangelo Corelli

quarta-feira, 23 de março de 2011

O último adeus

Demitiu-se o primeiro-ministro que, retroactivamente, conseguiu fazer de Santana Lopes um primeiro-ministro credível. Foi uma proeza que eu julgava impossível. Enganei-me. 
Espero agora não me enganar no título deste post. Espero que os portugueses digam um adeus definitivo ao político português que mais mal fez ao país e à própria política, depois do 25 de Abril.

Às quartas

MONÓLOGO DE ESTHER

Quando te perderes dentro
do deserto da tarde
e te der sede o azul
do mar tão distante,
sentirás que és olhado,
pelo meu olhar.

Eterno príncipe, Jacob,
terás sempre companhia
contigo peregrinando
através séculos, palavras.
Suportarás a morte
como o ramo ao pássaro.

Ai, inimigo caminho
das horas, das águas,
galope de altivos archeiros
contrários à estátua
de sal do que pensou
vir a ser mármore!
Se tu cais, os teus olhos
gelarão esperanças.

Povo triste, à lembrança
das cidades abarsadas.
Nenhum repouso te acolhe
de sombra doce, ou casa.
Apenas sonhos, no fundo.

Salvador Espriu
(Trad.: João Cabral de Melo Neto)

terça-feira, 22 de março de 2011

Excertos

«Ousam dizer-nos que o Estado já não consegue suportar os custos destas medidas sociais. Mas como é possível que actualmente não tenha verbas para manter e prolongar estas conquistas, quando a produção de riquezas aumentou consideravelmente desde a Libertação, quando a Europa estava arruinada? Apenas porque o poder do capital, tão combatido pela Resistência, nunca foi tão grande, insolente, egoísta, com servidores próprios até nas mais altas esferas do Estado. Os bancos, agora privatizados, preocupam-se principalmente com os seus dividendos e com os elevadíssimos salários dos seus administradores, e não com o interesse geral. O fosso entre os mais pobres e os mais ricos nunca foi tão grande; e a corrida ao capital e a competição nunca foram tão incentivadas.»
Stéphane Hessel, Indignai-vos!

Bonecos de palavra

 Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos)
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Notas do fim-de-semana

PEC chumbado com eleições à vista

Campus da Justiça vai custar cinco vezes mais

Juiz desmonta argumentação de Vara e Lino

As mordomias da crise: Pedro Silva Pereira almoçava na 6.ª feira passada num dos mais caros restaurantes de Lisboa [...] no mesmo dia em que o seu Governo anunciava aos portugueses mais um pacote de sacrifícios, o PEC 4. [...] As mordomias do seu Governo não entram nos cortes orçamentais.
Sol (18/3/11)

Correcção de exames: Professores não assinam acordo para quatro anos

Carrilho junta-se a Medeiros e pede mudança de líder do PS
Público (19/3/11)

Governo assumiu por escrito com Bruxelas medidas do PEC

A Justiça está em crise... e para o ano está igual

«As reformas criminais laxistas dos últimos dez anos produto de patos-bravos legislativos, corroeram a autoridade do Estado e a força da lei» (Maria José Morgado)

Directora do CEJ [Centro de Estudos Judiciais] avisa que para o ano não há curso

Avenida da Liberdade deve voltar hoje a encher
Expresso (19/3/11)
O mais desacreditado e descredibilizado primeiro-ministro da nossa história pós 25 de Abril ainda não compreendeu que é ele próprio a parte maior do problema e que com ele não há solução possível para o país. Sócrates é politicamente um homem irresponsável que não tem escrúpulo em arrastar Portugal para o desastre, desde que isso seja do seu interesse pessoal. Invariavelmente foi assim que Sócrates procedeu ao longo dos seis anos que leva de poder. E é curioso verificar que dentro do PS também não existem homens de têmpera. Ninguém é capaz de corporizar um alternativa, ninguém é capaz de se dispor ao debate e de se submeter a escrutínio. Se exceptuarmos as pouquíssimas vozes que, publicamente, assumem a crítica ao líder, todos os putativos sucessores estão à espera que Sócrates caia de putrefacção. Quem assim se comporta não pode aspirar vir a recolher a futura confiança dos portugueses. 
Entretanto, a nossa Justiça continua a arrastar-se pela lama. É aflitivo observar o estado a que chegou um dos domínios vitais da vida social. É à Justiça que, com propriedade, podemos aplicar, sem medo de errar, o adjectivo «rasca». Como diz Maria José Morgado, a Justiça tem estado e continua a estar nas mãos de patos-bravos.
A Justiça e o país. Se fossemos gregos, poderíamos dizer que isto é uma verdadeira Tragédia, como somos portugueses achamos que isto é Fado e, como tal, há quem aprecie.

