«É um fenómeno preocupante» foi assim que Nuno Crato comentou a notícia de que teriam sido passados mais de 70 mil atestados médicos a professores, entre Outubro de 2010 e Janeiro de 2011. Segundo o Público, o ministro ainda observou que «em toda as profissões existem pessoas com atitudes menos correctas.»
Este é o comentário que qualquer transeunte faria se fosse interpelado por um jornalista, sobre a mesma notícia. Todavia, de um ministro espera-se que faça melhor do que faz um anónimo cidadão. Para dizer vulgaridades, chegamos nós. A um ministro exige-se mais, não digo muito mais, digo um pouco mais. Por exemplo, não lhe teria ficado mal informar-se sobre a normalidade ou a anormalidade do número de 70 mil atestados médicos em quatro meses. E, se verificasse que esse número foi anormal (como de facto foi), não lhe ficaria mal interrogar-se sobre a causa dessa anormalidade. E, depois de se interrogar, poderia investigar, ou mandar investigar, ou saber se já alguém investigou o que esteve na origem do fenómeno, para, em seguida, como ministro da pasta que é, poder responder com fundamento e seriedade, e não responder o que qualquer desinformado responderia. Por fim, em lugar de dizer que «em todas as profissões existem pessoas com atitudes menos correctas» — porque dizer isso é apenas dizer uma banalidade, e é dizer que já ajuizou sem prova, e é não esclarecer nada do que deve ser esclarecido —, se dissesse e enfatizasse que, até hoje, depois da investigação já realizada, só foram instaurados 19 processos, em 70 mil atestados, estaria a ser mais rigoroso e menos prosaicamente palavroso.
Adicionalmente, talvez houvesse algum interesse em investigar se existe alguma conexão entre a causa que gerou esse anormal número de atestados médicos e a causa que tem gerado um anormal número de pedidos de reforma antecipada. E, nessa investigação, poder-se-ia também tentar apurar se existe alguma conexão entre esse anormal número de atestados médicos e o reinício formal do tal processo monstruoso e kafkiano, que teve o pontapé saída, precisamente em Outubro de 2010, com a publicação dos desnorteados Padrões do Desempenho Docente. Padrões esses que constituíram um dos elementos mais negros da já negra história da avaliação do desempenho docente, em Portugal, e que conduziram muitos professores à indignação e ao desespero.
Não estou a afirmar que essa conexão existe. Não investiguei, não posso saber. Mas posso e devo colocar a hipótese, porque há indícios empíricos que a tornam plausível e que a tornam susceptível de ser investigada para futura comprovação ou refutação. Ora, sendo este o modo como a ciência trabalha (observa o problema, formula uma hipótese explicativa, submete a verificação a hipótese formulada), e sendo Nuno Crato um homem de ciência, como recorrentemente gosta de se classificar, não se compreende que não proceda assim, antes de dizer e repetir frivolidades. Ganharíamos todos com isso: passaríamos a conhecer melhor a realidade e não perderíamos tempo a ouvir comentários irrelevantes.
Pessoalmente, estou muito interessado em saber se a hipótese acima formulada é verdadeira. E se for verdadeira, concluir-se-á que as tais pessoas menos correctas, de que fala o ministro, afinal não estão predominantemente entre os professores, estão e têm estado, desgraçadamente para os professores e para os alunos, dentro do próprio Ministério da Educação.
Mas, naturalmente, tudo isto não passa de uma hipótese...