sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Avaliação: Pano Velho - 4

Passos Coelho disse, ontem, no Parlamento, que o novo modelo de avaliação do desempenho docente é sério e exigente. Nuno Crato também o tem dito. Não é verdade. Lamentavelmente não é verdade. O novo/velho modelo de avaliação nada tem de sério e nada tem de exigente. 
Comparativamente, podemos dizer: se o modelo de avaliação de Sócrates/Rodrigues/Alçada era absolutamente incompetente e azémola, o modelo Coelho/Crato continua a ser absolutamente incompetente e ligeiramente menos azémola — mas muito ligeiramente, porque, como iremos ver nos Artigos abaixo comentados, esta característica também nele abunda.
Estas e outras notas que aqui vou deixando servem de fundamentação ao que acabei de afirmar.

Artigo 13.º (Avaliador externo) - A alínea a) do n. 1.º deste Artigo diz que o avaliador deve «Estar integrado em escalão igual ou superior ao avaliado.» 
Recordo, a este propósito, o que estava escrito no 4.º Princípio, que conjuntamente com mais seis — pomposamente apresentados por Nuno Crato, pouco tempo depois da tomada de posse do cargo de ministro —, constituía, alegadamente, a base sólida e diferenciadora do que deveria ser um novo modelo de avaliação: «Os avaliadores terão de pertencer a um escalão mais avançado que os dos respectivos avaliados.» Crato deu a este Princípio a significativa designação de «Hierarquização da Avaliação». Era necessário garantir, segundo o ministro, que o avaliador estivesse numa posição hierarquicamente superior. Apesar dos escalões não constituírem uma hierarquia (reportam somente a uma tabela de vencimentos), para o ministro, era o suficiente: sempre dava o «ar» de hierarquização.
Todavia, misteriosa e repentinamente, este princípio esfumou-se, e, com a mesma naturalidade com que se tinha afirmado que sim, passou-se a afirmar que não, que o avaliador já não terá de estar num escalão superior ao avaliado; que, afinal, já poderá estar no mesmo escalão. De uma penada, atirou-se pela ribanceira abaixo a anunciada hierarquização da avaliação e, com ela, também foi um dos sete princípios fundadores do suposto novo modelo de avaliação. Foi prestada alguma explicação para tão profunda alteração de posição?  Não ouvi nem li qualquer explicação. 
Vê-se que, para este Governo, faz parte do natural fluir da vida afirmar hoje uma coisa e amanhã o seu contrário. O primeiro-ministro tem sido modelar neste particular e o ministro da Educação já deu mostras de ser um seu fiel mimético. Atira-se às malvas um Princípio com o mesmo à-vontade com que se respira.
É no que dá quando se ignora o que é ter ética na política e quando se fala do que não se sabe. Na realidade, aquele 4.º Princípio não passava de um «bitaite», e como «bitaite» assim se esfumou.

Artigo 14.º (Avaliador interno) - Este Artigo é uma embrulhada impressionante.
O N.º 1 deste Artigo determina: «O avaliador interno é o coordenador de departamento curricular ou quem este designar, considerando-se, para este efeito, as regras constantes do artigo anterior para a selecção do avaliador externo.» E o N.º 2 completa: «Na impossibilidade de aplicação dos critérios previstos no número anterior não há lugar à designação, mantendo-se o coordenador de departamento curricular como avaliador.»
Portanto, o avaliador interno, para poder ser nomeado pelo coordenador de departamento, tem de cumprir os seguintes critérios exigidos no Artigo 13.º, a saber: «a) Estar integrado em escalão igual ou superior ao do avaliado; b) Pertencer ao mesmo grupo de recrutamento do avaliado; c) Ser titular de formação em avaliação do desempenho ou supervisão pedagógica ou deter experiência profissional em supervisão pedagógica.» 
O absurdo é o seguinte: no caso de não haver professores que cumpram os requisitos acima discriminados, o avaliador é o coordenador de departamento; ora o coordenador de departamento é escolhido por um único critério: o critério da confiança do director. Todavia, esta confiança poder ser de natureza diversa, como é sabido e conhecido: confiança de natureza profissional, ou confiança de natureza empática, ou confiança por fidelidade canina, ou confiança por acriticismo garantido; enfim, confiança por aquilo que o director quiser. Por conseguinte, na escolha do coordenador não há nenhum critério que tenha que ver com o escalão, ou com o grupo de recrutamento, ou com a fomação que possui. Daqui decorrem várias consequências, todas elas, curiosamente, incongruentes e néscias, à luz da própria lógica interna do modelo:
i) Ao coordenador não é exigido, para exercer as funções de avaliador, nenhum dos critérios que é exigido aos outros professores para exercerem a mesma função;
ii) Deste modo, como o coordenador não está obrigado a respeitar nenhum desses critérios para ser coordenador, mas como vai ser avaliador ele poderá pertencer a um escalão inferior àquele a que o professor avaliado pertence, violando-se, assim, escandalosa e objectivamente o que tinha sido prometido e anunciado;
iii) O coordenador poderá não pertencer ao grupo de recrutamento do avaliado, violando-se escandalosa e objectivamente o que tinha sido prometido e anunciado;
iv) O coordenador poderá não ser titular de formação em avaliação do desempenho ou supervisão pedagógica nem deter experiência profissional em supervisão pedagógica, violando-se escandalosa e objectivamente o que tinha sido prometido e anunciado;
Assim, poderemos vir a ter situações como esta: um coordenador de departamento pertencente ao 5.º escalão ir avaliar um professor do 9.º ou 10.º escalão, sem pertencer ao seu grupo de recrutamento e sem ter qualquer formação para o exercício dessa função.

É este o rigor de que Passos Coelho e Nuno Crato falam? É esta a exigência que eles anunciam? É esta a seriedade que eles proclamam?
Para a semana, voltarei ainda ao Artigo 14.º — porque este Artigo é um verdadeiro ajuntamento de dislates.