domingo, 20 de março de 2011

O cronista das boas notícias

Como os dias só têm 24 horas e como essas horas não permitem que façamos tudo o que desejaríamos fazer, temos de proceder a escolhas e estabelecer prioridades.
Nessas opções que temos de fazer incluem-se as opções de leitura. Como não podemos (e, em alguns casos, não devemos) ler todos os livros, todas as revistas, todos os jornais e todas as crónicas que se publicam, temos de fazer uma selecção mais ou menos criteriosa do que a priori pensamos poder valer a pena ler. É por esta razão que, há já vários anos, deixei de ler um mediático cronista português e persistente candidato a escritor de literatura, de nome Sousa Tavares.
Todavia, começo a pensar que fiz mal e que tenho de voltar a lê-lo. Porquê? Porque, como já expliquei em texto anterior, intitulado «Um homem de coragem», este cronista está a tornar-se num verdadeiro mensageiro de boas notícias. 
Há uns meses, deu-nos a conhecer que, e cito rigorosamente: «[Com o segundo Governo de Sócrates], os professores passaram a ganhar todos mais automaticamente e vão ser todos classificados com Muito Bom e Óptimo.» Esta notícia foi anunciada ao mundo em Setembro do ano passado. Nessa altura, já não lia o cronista, mas amigos meus fizeram o favor de me informar da boa nova. Fiquei feliz — não é todos dias que se recebe a notícia de que se vai passar a «ganhar mais automaticamente» e de que se vai ser «classificado de Muito Bom e Óptimo». É verdade que, até hoje, e já lá vai meio ano, ainda não vi nada do que o cronista anunciou, nem o aumento de vencimento nem a dita classificação, mas, com a fama que o cronista tem, não me passaria pela cabeça que ele fosse capaz de fazer tal afirmação sem estar muito seguro do que estava a dizer. Por isso, continuo à espera do aumentozinho e da classificaçãozinha.
Hoje, fiquei a saber, pelos mesmos amigos, que o mesmo cronista, no Expresso deste sábado (na página que eu salto sempre), anunciou ao país que os professores recebiam 25 euros por cada exame corrigido. Desta vez, não fiquei apenas feliz, rejubilei. Pus-me a fazer contas e, em números redondos, devo ter a receber, retroactivamente, uns cinco mil euros. Não é uma fortuna, mas, em tempo de crise, é dinheiro. Ora, juntando a isto o tal aumento que ainda não recebi, mas vou receber, mais a classificação, que ainda não obtive, mas vou obter, só posso estar radiante e, acima de tudo, particularmente agradecido ao cronista.
Tenho de dar a mão à palmatória e reconhecer que se há cronista que valha a pena ler é este.

Pensamentos de domingo

«Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más — mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não — pelo menos o Estado não tem — e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela política. De sorte que esta crise me parece a pior  — e sem cura.»
Eça de Queirós
In Paulo Neves da Silva, Citações e Pensamentos de Eça de Queirós.
«A crise de hoje é a anedota de amanhã.»
Henry Wells

«Nada existe de audacioso sem a desobediência às regras.»
Jean Cocteau
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Julian Cannonball Adderley

sábado, 19 de março de 2011

Ao sábado: momento quase filosófico

A FORMA DA NEVE

Srulek, o Nasreddin ou o Gohâ polaco, chegou um dia junto de um cego e sentou-se ao seu lado.
O cego perguntou-lhe:
— Srulek, diz-me, a neve, como é?
— É branca — respondeu Srulek.
Passado um momento, voltou a perguntar:
— Branca, como?
— Branca — diz Srulek procurando as palavras — branca como o leite.
Um pouco depois, perguntou:
— O leite, é como?
— O leite — diz Srulek — estás a ver, é como as aves que pousam no rio, tu sabes, os cisnes.
— Ah — diz o cego.
Um momento depois, perguntou a Srulek:
— Diz-me, como é um cisne?
— Bem, é uma ave grande, com asas grandes, um pescoço muito comprido e curvo, um bico assim.
Srulek esticou o braço e curvou o punho para imitar um cisne. O cego estendeu a mão e palpou o braço e a mão de Srulek, lentamente, atentamente, antes de dizer sorrindo:
— Ah, sim, agora já vejo como é ela, a neve...
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos, pp. 45-46.

O texto do abaixo-assinado

Por sugestão de vários colegas, publico aqui o texto do abaixo-assinado lido e subscrito ontem no protesto público realizado na Amora, possibilitando-se, assim, que ele possa ser utilizado e adaptado por quem o desejar. O seu envio para a Assembleia da República deve ser efectivado o mais rapidamente possível.

ABAIXO-ASSINADO

Exmo Senhor
Presidente da Assembleia da República

Exmos Líderes dos Grupos Parlamentares do:
Bloco de Esquerda
Centro Democrático e Social – Partido Popular
Partido Comunista Português
Partido Ecologista “Os Verdes”
Partido Social Democrata
Partido Socialista

Os professores abaixo-assinados, em reunião de Protesto Público, realizada no dia 18 de Março de 2011, na Praça 5 de Outubro, na Amora, vêm manifestar junto de Vossa Excelência o seguinte:

1. Temos como nosso primeiro dever realizar as nossas funções com seriedade profissional. Somos professores, temos particulares responsabilidades educativas e sociais.

