quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Às quartas

Árvores Homens

Ontem à tarde
voltava eu com as nuvens
que entravam sob roseiras
(grande ternura redonda)
entre os troncos constantes.

A solidão era eterna
e o silêncio inacabável.
Detive-me com uma árvore
e ouvi falar as árvores.

O pássaro só fugia
dessa oculta paragem,
só eu podia estar
entre as rosas finais.

Eu não queria voltar
em mim, receando dar-lhes
desgostos de árvore diferente
às árvores iguais.

As árvores esqueceram-se
de como eu era homem errante,
e, esquecida a minha forma,
ouvia falar as árvores.

Demorei-me até à estrela.
Em voo de luz suave
fui indo até à margem,
com a Lua já no espaço.

Quando eu ia a sair
vi as árvores fitar-me.
De tudo davam conta,
dava pena deixá-las.

Eu ouvi-as falar,
entre névoas de nácares,
com brando rumor, de mim.
Como desenganá-las?

Como dizer-lhes não,
que estava de passagem,
que a mim não me falassem?
Não queria atraiçoá-las.

E muito tarde, ontem à tarde,
ouvi-me a falar às árvores.

Juan Ramón Jiménez
(Trad.: José Bento)