No passado sábado, fui à inauguração do «Espaço Paixão - Clássica/Jazz», na Fnac do Chiado. O programa anunciava uma conversa entre Rui Vieira Nery e José Duarte, seguida da actuação de Pedro Burmester e Mário Laginha, que apresentavam os seus novos discos. O início estava marcado para as dez da noite.
Este programa era uma tentação a que não era legítimo resistir. Não resisti, e fui. A única reserva que tinha era em relação a Vieira Nery, não sou apreciador de estilos afectados, mas, enfim, pensei: não há-de ser nada.
Homem prevenido vale por dois e, não fosse o diabo tecê-las, fui mais cedo do que a hora marcada, para assegurar lugar sentado, que a boa música é para se ouvir em todas as posições, menos em pé.
Disciplinadamente, aguardei que a hora prevista para o início do evento chegasse. A hora chegou. Aguardei mais um pouco: cinco minutos; dez minutos; quinze minutos. A conversa entre Nery e Duarte não havia forma de começar. Pelas 22,20h sobe ao pequeno palco um rapaz, razoavelmente bem despenteado, a informar o público que «o programa ainda não se tinha iniciado, porque o prof. Vieira Nery estava um pouco atrasado. Problemas com o trânsito.» «Mas contamos começar dentro de dez minutos» acrescentou o rapaz, com um ar razoavelmente consternado.
Enquanto escutava este aparentemente improvisado relações-públicas da Fnac, julguei-me, por instantes, em Nova Iorque: claro, o trânsito, sempre o maldito trânsito. Coitado do Nery, engarrafado no meio daquele movimento louco. Passado o delírio, acordei em Lisboa: trânsito? Sábado, às dez da noite?! Na baixa de Lisboa?! A minha antipatia pelo prof. Nery rapidamente duplicou e verifiquei que, para além do ar afectado, o prof. Nery tem uma segunda qualidade: não é pontual.
Às 22,30h, o vazio do palco mantinha-se. Às 22,40h fiquei a conhecer o gerente da Fnac Chiado. Um jovem, na casa dos trinta, pouco experiente, mas a ficar preocupado com a face mal-disposta que alguns de nós, pacientíssimos espectadores, lhe revelávamos, de modo a que não tivesse dúvidas acerca do nosso estado de espírito. Subiu ao palco e informou que o «senhor professor Vieira Nery ainda estava um bocadinho atrasado...» o final da frase do gerente já não foi audível. Entre umas gargalhadas bem sonoras e uns ditos pouco simpáticos (para os quais dei a minha colaboração), o discurso do gerente, felizmente, tornou-se incompreensível. Penso que foi nessa altura que ele tomou a decisão dar início ao programa, invertendo a ordem anunciada. Começar-se-ia pela música e depois viria a conversa.
Os ânimos serenaram. Era principalmente para isso que lá estávamos (ainda que eu aprecie ouvir o nosso especialista de Jazz).
A deslocação ao Chiado ficou justificada com a actuação quer de Pedro Burmester, que tocou Schubert e Schumann, quer do Trio de Mário Laginha (Bernardo Moreira, contrabaixista, e Alexandre Frazão, baterista) que tocou arranjos seus sobre músicas de Chopin — isto é, uma versão «jazzística» de algumas peças daquele compositor, que tinham sido dadas a conhecer no Festival de Chopin, realizado em Junho.
Deliciados com o que tínhamos ouvido e de espírito apaziguado, fomos convidados a descer ao piso inferior onde iria ser servido um cocktail e onde a conversa inicialmente anunciada iria decorrer. É que, finalmente, o prof. Nery havia chegado!
Confesso que não me vim logo embora, por duas razões: pelo respeito que tenho por José Duarte e pela curiosidade de saber o que iria dizer o prof. Nery, relativamente ao seu «pequeno» atraso.
O respeito por José Duarte mantenho-o e a curiosidade sobre o que o prof. Nery iria dizer sobre o seu atraso também a mantenho, porque sobre isso ele disse nada. Isto é, o prof. Nery considerou que não tinha de dar satisfações a ninguém nem pedir desculpas a ninguém. Falou como se nada de anormal tivesse ocorrido. Presumo, pois, que, para o prof. Nery, é usual chegar atrasado e é usual os outros esperarem por ele. Reparei, todavia, que há quem goste de esperar, porque houve quem lhe batesse palmas. Esses têm o que merecem. Os outros, como eu, é que tiveram o que não mereciam, mas, em contrapartida, ficamos todos a conhecer muito melhor o prof. Nery — para além de afectado nos modos e de atrasado nos horários, tem uma terceira qualidade: é mal-educado.
