segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Comentário de segunda

1. «Nós não somos a Grécia!» — esta é a frase que Presidente da República, primeiro-ministro, membros do Governo, deputados da maioria e até do PS têm vindo a repetir insistentemente, desde há meses, e, com particular ênfase, na última semana.
É lastimável ouvir afirmações daquele teor. É lastimável, é constrangedor e evidencia a menoridade política de quem tem a incumbência de representar o nosso país. Se tivéssemos governantes de elevada estatura política, se tivéssemos lideres com carácter e com convicções alicerçadas num pensamento reflexivo e crítico, certamente que não ouviríamos comentários daquela natureza.
Em primeiro-lugar, porque quem verdadeiramente acredita em si próprio, quem está seguro do caminho que quer trilhar, não perde tempo a apontar alegados defeitos a terceiros: concentra-se apenas no que tem de fazer e auto-determina-se a atingir os objectivos que pretende. Só quem é medíocre sente necessidade de rebaixar o parceiro para se notabilizar ou para se (auto-)valorizar.
Em segundo lugar, se permanentemente reclamamos a prática da solidariedade na Europa, como podemos ser nós os primeiros a atraiçoar essa solidariedade, tratando um Estado da mesma União como se peçonha tivesse?
Apregoamos que a UE deve falar a uma só voz, mas, sempre que a oportunidade surge, pedimos para não nos confundirem com os gregos? Se existem críticas a dirigir aos governos gregos (actual e anteriores) essas críticas devem ser apresentadas e justificadas nos locais próprios, não nas televisões, não na comunicação social. Ao fazerem-no publicamente, Presidente da República e primeiro-ministro dão o exemplo de seguirem a velha máxima do «salve-se quem puder» e revelam a sua insignificante dimensão política. Cavaco Silva e Passos Coelho  são, possivelmente, bons técnicos de contabilidade, mas não são, seguramente, bons políticos e muito menos são os políticos de que Portugal precisa.

2. Mas se a Política (com letra maiúscula, para a distinguir da pequena política) não está ao alcance dos nossos governantes, o básico bom senso, pelo menos, deveria estar. E esse bom senso teria aconselhado prudência de modo a evitar que acusássemos outros (ainda que indirectamente) daquilo de que nós próprios também poderíamos vir a ser acusados — para mais, sabendo nós quem temos dentro de casa. Ora essa prudência não existiu e aconteceu aquilo que, de facto, acabou por não surpreender nenhum português: o que era censurado aos gregos — fazerem falcatruas nas contas — agora, passou também a ser-nos censurado. E fomos conduzidos a esta situação pela mão de uma desprezível figura regional da política: segundo o noticiado, durante os últimos anos, Jardim intrujou as contas da Madeira; e como as contas da Madeira fazem parte das contas de Portugal, as contas que Portugal apresentou à União Europeia estavam intrujadas.
O responsável por isto é um indivíduo que já há muito devia ter sido banido da política. Mas não o foi por duas razões: porque os eleitores madeirenses não o quiseram e porque os dirigentes nacionais do PSD e as autoridades políticas nacionais, a começar pelos Presidentes da República, foram sempre cúmplices da boçalidade, da incompetência e do mundo de barbárie política de Jardim.
Não contesto a legitimidade de os madeirenses escolherem aquela degradada e degradante personagem política para seu governante. Certamente que têm essa legitimidade, mas também têm de assumir as consequências dessa legitimidade e dessa escolha. Do mesmo modo que, no Continente, estamos a pagar pelos resultados das escolhas eleitorais que foram feitas nos últimos anos (desgraçadamente, estamos todos a pagar: os que fizeram essas escolhas e os que não fizeram), os madeirenses também têm de pagar pelos resultados das suas escolhas. E disso não podem querer fugir.
Agora, o que eu contesto é a leviandade e a cumplicidade das autoridades nacionais para com essa indecorosa figura política. Objectivamente, os dirigentes políticos nacionais foram responsáveis pela impunidade de quem recorrentemente desrespeitou e insultou as instituições da nossa República. E, neste momento, sabemos que não fez só isso: sabemos que ocultou (alarve e publicamente assumido pelo próprio), de forma deliberada, as dívidas que contraía para enganar as autoridades nacionais.
Em Portugal, há certamente quem já tenha sido preso por menos.