2. Há seis anos que, inexplicavelmente, nós e os alunos, somos alvo de uma política para a Educação aventureira e irresponsável. São múltiplas e sucessivas as medidas desastrosas que nos têm atingido. Das mais recentes, basta recordar a criação de mega-agrupamentos de escolas, a tentativa de pôr fim ao par pedagógico na disciplina de EVT e a ameaça real de milhares de despedimentos no próximo ano lectivo, como se o problema da Educação em Portugal fosse o de ter professores a mais.

3. Todavia, o aventureirismo e a irresponsabilidade do Ministério da Educação atinge um nível particularmente grave na legislação sobre a Avaliação do Desempenho Docente. E, neste momento, estamos novamente confrontados com um processo avaliativo que objectivamente não tem condições de credibilidade, que é tecnicamente incompetente e é gerador das mais graves arbitrariedades.

4. É um processo avaliativo sem credibilidade, porque irresponsavelmente não foi feito aquilo que era obrigatório começar por fazer: dar formação de médio e longo prazo, prestada por instituições do ensino superior, aos professores com funções avaliativas. Este pré-requisito é exigido em toda a literatura científica que versa sobre a avaliação dos professores e foi igualmente recomendada pelo Conselho Científico para a Avaliação dos Professores. O Governo optou pela solução mais barata: não dar formação e entregar nas mãos dos docentes a responsabilidade que o Ministério da Educação não quis assumir. Foi a solução mais barata, mas também foi e é a solução mais leviana e mais irresponsável, que retira qualquer credibilidade ao processo avaliativo e que está a deteriorar de forma inexorável as relações profissionais entre os docentes.

5. É um processo tecnicamente incompetente, porque assenta em padrões de desempenho constituídos por uma inoperativa parafernália de quatro dimensões, onze domínios, trinta e nove indicadores e setenta e dois descritores. Desde a tentativa de se pretender avaliar estados de espírito, como é o caso de se querer distinguir entre um professor que revela preocupação e outro professor que revela apenas «alguma preocupação»; passando pelo desejo de distinguir entre um professor que revele um «profundo comprometimento» e um outro professor que revele um comprometimento não profundo; até ao confessado propósito de penalizar um professor que cumpra as acções de formação contínua, mas que não revele evidente «interesse» nesse cumprimento; de tudo se encontra nos setenta e dois descritores dos padrões de desempenho.
Este modelo caracteriza-se pela obsessão de realizar uma avaliação atomística de comportamentos complexos, da qual resultam sucessivas incongruências e recorrentes dislates avaliativos.

6. Por tudo isto, este modelo de avaliação é, e cada vez mais será, um campo aberto a todo o tipo de arbitrariedades. Perante a inoperacionalidade do processo, a falta de preparação técnica dos agentes e a ausência de objectividade mínima dos descritores, a fiabilidade avaliativa está irremediavelmente comprometida, impedindo, deste modo, a salvaguarda do direito que todo o professor tem a uma avaliação séria, justa e credível.

Neste contexto, nós, professores abaixo-assinados, consideramos ser um imperativo deontológico exigir o fim imediato e definitivo deste impraticável modelo de avaliação e a sua substituição por um processo avaliativo simplificado, para o presente ano lectivo.

               Nome           -          Assinatura           -          Escola         -       BI/CC

A ler

A avaliação do desempenho tem os dias contados?
Ler aqui:

Foi na Amora: mais um protesto público

Algumas dezenas de professores, de várias escolas, reuniram-se na Praça 5 de Outubro, na Amora, para manifestarem publicamente a sua determinação na oposição à desastrosa política educativa deste Governo e, em particular, ao incompetente e arbitrário modelo de avaliação. 
Nesta concentração, foi lido um abaixo-assinado que fundamenta e reclama o fim imediato do processo avaliativo e que foi subscrito pelos presentes, para ser endereçado ao presidente da Assembleia da República e aos vários grupos parlamentares.
Nas conversas e impressões partilhadas foi notório o desconforto por todos sentido relativamente às múltiplas incongruências que proliferam em todo o modelo e às inúmeras arbitrariedades que ele possibilita.
Solidariamente, estiveram presentes colegas de Sintra e das Caldas da Rainha. A APEDE fez-se representar pelo seu presidente, Ricardo Silva, e por alguns membros da sua direcção. O autor do blogue Correntes, Paulo Prudêncio, também marcou presença.
Sem nenhuma estrutura organizativa por detrás, a iniciativa deste encontro partiu de um  informal grupo de professores que considera ser um imperativo deontológico lutar contra a enorme farsa avaliativa em curso.
Foram vários os colegas que solicitaram cópias do abaixo-assinado para o levarem para as suas escolas.
Algumas das imagens recolhidas. 




sexta-feira, 18 de março de 2011

Hoje, na Amora

Temos de voltar a manifestar a nossa indignação contra ESTA AVALIAÇÃO e contra todas as medidas desastrosas que destroem a Educação e que INJUSTIFICADAMENTE sacrificam os docentes.
Concentração de professores na AMORA. Sexta-feira, 18 de Março, 21h. Praça 5 de Outubro (Coreto da Amora, junto ao rio). Passa a palavra. Reenvia.

