segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Comentário de segunda

Vasco Graça Moura: «O aumento de imposto terá de voltar a ser enquadrado, examinado e explicado. Sem isso, aqueles, entre os quais eu me conto, que elegeram o PSD, sentir-se-ão bastante desorientados, para não dizer frustrados» (Público, 3/9/11).
Marques Mendes: «Este aumento dos impostos é um murro no estômago» (Público, 3/9/11).
Manuela Ferreira Leite: «[O fim das deduções fiscais] de justiça tem pouca e de eficácia nada» (Expresso, 3/9/11).
Pacheco Pereira: «O martelo pilão cai-nos em cima todos os dias com impostos, cortes, fim de benefícios, aumento de preços» (Público, 3/9/11).
José Manuel Fernandes: «Taxar os ricos tem muitos inconvenientes» (Público, 2/9/11).

É com carinho, alguma preocupação e total solidariedade que leio e oiço estas e outras vozes a protestar em uníssono contra o aumento do impostos. Mas, confesso, é também com ligeira perplexidade. Vou explicar.
Estas e outras vozes, cuja opinião é permanentemente publicada e muito publicitada, andaram nos últimos dois anos a anunciar-nos que estávamos a viver acima das nossas possibilidades, que estávamos irresponsavelmente a esbanjar dinheiro, que era necessário todos nós fazermos sacrifícios, que era inevitável haver despedimentos, cortes nos salários e por aí fora. Pintaram um quadro negro, negríssimo, prepararam-nos psicologicamente para o embate brutal que inevitavelmente iria chegar, inculcaram-nos má consciência para nos inibir os protestos, declararam a inevitabilidade da crise e da austeridade e disseram-nos até que, se não tivéssemos juízo, o país poderia desaparecer.
Foi neste contexto que eu entendi que todos eles se tivessem mostrado particularmente compreensíveis com o corte nos salários dos funcionários públicos: «que sim», «que tinha de ser», «que não havia outro remédio».
Foi igualmente neste contexto que entendi a total compreensão que todos eles revelaram em relação ao anúncio do congelamento dos salários dos funcionários públicos: «que era inevitável», «que era preciso cortar em algum lado», «que era necessário aprender a viver com menos dinheiro». 
Foi ainda neste contexto que entendi a ausência de um esboço sequer de discordância relativamente à decisão do congelamento da progressão nas carreiras dos funcionários públicos: «que ao ponto a que isto tinha chegado...», «que não havia alternativa», «que pois claro...»
A minha ligeira perplexidade surge agora. De repente, sem que ninguém esperasse, irrompe, na rádio, na televisão, jornais e na internet, um fortissimamente audível, visível e legível coro de reclamações, indignações e frustrações. Aqueles que, até há dias, sempre tinham demonstrado uma inexcedível capacidade de compreensão pelas medidas de austeridade implementadas, e, em alguns casos, mais do que compreensão, evidenciaram mesmo um convicto e sonoro apoio a essas medidas, tornaram-se, de um dia para o outro, contestatários, agressivos, mal-dispostos, fuçanhudos.
Interroguei-me: mas o que terá acontecido para tão brusca mudança de atitude, para tanto azedume? Na continuidade do que fazia o anterior, este Governo, desde que tomou posse, que tem feito senão aumentar taxas e impostos? Onde está, pois, a novidade do último anúncio do ministro das Finanças?
Ouvindo o que o senhor ministro anunciou, quase que diria que a única novidade foi a de não cortar os vencimentos ou a de não aumentar os impostos especificamente aos funcionários públicos. Todavia, pude reparar que houve, na realidade, algo de novo relativamente ao IRS: um pequeno aumento específico de 2,5% no último escalão e o fim da isenção de deduções especificamente no último e penúltimo escalões.
Julgo não me enganar se disser que todos aqueles que agora não escondem a sua má disposição pertencem exactamente a estes dois escalões. Naturalmente que é coincidência e naturalmente que há outra razão que justifique tão indignados protestos. Não me passaria pela cabeça julgar que pessoas tão envolvidas na persuasão de terceiros para que aceitem despedimentos, cortes nos vencimentos e aumentos de impostos se mostrem tão renitentes no momento em que os sacrifícios também lhes são especificamente dirigidos. Daqui a minha ligeira perplexidade. Ligeira, porque estou convicto de que existirão altas razões para o manifestado desagrado.
Entretanto, enquanto as altas razões não são devidamente explicadas pelos reclamantes, recordar-lhes-ei, carinhosa e solidariamente: «que sim», «que tem de ser», «que não há outro remédio», «que é inevitável», «que é preciso cortar em algum lado», «que é necessário aprender a viver com menos dinheiro», «que ao ponto a que isto chegou...», «que não há alternativa», «que pois claro...»