A INVASÃO DOS MONSTROS MARINHOS
Centenas de seres estranhos desembarcaram na Ilha das Mimosas. Stop.
Desprovidos de olhos mas carregados de electricidade. Stop.
«Por volta das oito, oito e meia, um quarto para as dez, hora local, os Vingadores acabavam de atingir a praia em missão de reconhecimento quando depararam com as estranhas criaturas.
O Ruivo-Estás-Àrder tinha voltado ao bando nesse dia (ia de pêlo baixo, mansíssimo - por enquanto) mas, não falando já no Ruivo, o que chamava a atenção no destacamento era um novo Vingador conhecido por menino Rato Micas e a esse só lhe faltava o fato à maruja para caber numa fotografia de domingo. Era filho duma professora mulata e dum madeireiro de Cabinda.
Há muito que os gémeos Romeira andavam à procura de alguém que quisesse fazer de preto guerrilha, já que nenhum do bando podia ser: o Romeira Um porque era chefe, o Romeira Dois porque era irmão e o Ruivo porque tinha mau perder e estava sempre a levantar cabelo: à mais pequena coisa desertava. Grande gaita. Assim ninguém podia reinar às guerras do mato como devia ser.
Vai daí lembraram-se do chamado Rato Micas. Estudaram muito bem a forma de o convencer, prometendo-lhe que umas vezes fazia de preto turra, terrorista-chefe, outras vezes de branco Vingador. Era mulato, dava para os dois. E com meia dúzia de cigarros mata-ratos e uma esferográfica (que é como se engatam os pretos que não sabem escrever) acabaram por levá-lo na curva.
Todos os presentes, coluna de marcha, os Vingadores chegaram à costa às tantas da manhã, pelo lado das dunas. À vista do areal ficaram estarrecidos: estava cheio de alforrecas trazidas pela corrente, centenas de discos navegadores espapaçados ao sol.
«S. O. S. Monstros à vista!», anunciou o Romeira Dois.
«A eles!», berrou logo o irmão, Romeira Chefe.
E como Vingador que nada teme nunca ouve duas vezes, entraram todos a matar e foi dar até vir a mulher da fava-rica. Bateram, desfizeram à patada, esquartejaram com canas de lança — uma chacina das antigas. Em menos dum fósforo a praia ficou resumida a um deserto de cadáveres. Eram uma criaturas repelentes, cegas e silenciosas; algumas estavam distantes do mar, espalmadas na cor da areia, tanto pior — pensaram os Vingadores —, isso significava que rastejavam para terra, camuflagem. Porrada a dobrar, portanto.»
José Cardoso Pires, O Burro-Em-Pé.