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 16

A quarta e última dimensão dos Padrões de Desempenho — «Desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida» deveria ser, pela substância a que se reporta, relativamente pacífica. Mas a obsessão em realizar uma (pseudo) avaliação atomística — que pretende medir a metro, à força e sem jeito, todo e qualquer movimento, intenção, estado de alma, ou bocejo — conseguiu, até neste domínio da formação contínua, inquinar o processo avaliativo. O fundamentalismo avaliativo tem, manifestamente, várias semelhanças com o fundamentalismo religioso.
Vejamos ao que a ablepsia fundamentalista conduz.
O primeiro descritor do nível «Excelente» enuncia: «O docente toma a iniciativa de desenvolver, de forma sistemática, processos de aquisição e actualização do conhecimento profissional». O que distingue este descritor do primeiro descritor do nível «Muito Bom» é apenas a ausência, neste último, da expressão adverbial «de forma sistemática». A obsessão avaliativa pretende, pois, que se determine uma pretensa filigrana fronteira que distinga entre «tomar a iniciativa de forma sistemática» e «tomar a iniciativa» de forma não sistemática. E porque não há forma séria de fazer objectivar essa diferenciação, o grotesco e a arbitrariedade vão ser dominantes nos (pretensos) critérios de diferenciação entre o sistemático e o não sistemático que cada escola, ou departamento, ou relator vierem a estabelecer. E no momento em que se começarem a fazer comparações nacionais entre os critérios estabelecidos, o grotesco e a arbitrariedade serão de tal monta que a vergonha não será apenas local, será também nacional.
Mas a cegueira fundamentalista continua.
A destrinça entre o primeiro descritor do nível «Muito Bom» e o descritor do nível «Bom» reside no seguinte: o professor «Muito Bom» «toma a iniciativa de desenvolver processos de [...]»; o professor «Bom» «desenvolve processos de [...]». 
À primeira vista, poder-se-ia ter a ideia de que o descritor do nível «Bom» se refere a quem apenas cumpre as acções de formação legalmente obrigatórias, distinguindo-se, assim, do nível «Muito Bom» em que o professor, por sua iniciativa, desenvolveria outros processos de formação contínua. Todavia, o descritor do nível «Regular» desfaz-nos logo essa ideia, porque, de modo claro, diz: «O docente participa em processos de actualização do conhecimento profissional apenas quando formalmente exigido». Isto é, aquilo que se pensaria ser respeitante ao nível «Bom», afinal é para o nível «Regular.» Deste modo, ficamos sem saber concretamente a que se refere o nível «Bom», que não seja passível de confusão com nível «Muito Bom». Estes dois níveis, na prática, distinguem-se como?
Simultaneamente, uma outra questão se levanta: a legislação obriga a que cada professor frequente, no mínimo, 50 horas de formação em cada biénio. Ora, o nível «Bom» é o nível classificativo mínimo exigido para que o professor não fique sujeito a possíveis penalizações. Mas, como acabamos de ver, quem cumprir o que a lei determina é penalizado com a classificação de «Regular». Neste indicador, só quem faça mais do que a legislação exige é que pode ascender ao nível Bom/Muito Bom (refiro os dois, porque, como vimos, a diferenciação entre um e outro ainda está por esclarecer...). Portanto, quem cumprir a lei é penalizado!
Mas as extravagâncias e as incongruências não encerram aqui. Continuam e agravam-se! Para terminarmos, por hoje, vejamos o absurdo a que o fundamentalismo avaliativo chega. Comparemos o conteúdo dos descritores dos níveis «Regular» e «Insuficiente».
Relembremos o «Regular»:«O docente participa em processos de actualização do conhecimento profissional apenas quando formalmente exigido».
Vejamos agora o «Insuficiente» (o nível classificativo mais baixo): «O docente não revela interesse em actualizar o seu conhecimento profissional, fazendo-o apenas quando formalmente exigido.»
Onde está a diferença? A diferença está em «revelar interesse» ou em «não revelar interesse»!! 
O caricato desta situação é tão explícito que torna o comentário difícil e provavelmente inútil. Por isso, finalizo apenas com um desabafo: para além extravagância que é pretender avaliar emoções, e para além da aberração legal e ética que é pretender penalizar alguém que cumpre a lei (porque ambos os descritores enunciam que os professores cumprem o formalmente exigido), como é possível que haja gente que ainda pretende instituir uma penalização suplementar para quem cumpra a lei, mas que o faça sem revelar que tal cumprimento é feito com «interesse»?!
Confesso que não imaginei vir um dia a ler semelhante coisa. 

