quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Temos vivido acima das nossas possibilidades? Trechos - Ana Cordeiro Santos (2)

«Como já foi referido, cerca de 80% do crédito às famílias destina-se à aquisição ou construção de habitação própria. Este facto é relevante pois mitiga a gravidade do endividamento das famílias. Em primeiro lugar, porque este crédito confere um baixo nível de risco: a dívida contraída pelas famílias está razoavelmente protegida pelo valor do imóvel, considerando que não se verificou em Portugal, como noutros países, uma sobrevalorização dos preços da habitação. A esta segurança acrescem ainda as garantias pessoais  prestadas pelos fiadores neste tipo de crédito. Em segundo lugar, porque o peso dos encargos mensais das prestações dos empréstimos à habitação no rendimento mensal das famílias é relativamente reduzido em Portugal, quando comparado com outros países da Zona Euro. De facto, a taxa de incumprimento relativa ao crédito à habitação é considerada baixa, situando-se na ordem dos 2% do crédito contraído. Já o crédito ao consumo e outros fins, que representa apenas cerca de 20% do crédito contraído pelas famílias, apresenta taxas de incumprimento na ordem dos 8%. [...] É ainda de registar que o crédito malparado das famílias (total do crédito à habitação e crédito ao consumo e outros fins) se situa abaixo do crédito malparado das empresas (de acordo com o Banco de Portugal, 3% e 5%, respectivamente).
Não só o endividamento das famílias portuguesas se concentra em empréstimos que representam um risco diminuto, como esta dívida se concentra em famílias que pertencem aos escalões de rendimento superior. De facto, [...] apenas cerca de 40% das famílias portuguesas participam no mercado da dívida, sendo que 30% das famílias participam apenas no mercado do crédito para outros fins. [A dívida está concentrada] nos estratos de rendimento mais alto, em agregados jovens, com nível educacional elevado e cujo representante é trabalhador assalariado. [...] Pode concluir-se que não só mais de metade dos portugueses tem vivido exclusivamente com os seus recursos, como aqueles que recorrem ao crédito têm vivido de acordo com as suas possibilidades.» [Continua]
Ana Cordeiro Santos, «Temos Vivido Acima das Nossas Possibilidades?», Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, n.º 57 (Julho/2011).