Definitivamente, a grosseria e a pesporrência estão na moda.
Este programa era uma tentação a que não era legítimo resistir. Não resisti, e fui. A única reserva que tinha era em relação a Vieira Nery, não sou apreciador de estilos afectados, mas, enfim, pensei: não há-de ser nada.
Homem prevenido vale por dois e, não fosse o diabo tecê-las, fui mais cedo do que a hora marcada, para assegurar lugar sentado, que a boa música é para se ouvir em todas as posições, menos em pé.
Disciplinadamente, aguardei que a hora prevista para o início do evento chegasse. A hora chegou. Aguardei mais um pouco: cinco minutos; dez minutos; quinze minutos. A conversa entre Nery e Duarte não havia forma de começar. Pelas 22,20h sobe ao pequeno palco um rapaz, razoavelmente bem despenteado, a informar o público que «o programa ainda não se tinha iniciado, porque o prof. Vieira Nery estava um pouco atrasado. Problemas com o trânsito.» «Mas contamos começar dentro de dez minutos» acrescentou o rapaz, com um ar razoavelmente consternado.
Enquanto escutava este aparentemente improvisado relações-públicas da Fnac, julguei-me, por instantes, em Nova Iorque: claro, o trânsito, sempre o maldito trânsito. Coitado do Nery, engarrafado no meio daquele movimento louco. Passado o delírio, acordei em Lisboa: trânsito? Sábado, às dez da noite?! Na baixa de Lisboa?! A minha antipatia pelo prof. Nery rapidamente duplicou e verifiquei que, para além do ar afectado, o prof. Nery tem uma segunda qualidade: não é pontual.
Às 22,30h, o vazio do palco mantinha-se. Às 22,40h fiquei a conhecer o gerente da Fnac Chiado. Um jovem, na casa dos trinta, pouco experiente, mas a ficar preocupado com a face mal-disposta que alguns de nós, pacientíssimos espectadores, lhe revelávamos, de modo a que não tivesse dúvidas acerca do nosso estado de espírito. Subiu ao palco e informou que o «senhor professor Vieira Nery ainda estava um bocadinho atrasado...» o final da frase do gerente já não foi audível. Entre umas gargalhadas bem sonoras e uns ditos pouco simpáticos (para os quais dei a minha colaboração), o discurso do gerente, felizmente, tornou-se incompreensível. Penso que foi nessa altura que ele tomou a decisão dar início ao programa, invertendo a ordem anunciada. Começar-se-ia pela música e depois viria a conversa.
Os ânimos serenaram. Era principalmente para isso que lá estávamos (ainda que eu aprecie ouvir o nosso especialista de Jazz).
A deslocação ao Chiado ficou justificada com a actuação quer de Pedro Burmester, que tocou Schubert e Schumann, quer do Trio de Mário Laginha (Bernardo Moreira, contrabaixista, e Alexandre Frazão, baterista) que tocou arranjos seus sobre músicas de Chopin — isto é, uma versão «jazzística» de algumas peças daquele compositor, que tinham sido dadas a conhecer no Festival de Chopin, realizado em Junho.
Deliciados com o que tínhamos ouvido e de espírito apaziguado, fomos convidados a descer ao piso inferior onde iria ser servido um cocktail e onde a conversa inicialmente anunciada iria decorrer. É que, finalmente, o prof. Nery havia chegado!
Confesso que não me vim logo embora, por duas razões: pelo respeito que tenho por José Duarte e pela curiosidade de saber o que iria dizer o prof. Nery, relativamente ao seu «pequeno» atraso.
O respeito por José Duarte mantenho-o e a curiosidade sobre o que o prof. Nery iria dizer sobre o seu atraso também a mantenho, porque sobre isso ele disse nada. Isto é, o prof. Nery considerou que não tinha de dar satisfações a ninguém nem pedir desculpas a ninguém. Falou como se nada de anormal tivesse ocorrido. Presumo, pois, que, para o prof. Nery, é usual chegar atrasado e é usual os outros esperarem por ele. Reparei, todavia, que há quem goste de esperar, porque houve quem lhe batesse palmas. Esses têm o que merecem. Os outros, como eu, é que tiveram o que não mereciam, mas, em contrapartida, ficamos todos a conhecer muito melhor o prof. Nery — para além de afectado nos modos e de atrasado nos horários, tem uma terceira qualidade: é mal-educado.
Definitivamente, a grosseria e a pesporrência estão na moda.