Ligações a outros posts relacionados com a ADD:
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8 
. Sub-repticiamente 
. Requerimento do Dep. C.S.H. da Escola Secundária de Amora

quinta-feira, 17 de março de 2011

Amanhã, na Amora, o protesto público continua


O sms da convocatória: 
Temos de voltar a manifestar a nossa indignação contra ESTA AVALIAÇÃO e contra todas as medidas desastrosas que destroem a Educação e que INJUSTIFICADAMENTE sacrificam os docentes.
Concentração de professores na AMORA. Sexta-feira, 18 de Março, 21h. Praça 5 de Outubro (Coreto da Amora, junto ao rio). Passa a palavra. Reenvia.

Petição: a sua admissibilidade vai ser decidida em 23 de Março

Os colegas Ana Paula Correia, Isilda Lopes, José Ribeiro e Manuela Ferraz informam, por e-mail, que a petição promovida pela sua escola, Escola Secundária c/ 3º ciclo de Henrique Medina, Esposende — petição que visa a suspensão imediata do actual modelo de avaliação e a sua substituição por um outro modelo avaliativo cujos princípios estão enunciados no texto da petição — já deu entrada na Assembleia da República (Petição n.º 159/XI/2.ª).
A sua admissibilidade vai ser apreciada na reunião da Comissão Parlamentar de Educação do próximo dia 23 de Março.

Quinta da Clássica - Camille Saint-Saëns

quarta-feira, 16 de março de 2011

Um e-mail solidário, vindo de colegas de Esposende

Recebi este generoso e solidário e-mail, que agradeço, em meu nome e em nome dos professores que estão a preparar o protesto público, na Amora, e dos que nele irão estar presentes.

Caro colega Mário Carneiro,

Na impossibilidade (infelizmente, são 400 quilómetros entre Esposende e a Amora) de podermos participar na concentração de professores de protesto contra esta "incompetente e iníqua" avaliação de desempenho, não queremos deixar de manifestar o nosso apoio e apreço por essa tão importante iniciativa dos professores de escolas da Amora e pela visibilidade que a mesma confere às razões da indignação dos professores contra esta política de terra queimada na Educação.


Que seja um grande sucesso e que outras iniciativas se lhe sigam, são os nossos votos.


Um abraço


Ana Paula Correia, Isilda Lopes, José Ribeiro e Manuela Ferraz

(Escola Secundária c/ 3º ciclo de Henrique Medina, Esposende)

Às quartas

SE

Um esquilo cruza o meu caminho
quando viajo
então tenho sorte
mas quando é uma chita
ou gato selvagem que o cruza
volto para trás.

eu bato numa pedra com o pé direito
quando viajo
derreto-me de alegria
pois serei bem alimentado
mas quando é o esquerdo
volto para trás.

visto a minha camisa
do avesso
salto de contentamento
pois serei bem alimentado.

o primeiro ser
que encontro de manhãzinha
é uma velha
volto para o meu cobertor
é tudo má sorte

eu sonho que um familiar morre
enquanto docemente dormito
acordo cheio de alegria
sabendo que ele foi bem alimentado
na noite passada.

e se eu sonho que estou morto
alegro-me
por ter crescido uma polegada
e se eu sonho
com a minha rapariga ideal
então perco a esperança
a resposta é não

acordo de manhã
e os meus dentes batem
estão soltos
sei de certeza
que comeram excrementos
enquanto a alma estava na terra das fadas

Uma galinha cacareja
tem de ser morta
mau agoiro
um cão uiva
em vez de ladrar
o dono da aldeia
está às portas da morte
e se caminho de cabeça para baixo
então estou morto.

Jared Angira
(Trad.: José Alberto Oliveira)

Um apelo para o dia 17 de Março

Presença nas Galerias da Assembleia da República
 
Serão discutidas diversas iniciativas legislativas que dizem respeito a todos os professores, e nomeadamente aos professores contratados:
a) Concursos em 2011 e vinculação de professores (votação da petição apresentada em Janeiro);
b) Projectos de lei e Projectos de Resolução sobre concursos e vinculação;
c) Retirada da ADD dos concursos;
 
Apela-se a todos os professores que possam estar presentes que venham encher as galerias do Parlamento para mostrarem o seu descontentamento e as suas expectativas de resoluções imediatas para os problemas que os assolam diariamente.

Não esperes por Setembro pois pode ser tarde demais.

Frente de Contratados do SPGL
Apelo enviado pelo colega Paulo Ambrósio.

terça-feira, 15 de março de 2011

Protesto público na Amora - Concentração de Professores, 18 de Março


Por iniciativa de vários professores, está a ser organizado, na Amora, um protesto público contra a incompetente e iníqua avaliação docente e contra a política deste Governo que tem destruído a Educação e, sem qualquer justificação, penalizado os professores.
A concentração está a ser convocada por sms e e-mail. O texto que está a circular é o seguinte:
Temos de voltar a manifestar a nossa indignação contra ESTA AVALIAÇÃO e contra todas as medidas desastrosas que destroem a Educação e que INJUSTIFICADAMENTE sacrificam os docentes.
Concentração de professores na AMORA. Sexta-feira, 18 de Março, 21h. Praça 5 de Outubro (Coreto da Amora, junto ao rio). Passa a palavra. Reenvia.
O movimento de contestação continua a crescer. São cerca de centena e meia as escolas que se manifestaram publicamente contra esta ADD, e todos os dias surgem novas tomadas de posição. Já são vários milhares os professores que subscreveram abaixo-assinados e/ou petições e/ou manifestos de denúncia. 
A seriedade profissional é incompatível com esta vergonhosa avaliação e com esta desastrosa política educativa.

Bonecos de palavra

 Calvin & Hobbes, por Bill Watterson (trad.: Ana Falcão Bastos) 
Para ampliar, clicar na imagem.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Notas do fim-de-semana

Juiz Carlos Alexandre acredita ter sido alvo de escutas ilegais na investigação do Freeport
Público (11/3/11)

Contagem decrescente começa hoje
Sol (11/3/11)

Presidente critica interpretação "distorcida" do seu discurso mas omite alvos da acusação

Passos Coelho chumba o novo plano de austeridade de José Sócrates
— Mais de 250 mil pensionistas perdem rendimento com o quarto plano de austeridade apresentado pelo Governo em menos de uma ano —
Público (12/3/11)

Pacote extra para tapar "buraco" nas eleições

Cavaco prepara terreno para eleições

Governo português queria contabilizar o buraco do BPN no défice de 2008. Bruxelas não aceita o truque de contabilidade
Expresso (12/3/11)

Geração à Rasca arrasta pais e avós para a rua
— Centenas de milhares de manifestantes no Porto e em Lisboa —

Todas as idades, todos os grupos, todas as palavras de ordem

Enchente em Faro. Todas as gerações em Leiria. Pais e avós em Viseu. Milhares no Minho. Velhos gritos em Coimbra. Poucos na Madeira.
Público (13/3/11)

Cavaco Silva está a transformar-se numa figura quase só caricata. Depois de ter sido ele, enquanto primeiro-ministro, a incentivar a destruição das nossas frotas pesqueiras e a virar as costas ao mar, descobriu recentemente que o nosso futuro passa pelo aproveitamento da nossa riqueza marítima. Depois de ter sido ele, enquanto primeiro-ministro, a abrir caminho para o abandono maciço da actividade agrícola, descobriu recentemente que necessitamos de uma agricultura próspera. Depois de ter sido ele, enquanto presidente da República, a elogiar publicamente a desastrosa política educativa de Lurdes Rodrigues, descobriu tardiamente, mas não suficientemente, que os professores tinham razão. Depois de ter sido ele, através do silêncio, que permitiu que se generalizasse a suspeita de haver escutas em Belém, veio depois atabalhoadamente afirmar que afinal não havia escutas. Depois de ter promulgado a lei que permitiu o corte nos vencimentos dos profissionais do Estado, descobriu, dois dias antes das eleições para a Presidência da República, que esse corte tinha sido injusto e que existiam alternativas bem mais respeitadoras da distribuição equitativa dos sacrifícios. Depois de, no discurso da tomada de posse  do cargo de Presidente, ter feito um discurso que arrasava a política do Governo, descobriu que afinal não tinha feito esse discurso e que estava a ser mal interpretado. Governo e Presidente merecem-se.

As manifestações de todas as gerações à rasca surpreenderam pela dimensão que atingiram. Resta saber se quem se manifestou está disponível para dar continuidade àquilo que iniciou. 
Para se operarem mudanças significativas nas opções políticas não chega uma ou duas manifestações, porque o que, neste momento, está em causa não é apenas uma mudança de protagonistas é também uma mudança de políticas. É verdade que expulsar os actuais responsáveis políticos, em particular José Sócrates, é um imperativo não só político mas também ético. Sócrates ficará na nossa história como um político medíocre, aventureiro e irresponsável que conduziu Portugal a uma degradação económica, social e educacional nunca registada, depois do 25 de Abril. Para além disto, Sócrates fez degradar o exercício da política a um nível inimaginável. Repugna, aliás, pensar que ele possa estar muito mais tempo à frente dos nossos destinos.
Todavia, não chega substituir o pessoal político. É preciso mudar de rumo político e isso exige a mobilização cívica permanente de toda a sociedade. Julgo que só a consciencialização desta necessidade é que, no futuro, poderá marcar a diferença.

domingo, 13 de março de 2011

Pensamentos de domingo

«Alguns ouvem com as orelhas, outros com o estômago, outros com o bolso e alguns, simplesmente, não ouvem.»
Khalil Gibran

«Nós fervemos a diferentes graus.»
Ralph Emerson

«O mundo só poderá ser salvo, caso o possa ser, pelos insubmissos.»
André Gide
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações.

Wolfgang Muthspiel Trio

Gerações à rasca

Foto retirada do sítio do Expresso
Porque estive no casamento de um ex-aluno (ainda há jovens que se casam...), não pude participar nos protestos que ontem ocorreram em vários pontos do país. Se pudesse ter estado presente, teria estado na Avenida da Liberdade.
Pelo que pude ver nos noticiários das 24 horas e pelo que pude ler nos blogues e sítios de órgãos de comunicação social, as manifestações promovidas pelo movimento «Geração à rasca» superaram largamente as expectativas; e a concentração de professores no Campo Pequeno cumpriu o que dela era esperado — quer quanto ao número de participantes (encheu, mas não transbordou), quer quanto ao conteúdo do discurso de Mário Nogueira, que acabei de ler: críticas habituais, sem uma definição precisa de mobilização imediata contra a ADD.
Quanto à acção dos sindicatos não tenho, infelizmente e já há muito tempo, nenhuma boa expectativa, pelas razões que, neste blogue, tenho apresentado. O mesmo não se passa relativamente à crescente capacidade de intervenção cívica dos portugueses, de que o movimento «Geração à rasca» é um exemplo. Na minha opinião, o que ontem ocorreu, em várias das nossas cidades, é relevante por duas razões, entre outras:
— porque foi um gigantesco protesto público contra as políticas do Governo do PS e, indirectamente, contra as políticas que actualmente dominam a União Europeia;
— porque os emergentes movimentos sociais podem significar que algo está a mudar no modo democrático de a sociedade intervir politicamente.
Com uma só cajadada dois coelhos foram atingidos: a esgotada e incompetente política governamental foi objecto de uma inequívoca rejeição; os partidos políticos e os sindicatos começaram a perceber que, se não se reformulam, poderão ser ultrapassados por novas formas de intervenção social. E apesar de nada se poder assegurar quanto aos desenvolvimentos futuros que estas duas situações vão ter, a sua presente ocorrência é significativa.
Certamente que, agora, será necessário tornar ainda mais real o protesto, isto é, alargá-lo, assumindo que «geração à rasca» não é apenas uma: são todas.

sábado, 12 de março de 2011

Hoje: Protesto Nacional

Hoje: Protesto no Campo Pequeno

Ao sábado: momento quase filosófico

Como fazer vir a chuva

Nas tradições do Médio Oriente encontra-se um personagem insuportável e delicioso que geralmente se chama Nasreddin Hodjâ. As suas histórias (inúmeras) contam-se por toda a parte, da Turquia à Pérsia, da Síria ao Egipto, onde é chamado Gohâ. Estas mesmas histórias encontram-se na tradição popular judia, onde o personagem se chama Ch'hâ, e no Norte de África, onde é mais conhecido sob o nome de Djeha. Seguem-se-lhe vestígios até à polónia, onde o seu nome é Srulek.
Este homem apresenta uma espantosa mistura de ingenuidade, até de estupidez e de astúcia extrema. Grande fornecedor de conselhos que se escusa de seguir, surge portador de todos os defeitos dos homens: é avaro, mentiroso, invejoso, cobarde e rigorosamente egoísta. A vida parece-lhe absurda, adapta o seu comportamento a este absurdo. É este príncipe da lógica popular que Gurdjiev, nos Contos de Belzebú ao seu netinho, colocava no topo da sabedoria humana. [...]
Conta-se na Pérsia que um dia, num tempo de seca tenaz, uma delegação foi ter com ele para lhe perguntar se conhecia um meio de mandar vir chuva.
— Claro — disse ele —, conheço um.
— Depressa. Diz-nos o que há a fazer.
Nasreddin pediu que lhe trouxessem uma bacia cheia de água, o que foi feito com grande custo. Quando lhe deram a bacia, tirou a roupa e, para espanto de todos, pôs-se a lavá-la tranquilamente.
— Como!? — exclamaram. — Juntámos toda a água que nos restava e tu serves-te dela para lavar a tua roupa!
— Não vos inquieteis — respondeu Nasreddin — que eu sei muito bem o que estou a fazer.
Levou todo o tempo necessário, a despeito dos insultos e das ameaças. Lavou a roupa com minúcia e depois disse:
— Agora preciso de outra bacia de água.
Os membros da delegação gritaram ainda mais alto. Onde encontrar a segunda bacia? E para quê? Teria ele perdido o juízo?
Narreddin manteve-se muito calmo e obstinado.
— Sei muito o que faço — dizia ele.
Procuraram por toda a parte, espremeram o barro dos poços, até roubaram a água às crianças, mas trouxeram por fim a segunda bacia.
Narreddin mergulhou nela a sua roupa e enxaguou-a cuidadosamente.
Os outros olhavam, estupidificados. Já não tinham sequer força para gritar.
Finalmente, ele pediu-lhes que o ajudassem a torcer a sua roupa para a escoar bem. Depois levou-a para o seu patiozinho e pendurou-a numa corda para a pôr a secar.
Quase no mesmo instante formaram-se grossas nuvens que se aproximaram e a chuva caiu com abundância.
— Aí têm — disse pausadamente Narreddin. — É sempre o mesmo, quando estendo a roupa.
Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 15

Os erros técnicos e de concepção deste modelo de avaliação repetem-se, como temos visto, ao longo das várias dimensões dos padrões de desempenho. Encerro a análise da terceira dimensão com mais três exemplos.

O segundo descritor do nível «Excelente» enuncia: «Apresenta sugestões que contribuem para a melhoria da qualidade da escola, trabalhando de forma continuada com os diferentes órgãos e estruturas educativas constituindo uma referência na organização.» O segundo descritor do nível «Muito Bom» tem o mesmo conteúdo, com uma única diferença: foi substituído o gerúndio «trabalhando» pelo gerúndio «colaborando.»

O terceiro descritor do nível «Muito Bom» enuncia: «Participa regularmente no desenvolvimento de projectos de intervenção, formação e/ou investigação, orientados para a melhoria da qualidade da escola.»O terceiro descritor do nível «Bom» tem o mesmo conteúdo, com uma única diferença: foi-lhe retirado o advérbio «regularmente».

O quarto descritor do nível «Excelente» enuncia: «Mostra iniciativa no desenvolvimento de actividades que visam atingir os objectivos institucionais da escola e investe, sistematicamente, no maior envolvimento de pais e encarregados de educação e/ou outras entidades da comunidade.»O quarto descritor do nível «Muito Bom» tem o mesmo conteúdo, mas com uma única diferença: foi-lhe retirado o advérbio «sistematicamente».

É claro que a alteração ou a supressão de termos em descritores que se referem ao mesmo indicador tem o propósito de distinguir os desempenhos, de modo a serem inseridos numa hierarquia de níveis de desempenho. Ora um dos graves problemas que se tem levantado é exactamente este: a forma como essa distinção é feita, nos descritores, é incompetente. Isto é, não cumpre a finalidade de operacionalizar a distinção dos desempenhos. 
Não cumpre por duas razões de diferente natureza, ainda que uma seja derivada da outra.
1. Razão de natureza técnica e objectiva: as alterações e as supressões de termos realizadas ao longo dos múltiplos descritores dos padrões do desempenho redundam invariavelmente ou em dúvidas, ou em indefinições, ou em incongruências. Em lugar de serem referenciais que ajudem a objectivar a avaliação são referenciais que potenciam a arbitrariedade na avaliação. 
No decurso destes «Apontamentos» têm sido dados muitos exemplos que ilustram o que acabei de afirmar. Os descritores da terceira dimensão acima enunciados são mais três desses casos. Pretender avaliar o desempenho de um professor através da diferenciação semântica existente entre os gerúndios dos verbos «trabalhar» e «colaborar» é o mesmo que pretender achar a agulha no palheiro. Pretender avaliar o desempenho de um professor a partir da identificação da fronteira entre «sistematicamente» e não sistematicamente ou entre «regularmente» ou não regularmente é o mesmo que pretender construir um edifício sobre areias movediças. Ninguém sabe objectivar estas diferenciações, e, não se sabendo, todo o processo avaliativo fica hipotecado.
Todavia, para além destas razões de natureza técnica e objectiva, existe uma outra razão.
2. Razão de natureza conceptual, que se consubstancia numa contradição insuperável presente neste modelo de avaliação: procurar atomizar, particularizar e objectivar ao pormenor um objecto — desempenho docente — que não é atomizável, particularizável ou objectivável ao pormenor. O desempenho docente é um desempenho complexo, onde intervêm múltiplas variáveis que não são susceptíveis de atomização, particularização ou objectivação. Desta forma, todas as tentativas de estabelecimento de fronteiras entre comportamentos complexos saem goradas. A realidade não se molda a desejos ou a obsessões avaliativas. Por mais voltas que o mundo dê, ninguém sabe qual é a diferença entre «revelar preocupação» e «revelar alguma preocupação», ou a diferença entre «participar com regularidade» e «participar com alguma regularidade», ou a diferença entre... entre tantos outros exemplos que poderia voltar a enumerar.
Os critérios e os instrumentos de avaliação têm de se adaptar à natureza do objecto avaliado e não o contrário, como se pretende com estes padrões de desempenho.
Significa isto que é preciso mudar radicalmente de modelo.


Ligações a outros posts relacionados com a ADD:
. Acerca da simplicidade de um modelo de avaliação e da seriedade da sua concretização
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 1
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 2
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 3
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 4
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 5
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 6
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 7
. Apontamentos sobre o desnorte de uma avaliação - 8 
. Sub-repticiamente 
. Requerimento do Dep. C.S.H. da Escola Secundária de Amora